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terça-feira, 23 de julho de 2024

Walküren – As Três Marias

Capítulo Sessenta e Três

Fazia já uns dez dias que nada de anormal acontecia naquelas paragens. Tudo estava tranquilo. Tanto que o doutor Carneiro resolveu fazer a tão sonhada viagem para Santos, para realizar seu desejo de se tornar um feliz proprietário de um automóvel.

Doutor Carneiro recebeu a carta de seu amigo pela manhã, comunicando-lhe que seu tão sonhado veículo encontrava-se na alfandega. Seria necessário  ir até lá para retirar sua encomenda.

O bom doutor comprou a passagem para o primeiro trem com destino a São Paulo… de lá, embarcaria em outra composição para chegar ao seu destino…

Sua partida estava marcada para as quatro da tarde. Ficou até a hora do almoço no consultório passando instruções para sua pupila. Até agora tudo havia sido tranquilo, pois ele sempre estava próximo para auxiliá-la em caso de necessidade. Agora ela realmente iria passar por uma prova de fogo, pois teria que contar com o que aprendera na prática… e em caso de dúvidas, recorrer aos livros da biblioteca do bom doutor…

Faltavam ainda uns minutos para as quatro da tarde, e Carneiro já estava embarcando na composição. Escolheu um banco, sentou-se o mais confortável que deu e já estava pronto para a viagem que se iniciaria dali a alguns minutos…

Santana veio se despedir do amigo, e trocaram algumas palavras enquanto a composição estava parada. Sim, Santana entrara no vagão e começou a conversar com o doutor. Falou quanto ao temor sobre a viagem do médico… tudo bem, nada de mal iria ocorrer durante sua ausência. Mas… e se acontecesse?

O apito da máquina avisava a todos que o trem já iria partir…Santana despediu-se do amigo e desembarcou. Logo a grande serpente de ferro começou a se mexer. A fumaça subia ao céu… e o “chung-chung” da composição se movimentando foi pouco a pouco tornando-se inaudível… e o trem foi diminuindo cada vez mais seu tamanho enquanto se distanciava no horizonte…

Santana caminhava em direção à delegacia quando viu, do outro lado da rua, Izabel, uma das moças que acompanhara Juvêncio na excursão por este esquecida… apressou o passo, pois queria ter um dedo de prosa com a mesma, como se costuma dizer no sertão… mas não é que a moça simplesmente sumiu no ar, sem mais nem menos?

Santana não estava gostando disso… uma coisa tão simples quanto conversar com a moça, agora parecia ter-se tornado uma tarefa impossível de se realizar…

Essa… dança… entre os dois começou logo após a conversa que tivera com  Juvêncio e Matilde, quando os dois simplesmente ignoraram o fato de terem perdido um dia de sua vida. As três moças estavam presentes enquanto ele tentava tirar alguma informação de seu companheiro. Mas tudo que conseguiu foi perceber que o delegado estava muito desligado, não tomando os cuidados mínimos de segurança…

Quando tentou conversar com as três moças, teve uma surpresa nada agradável… elas haviam simplesmente desaparecido do local em que estavam. Mas ele tinha certeza de que as três não haviam saído do recinto. Aliás, até o momento em que decidiu trocar algumas palavras com elas, as três estavam sentadinhas  à mesa, fazendo sua refeição. Quando ele virou-se para a mesa delas, não havia ninguém no local…

Na verdade, o que mais o preocupava era o fato de que a pausa entre os ataques do Anhangá estava se findando, pelas suas contas. E para deixar tudo ainda pior, havia uma comitiva que deveria estar bem próxima da cidade justamente no dia em que o monstro deveria começar a atacar. Sim, era um problema  e tanto… 

Santana saiu para a rua. Estava desanimado. Não conseguia vislumbrar nenhuma luz no fim do túnel, como se costuma dizer. Pelo que ouviu, a comitiva que se dirigia para Espírito Santo do Pinhal deveria contar com umas duas mil cabeças de gado. Isso o fazia deduzir que teria ao menos uns cinquenta homens responsáveis pela condução da manada. Um banquete e tanto para a fera…

Torquato vinha em direção ao seu chefe. Parecia tranquilo. Mas Santana sabia que não era assim… conhecia seu auxiliar a tempos e sabia ver naquele rosto pétreo diferenças de humor que ninguém mais seria capaz…

Torquato fez sinal que precisava falar urgentemente. Tinha um bar logo a frente, Santana fez-lhe sinal para que entrassem no mesmo. Escolheram uma mesa afastada da porta, sentaram-se. Pediram ao dono do bar uma garrafa de cachaça. É claro quer não pretendiam se embebedar. Mas algo dizia ao delegado que o que seu ajudante iria lhe dizer não seria bem aceito de cara limpa.

– Vamos ter uma lua de sangue…

Era Torquato, falando para Santana. Preocupado que estava com a situação que viviam, tinha ido visitar o pajé de sua tribo, à procura de algum sinal sobre o que aconteceria nos próximos dias. 

– Você tem certeza?

 – Foi a mensagem que Tupã mandou…

Santana olhou seu copo, que estava pela metade. O desejo de entorná-lo era grande… faria as coisa parecerem mais fáceis… mas sabia que tinha que resistir a tentação.

– E isso quer dizer…

– Vai ser ainda pior que o pior dia que já passou…

– E não tem como impedir?

– Talvez… mas não depende de nós… somente uma pessoa pode evitar esse caos…

– E quem seria?

– O Pajé não sabe… disse que uma névoa o impedia de ver quem seria esse salvador… ou salvadora…

Os dois homens estavam desanimados. Uma tempestade se aproximava e não tinham a menor ideia de como protegerem a si mesmos e a comunidade. A única coisa da qual tinham certeza é que precisavam fazer alguma coisa para, se não impedir, ao menos amenizar a tragédia que se avizinhava. Mas aí esbarravam em uma dificuldade que não sabiam como contornar… o que poderiam fazer?

Os copos ficaram sobre a mesa como chegaram no início… com bebida até a metade. Nenhum dos dois ousou levar a cachaça até os lábios. Sabiam que precisavam se manter sóbrios e atentos, pois nuvens negras se espalhavam pelo firmamento. E o mais grave… não teriam apoio de ninguém! Afinal, ao que tudo indicava, Juvêncio fora enfeitiçado. Dona Matilde, também. As três moças…as vezes Santana desconfiava que elas nem eram reais… afinal, apareciam e desapareciam como se fossem sombras no mundo…

Sim, Santana estava realmente desanimado. Toda esperança que depositara em Juvêncio, em sua experiência de enfrentar as forças ocultas…. forças ocultas… se falassem sobre isso a ele a uns seis meses atrás, riria até não poder mais… nunca acreditara nas forças do além… mas, agora… alguma coisa grave ocorrera com o delegado federal em sua investigação… e agora Santana sentia-se sozinho… abandonado! O que ele e seu ajudante poderiam fazer? Essa era a pergunta que não tinha resposta…

Tania Miranda
Tania Miranda
Trabalho na Secretaria de Estado de Educação do Estado de São Paulo e minha função é "Agente de Organização Escolar", embora no momento esteja emprestada para o TRE-SP, onde exerço a função de "Auxiliar Cartorário". Adoro escrever, e no momento (maio de 2023) estou publicando meu primeiro livro pela Editora Versiprosa...

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