A prisão preventiva do ex-presidente Jair Bolsonaro representa não apenas um gesto emblemático de defesa das instituições democráticas, mas também o cumprimento do princípio republicano de que todos são iguais perante a lei. Aqueles que, por força do cargo ocupado, julgavam-se imunes à responsabilidade jurídica por atos seus agora enfrentam uma realidade inescapável da responsabilização. A decisão judicial que converteu em preventiva a prisão domiciliária até então em vigor amparou-se em fundamentos robustos. Risco concreto de fuga, descumprimento reiterado de medidas cautelares e a clara tentativa de dificultar a atuação jurisdicional por meio da mobilização de apoiadores para tumultuar e obstruir a fiscalização estatal com proposta o cerne dessa medida. O ex-presidente não apenas violou a tornozeleira eletrônica, utilizando segundo confessou um ferro de solda na mais caricatural demonstração de desprezo à ordem judicial. Ele também recorreu ao já patético repertório de curiosidade, descontrole emocional e estresse medicamentoso para circunstância o injustificável. O Brasil de fato nunca esteve tão perto de um roteiro tragicômico. Manda-se um homem à cadeia e à porta da delegacia seu grupo político, a despeito de todo cinismo, organiza uma vigilância que rapidamente degenera em tumulto e agressões. Essa conduta serve de escudo prático para as hipóteses de evasão, sobre a qual o Judiciário de maneira prudente e rigorosa se precaveu.
A atuação do Estado decorre nesse cenário de uma necessidade técnica de garantir a efetividade da justiça penal. Qualquer outra pessoa que violasse a tornozeleira eletrônica diante de uma reportagem já transitando e sob vigilância judicial seria inexoravelmente privada de sua liberdade sem alarme ou vitimismo. O Judiciário ao decretar a prisão preventiva do ex-presidente atendeu aos requisitos legais clássicos do artigo 312 do Código de Processo Penal. Especialmente a garantia da instrução criminal, a ordem pública e a aplicação da lei penal guiaram essa escolha. Neste episódio Bolsonaro não foi apenas reincidente no descumprimento das medidas, mas chegou ao grau máximo de afronta ao romper o instrumento de monitoramento. Ele se posicionou ainda como vetor de instabilidade potencial. Incentivou publicamente a aglomeração e inflou seus apoiadores em frente à sede da Polícia Federal, não hesitando em expor terceiros ao risco físico e jurídico para viabilizar sua própria narrativa de mártir. O espetáculo de seus adeptos praticando agressões e hostilidades, transmitido em tempo real do cenário da Superintendência da PF, provou-se combustível extra para o fundamento cautelar da prisão. Não se tratou de mero capricho da autoridade responsável. Nenhum réu comum merece, muito menos recebe, benevolência semelhante em situações análogas. O presente caso por seu simbolismo é necessário para reafirmar com justiça que não pode haver exceção à regra universal. Se rompeu a tornozeleira, afrontou decisões judiciais e instigou tumulto, será preso preventivamente, seja qual for o nome estampado no RG.
Mais risível hoje é o argumento de que Bolsonaro teria sido vítima de um acesso de curiosidade científica ou de um inexplicável especial emocional ao usar solda para violar deliberadamente a tornozeleira, como alega sua defesa. O Judiciário data venia não é laboratório da tragicomédia política nacional. Argumentos assim que beiram a puerilidade apenas reforçam a extrema necessidade de adoção das medidas mais graves possíveis para impedir a perpetração de novas tentativas de intervenção da justiça. No final das contas deboche maior é a da própria realidade, em que direitos e garantias fundamentais são constantemente manipulados para proteger a reprodução de condutas criminosas. A prisão preventiva de Bolsonaro, portanto, não era apenas possível. Era absolutamente obrigatório sob qualquer ponto de vista técnico-jurídico. A alternativa significaria a negação absoluta do Estado Democrático de Direito, a leniência diante da desordem institucional e o enfraquecimento completo da autoridade judicial. Que sirvam de aviso àqueles que acreditam que a exceção, sobretudo quando disfarçada de curiosidade científica, pode se converter em regra sem consequências.
A legislação brasileira não apenas prevê o agravamento da pena para quem viola a tornozeleira eletrônica, como converter essa violação em indicativo jurídico claro do risco de fuga. Essa base serve para a decretação da prisão preventiva. Assim a tentativa ou o rompimento do equipamento eletrônico monitora a desobediência às medidas judiciais. Acarretam a perda de benefícios como prisão domiciliar e a implementação imediata de medidas restritivas mais graves. É o que aconteceu com Bolsonaro, que consciente de sua situação processual buscou desqualificar o instrumento judicial enquanto alimentava um espetáculo de tumulto e violência por seus simpatizantes em frente à Polícia Federal. Em um sistema jurídico cuja força reside na impessoalidade e universalidade da lei não poderia haver tratamento especial que confundisse abordagens com regras. Essa é uma demonstração inequívoca de que o Estado Democrático de Direito existe e pode sim alcançar todos sem distinção. Garantir o primado da lei e a proteção da sociedade contra o arbítrio e o caos representam a cerne dessa descoberta.

