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sábado, 20 de dezembro de 2025

Cinema: “Drácula – Uma História de Amor Eterno” – desejo, sangue e fé em ruínas

Drácula: Uma História de Amor Eterno, lançado em 2025 sob a direção de Luc Besson, revisita o mito criado por Bram Stoker com o cuidado de quem entende que por trás do vampiro existe, antes de tudo, um viúvo inconformado com a finitude do amor. Devastado pela morte de Elisabeta no século XV, o príncipe que renuncia a Deus e se converte em vampiro encarna a figura de um homem que prefere a maldição à aceitação do luto, inaugurando uma eternidade feita de espera, culpa e desejo. Quando, séculos depois, em uma Londres envolta em névoa e vitrines a gás, ele encontra Mina – o rosto de sua amada ressurgido em outra vida –, a trama se transforma numa perseguição romântica e obsessiva, na qual cada encontro parece um sacramento profano entre a fé traída e a carne ainda insistente.

Com cerca de duas horas de duração e classificação para maiores de 16 anos, o filme aposta num romance gótico em que a escuridão não é mero cenário, mas expressão da própria alma do protagonista. Caleb Landry Jones compõe um Drácula frágil e feroz, dividido entre a fome e o afeto, enquanto Zoë Bleu Sidel, no duplo registro de Elisabeta e Mina, costura passado e presente com uma melancolia quase espectral, fazendo da reencarnação não um truque de roteiro, mas a imagem de um amor que se recusa a morrer. Christoph Waltz, como um sacerdote à moda de Van Helsing, desloca o conflito para o campo da moralidade e da fé, lembrando que não há monstruosidade que não dialogue com aquilo que a religião tentou, em vão, domesticar.

No Brasil, Drácula: Uma História de Amor Eterno ainda não chegou a um catálogo de streaming por assinatura, estando disponível de forma oficial apenas para aluguel e compra digital em plataformas como o Prime Video e Apple TV, o que reforça a sua permanência por enquanto como uma experiência mais “de vitrine” do que de acesso massivo. Essa ausência em serviços mais populares cria um contraste curioso com o próprio filme, que trata justamente de um amor que insiste em retornar, enquanto o espectador precisa fazer um esforço adicional para encontrá-lo nas plataformas legais. Há, evidentemente, opções irregulares e piratas espalhadas pela internet, mas a obra, por sua dimensão visual e sonora, merece a penumbra respeitosa de uma sala escura ou, ao menos, a tela generosa de um streaming legítimo.

Talvez a maior força de Drácula: Uma História de Amor Eterno esteja na forma como Luc Besson transforma clichês vampíricos em metáforas contemporâneas: o sangue, aqui, não é apenas o combustível do monstro, mas a imagem de vínculos que aprisionam, de promessas que não soubemos deixar ir. A imortalidade aparece mais como condenação do que privilégio, um looping afetivo em que o protagonista revive, ad infinitum, o momento da perda, incapaz de aceitar que o amor possa existir sem a posse total do outro. Ao mesmo tempo, Mina encarna a pergunta incômoda que atravessa o filme: até que ponto um grande amor que nos reivindica de outras vidas é uma benção, e quando passa a ser uma violência contra o direito de recomeçar?

Visualmente exuberante, o filme trafega entre castelos iluminados por velas, igrejas em meia sombra e uma Londres que mais parece um sonho febril, criando um ambiente em que o romance nunca se separa do perigo. Cada enquadramento parece desenhado para lembrar que toda paixão extrema carrega em si um pacto com a destruição, e que não há gesto de entrega que não esteja levemente manchado de sangue simbólico. Drácula: Uma História de Amor Eterno é, assim, menos uma história de terror e mais uma liturgia do apego, um conto sobre a dificuldade humana – demasiado humana – de admitir que o amor também precisa aprender a morrer.​​

Nota: 8,5/10.

Manuel Flavio Saiol Pacheco
Manuel Flavio Saiol Pacheco
Doutorando e Sociologia e Direito pela Universidade Federal Fluminense (UFF), Mestre em Justiça e Segurança pela Universidade Federal Fluminense (UFF), Especialista em Desenvolvimento Territorial pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).. Possui ainda especializações em Direito Tributário, Direito Constitucional, Direito Administrativo, Docência Jurídica, Docência de Antropologia, Sociologia Política, Ciência Política, Teologia e Cultura e Gestão Pública e Projetos. Graduado em Direito pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ). Advogado, Presidente da Comissão de Segurança Pública da 14º Subseção da OAB/RJ, Servidor Público.

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