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sábado, 20 de dezembro de 2025

Bancada da Bala Murcha: quando os xerifes de plenário estão abraçados com quem avisa a facção

Rodrigo Bacellar, presidente da Alerj até anteontem símbolo da “democracia vigilante” no Rio, foi parar na cadeia suspeito de vazar informações sigilosas da Operação Zargun para o colega de plenário TH Joias, preso por tráfico de drogas, lavagem de dinheiro, corrupção e fornecimento de armas para o Comando Vermelho. A Polícia Federal e o Ministério Público apontam que, além de repassar dados reservados, Bacellar teria ajudado a obstruir investigações que miravam justamente a ligação de um deputado com o crime organizado, incluindo intermediação de drogas, armas e até equipamentos antidrones para a facção. O mesmo TH Joias que, segundo a denúncia, usou o mandato para favorecer o Comando Vermelho, nomeando comparsas para cargos na própria Alerj, como se o parlamento fosse extensão do escritório do tráfico.

É neste cenário que entram, reluzentes, os grandes defensores da “lei e da ordem”: Rodrigo Amorim, Filippe Poubel e Alan Lopes, deputados que construíram carreira midiática em cima do figurino “linha dura”, discurso inflamado contra o crime e promessa de proteger “o cidadão de bem” das garras das facções. Nos bastidores, porém, são descritos como alguns dos maiores aliados políticos de Bacellar na Alerj, tendo inclusive pautas de segurança pública feitas sob medida para que ele assinasse e capitalizasse, como o chamado “Estatuto das Blitzes”, apresentado como uma espécie de bíblia sagrada da repressão viária e policial. Enquanto a PF descreve um “esquema de corrupção envolvendo liderança da facção no Complexo do Alemão e agentes políticos e públicos”, o trio segue muito confortável no papel de justiceiro de plenário, desde que a câmera esteja ligada e o aliado problemático ainda não tenha sido conduzido para depor.

Os fatos falam por si, embora a retórica tente gritar mais alto. TH Joias, colega de Parlamento da tal “bancada da bala”, foi preso acusado de negociar diretamente drogas e armas com integrantes do Comando Vermelho, além de movimentar grandes quantias de dinheiro em espécie para viabilizar as atividades da facção. A prisão do deputado expôs a promiscuidade entre crime organizado e política fluminense, com operações simultâneas da PF e do MPRJ, buscas na própria Alerj e detalhamento de vínculos estáveis com chefes do tráfico em áreas como Complexo da Maré, Alemão e Parada de Lucas. Mesmo assim, o que mais comove parte da base governista na Assembleia não é a infiltração da facção no parlamento, mas o risco de ver ruir o teatro em que todos “lutam contra o crime” enquanto posam ao lado de quem é suspeito de o proteger.

A cena, aliás, chega a ser pedagógica. Em junho, enquanto Bacellar assumia por alguns dias o comando do governo do estado com a benção de Cláudio Castro, entre afagos e inaugurações de postos da PM, lá estavam Amorim, Poubel e Alan Lopes, orgulhosos, vendendo o “Estatuto das Blitzes” como grande conquista para endurecer a fiscalização e reforçar a segurança pública. O texto, apresentado como demanda direta dos três, foi anunciado como marco do combate ao crime, com direito a foto oficial, pose marcial e narrativa de que finalmente o Rio teria leis fortes contra a bandidagem. Hoje, a mesma figura que deveria assinar a lei símbolo da “guerra ao crime” está presa sob suspeita de avisar com antecedência um deputado acusado de armar e financiar a principal facção do estado – e o silêncio dos grandes algozes da “bandidolatria” é quase comovente.

Nem contentes com o abraço carinhoso, Amorim, na presidência da CCJ da Alerj, liderou as articulações para revogar a prisão de Bacellar em votação no plenário, adiando reuniões e garantindo prazos para defesa, mas o esquema patinou feio: a Casa não conseguiu os votos necessários e o aliado segue atrás das grades, graças à solidez da decisão de Moraes. O que não falta, porém, são idólatras do trio pelo Estado do Rio, inclusive em várias câmaras de vereadores, que recitam o catecismo do modus operandi: má-fé e corrupção só contam como pecado mortal se praticadas por desafetos e rivais políticos, enquanto aliados recebem a absolvição automática em forma de like e repost.

A hipocrisia é tão gritante que talvez só seja ouvida em silêncio. Quando o inimigo é o de sempre, o discurso vem com tudo: bandido bom, bandido morto, tolerância zero, cadeia, endurecimento penal, operações cinematográficas. Quando o problema é um aliado que, segundo investigações, teria ajudado a esvaziar uma operação contra um colega ligado ao Comando Vermelho, a energia combativa some, o vocabulário sofre uma súbita conversão à calma institucional e a coragem vira nota protocolar sobre “respeito às investigações”. A mensagem que chega na ponta é cristalina: segurança pública é pauta sagrada contra o inimigo distante; já contra o amigo investigado, vale o benefício da dúvida, a prudência e, de preferência, o esquecimento rápido.

Se fosse um filme, seria ruim demais para ser verossímil. No roteiro, três deputados se vendem como protetores da sociedade contra o crime organizado, elaboram leis que prometem sufocar o bandido na esquina, posam com governador e presidente da Alerj em eventos de polícia e, ao mesmo tempo, orbitam um centro de poder hoje investigado por vazar operações que justamente tentavam atingir quem abastece facções com armas e influência institucional. Na prática, a narrativa da “tolerância zero” parece valer só para quem está no morro, no beco, sem foro e sem sobrenome na placa do gabinete; dentro do palácio, o rigor se dissolve em conveniência, fidelidade partidária e cálculo eleitoral. A verdadeira blitz não é a que para carro em avenida, mas a que o crime organizado faz dentro das instituições quando encontra porta aberta, tapete vermelho e bancada pronta para gritar contra a corrupção – desde que ela não esteja sentada à mesma mesa.

Manuel Flavio Saiol Pacheco
Manuel Flavio Saiol Pacheco
Doutorando e Sociologia e Direito pela Universidade Federal Fluminense (UFF), Mestre em Justiça e Segurança pela Universidade Federal Fluminense (UFF), Especialista em Desenvolvimento Territorial pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).. Possui ainda especializações em Direito Tributário, Direito Constitucional, Direito Administrativo, Docência Jurídica, Docência de Antropologia, Sociologia Política, Ciência Política, Teologia e Cultura e Gestão Pública e Projetos. Graduado em Direito pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ). Advogado, Presidente da Comissão de Segurança Pública da 14º Subseção da OAB/RJ, Servidor Público.

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