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quarta-feira, 20 de novembro de 2024

Escolhas difíceis da vida

A escolha do par perfeito, alguém da mesma espécie ao lado de quem você deseja envelhecer, é algo muito difícil. Outra escolha não menos complexa é do sócio ou parceiro comercial. A similaridade entre o casamento e a sociedade é enorme.

Ter uma empresa é como ter uma família. O sócio é o cônjuge, embora na empresa a poligamia seja admitida; a sede é o lar e os empregados, assim como filhos, ora dão orgulho, ora dor de cabeça. Filhos só preocupam até os 50 anos. Depois os pais já estão gagás e não ligam. Se o casal se separa e os filhos somem, mas todos têm grana, não haverá problema, a menos que alguém precise de um rim. Já com a empresa, a relação pode ser eterna, posto que no Brasil o passado é imprevisível. Você trabalha por anos a fio e um belo dia a Justiça muda de ideia e julga que seus negócios eram ilegais. O Fisco tem memória de elefante, não aceita desaforos e só perde em eficiência para certas igrejas. Se você deixa de pagar dízimo, elas te encontram até onde a Polícia cansou de vasculhar.

Osmar Dias, 60 anos, teve uma vida altamente mais ou menos, cheia de baixos e mais baixos, na família e na empresa que fundou o com Alaor Telo, colega da faculdade. A OsmarTelo, tal qual casamento, começou com um contrato e terminou em briga. Osmar se casou com Eva Dias e teve um filho e uma filha. Eva gosta de luxo e riqueza, gasta muito e se recusa a atender as necessidades do marido. A filha Evita o evita e Osmar Júnior, a cada dia mais se parece com Alaor. Ambos abandonaram a escola, não trabalham e querem tudo do bom e do melhor.

No mesmo dia em soube que Eva, em vez de visitar a mãe, passou a noite no apê do Alaor, Osmar foi à clínica saber o resultado do check-up. Os médicos confirmaram câncer em estado avançado e expectativa de vida de 6 a 8 meses, se tudo correr bem. Desolado, Osmar consultou Madame Cacilda, por recomendação do doutor Salafra, dono da clínica. Ele disse que a Madame é muito boa e sempre recomenda uma consulta aos pacientes que recebem diagnóstico fatal. A vidente jogou búzios, leu as cartas do Tarô e, para surpresa de Osmar, previu muitos anos para descansar e meditar.

  • Muitos anos? Como, se minha saúde está arruinada?
  • Às vezes, quando uma porta se fecha, outra se abre!
  • Eu sei. Meu primeiro carro foi um Chevette, bem assim.
  • Livre-se daquilo que te faz sofrer e viverá anos de descanso e paz.

Caiu um toró daqueles e Osmar passou horas com a vidente. Falou da sua empresa, da mulher traíra, dos filhos lesados e do diagnóstico terrível. Ela o aconselhou a aproveitar o tempo que resta. Disse que, se pensar bem, teve sorte. Quanta gente dorme e não acorda no dia seguinte? Quantos são atingidos por um Ar Condicionado de parede enquanto caminham tranquilamente pela calçada? Osmar foi avisado que a temporada terrena está no fim e ainda tem tempo pela frente para aproveitar a vida.

Osmar deu razão à vidente. Falou com o advogado, com o parceiro de investimentos, reuniu a família, deu sua parte na empresa para Eva e uma grana para os filhos. Morreria em 6 meses e decidiu dar um giro pelo mundo. Mais leve, voltou à Madame para contar a novidade. Conversa não vai, conversa não vem, convidou-a para acompanha-lo na viagem.

Enquanto se divertia, viu que as dicas do parceiro deram certo. Mesmo dividindo o dinheiro com Eva Dias e filhos, o que sobrou triplicou em pouco tempo e ele teria um final de vida de príncipe. Após a viagem, Osmar comprou um chalé numa praia distante, de onde só saía para novas aventuras.

Estava tão feliz que nem se lembrou do tal do câncer. Por precaução, agendou novo check-up e os exames não revelaram sinais da doença. Concluiu que tudo fora fruto da vida que levava, na empresa e em família. Sem os agentes cancerígenos, a doença sumiu. Ligou para Cacilda e pediu que o encontrasse num restaurante na Capital. Tinha ótimas notícias.

  • Querido, também tenho notícias, mas você precisa voltar para casa. Agora.
  • Como assim?
  • Vem logo e a gente se fala.

Ele pegou a estrada e calculou que estaria em casa antes das 13 horas. A viagem foi tranquila e, feliz da vida e com diagnóstico negativo para câncer, pôs-se a sonhar com nova viagem.

Quatro carros jaziam em frente ao chalé recém reformado e Osmar não tinha ideia de quem eram. Ao entrar, reconheceu apenas o doutor Salafra. Nunca tinha visto os outros três, dois carrancudos e um cara de anjo.

  • Senhor Osmar Dias?
  • Sim, eu mesmo.
  • Sou Fiscal da Receita. Verificamos várias irregularidades nas suas declarações de renda e também na contabilidade da empresa. Terá de vir comigo.
  • Eu tenho prioridade para levá-lo preso.
  • Preso? Quem é você?
  • Delegado Hamilton, Polícia Federal. O senhor e o seu sócio criaram uma pirâmide financeira, muita gente foi lesada e o senhor enriqueceu ilicitamente.
  • O você aí, quietinho, quem é?
  • Pastor Angélico, tesoureiro da igreja. O senhor deve vários meses de dízimo. Um fiel dedo duro o localizou e eu não vi que fui seguido por esses dois cavalheiros. Só vim fazer o meu trabalho.
  • Doutor Salafra, o que o senhor faz aqui?
  • Vim reatar com a Cacilda. Estava com saudades!
  • Boa sorte amor. Pena que, livre do câncer, sua estada na cadeia será longa. O lado bom é que terá tempo para meditar. Leia muito, descanse e se cuida, tá! As cartas não mentem. Beijo!
Laerte Temple
Laerte Temple
Administrador, advogado, mestre, doutor, professor universitário aposentado. Autor de Humor na Quarentena (Kindle) e Todos a Bordo (Kindle)

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