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quarta-feira, 13 de novembro de 2024

O amigo do noivo e a sociologia da galhada: dois causos conjugais.

O amigo do noivo

Amigas íntimas desde o colégio, Beatriz e Cintia se encontram acidentalmente numa cafeteria da moda em um Shopping Center na zona sul.

– Bia, querida, que surpresa! Miga, cê tá linda.

– Oi, Ci. Tudo bem com você?

– Nossa, que astral mais down! O que está pegando?

– Ah, amiga. É o Ricardo, meu noivo. Que decepção!

– Que é isso, Bia! O Ricardo é um o cara mais lindo e charmoso que você já namorou. Causou inveja geral nas meninas. É sensível, sarado, culto, galerista bem sucedido, viajado, charme incrível. Vocês estão juntos há mais de um ano e você praticamente vive no apê dele. O que houve? 

– Pois é, miguxa. Aconteceram coisas. Estou passada.

– O que ele aprontou? Conta tudo, amiga. Desabafa!

– Tudo começou quando, do nada, o Gustavo apareceu em casa. 

– Quem é Gustavo?

– Amigo dele. Tinha ouvido falar mas não conhecia. É um jovem pintor que está expondo na Galeria. Muito talentoso.

– Já sei. O Gustavo deu em cima de você e o Ricardo enciumou?

– Não. De modo algum. Ele é gentil, fino, educado.

– Como ele é? É gato que nem o Ricardo?

– Moreno, alto, barba rala, malhado, sorriso incrível. Na estatura e no visual, lembra o Aston Kutcher. Toca violão e canta muito bem. Voz mansa, pausada e aveludada, que nem o Caetano.

– Para tudo! Apaixonei! Quero conhecer a-go-ra! Ele é comprometido? Se bem que isso é que menos importa.

– Melhor nem conhecer.

– Êpa, êpa. Acho que descobri o que está rolando. Gustavo chegou, o coraçãozinho da miga balançou e você está em dúvida entre os dois. Acertei?

– Nem passou perto. Errou feio!

– Menina, fala logo! Tá me dando nos nervos. Qual é o babado?

– O coração balançou, sim, mas foi o do Ricardo. O canalha assumiu o Gustavo, resolveram dividir o apê e fui despejada. Perdi o noivo e virei uma sem teto! Tô pas-as-da!

Sociologia da galhada

Malando que é malando pensa que amar só uma mulher é trair todas as outras. Também sabe que, se quiser se dar bem, é mais fácil se estiver comprometido. Às vezes o cara fica meses sozinho, mas basta noivar ou casar e começa a chover interessadas. Aliança no dedo age como ímã e atrai o mulherio. Já a mulher de malandro é vacinada. Sabe que o cabra é safado mesmo, não é fiel e dá o troco na mesma moeda, de preferência com outro malandro casado, mais fácil para manter segredo e não causar barraco.

Engana-se quem vê preconceito e acha que esse tipo de rolo só acontece na malandragem. Vale o mesmo para todas as classes sociais. As diferenças estão no nome e no ambiente. Na elite, não existe rolo. É “caso”, ou “afair”. Mais chique. Em vez de drive-in, coisa de pobre, é motel de luxo, flat ou apê. Mas o chifre é o mesmo, coisa típica do ser humano. O boi usa de enxerido.

A dondoca Doralice, mulher do rico empresário João Gilberto, desconfia que está sendo traída. Passou a chegar em casa tarde, está sempre cansado e quase não a procura mais. Ela o seguiu e descobriu que ele esta ciscando Carolina, a caixa do estacionamento vizinho à empresa. Dora planeja vingança maligna, mas não pode se envolver diretamente, pois é casada com separação de bens e não quer ficar na mão. Soube que o marido de Carolina, o Chico, é vigia noturno no mesmo estacionamento. Ela trabalha das 9 às 18, ele das 20 às 6 da manhã e só se encontram aos domingos, e olha lá. Descobriu que o canalha do Gilberto espera Carolina na esquina, ficam horas no motel e depois ele deixa a vadia no Metrô.

Doralice procurou Chico no trabalho, convenceu-o a tomar um café e assim que ganhou sua confiança, contou sobre a dupla traição. Disse que ele precisa aplicar um corretivo no João Gilberto. Chico cofiou a barba e falou:

  • Dona, se eu der uma coça no cabra, e ele bem que merece, vou ter de chapar a cara da Carolina também. Vou preso, perco a casa, a esposa de fim de semana e a senhora fica na mão.
  • Então você não vai fazer nada?
  • Claro que vou, mas preciso pensar. O que falta pra senhora e pra mim, sobra pros dois. Eles se divertem e a gente coça a cabeça e chupa o dedo.
  • Entendi. Sabe, você não é nada mal. A gente podia dar o troco na mesma moeda. É só você vir mais cedo para o trabalho e a gente também pode ir ao motel para vingar os canalhas.

O arranjo funcionou bem algumas vezes, até que um dia Doralice com Chico e João Gilberto com Carolina se encontraram no motel, dois entrando e dois saindo. Os homens se estranharam, rosnaram, mas foram contidos pelas mulheres. Doralice falou:

  • Gente, ninguém sabe de nada ainda. Melhor deixar como está.
  • Nada de barraco, por favor – disse Carolina.

Horas depois, Doralice dormia tranquila, João Gilberto chegou em casa, beijou-lhe a testa, ajeitou a coberta e dormiu. Estava muito cansado. Vida que segue!

Laerte Temple
Laerte Temple
Administrador, advogado, mestre, doutor, professor universitário aposentado. Autor de Humor na Quarentena (Kindle) e Todos a Bordo (Kindle)

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