Há uma nova espécie em ascensão — o Homo Reclamaticus. Ele não caça, não planta, não cria. Ele reclama. Reclama do calor, reclama do frio, reclama até quando o clima está “agradável demais”, porque, afinal, alguma coisa deve estar errada. É o tipo de alma que encontra espinhos em jardins e defeitos até nos milagres. Um pôr do sol? Muito clichê. Uma boa conversa? Cansativa. Um elogio? Ironia disfarçada. A vida, para esse indivíduo, é um álbum de insatisfações permanente, e ele se sente o curador de todas as imperfeições do universo.
Epicteto, se vivo fosse, recomendaria que ele começasse por distinguir o que depende dele — e o que, obviamente, não depende. Mas o Homo Reclamaticus não quer libertar-se das paixões vãs; quer alimentá-las no banquete diário da autopiedade. Sente-se filósofo por detectar falhas onde há beleza, crítico por enxergar sombras em qualquer claridade. Não há filtro solar que o proteja da luz da vida. Se uma flor desabrocha, ele lamenta o perfume. Se o silêncio reina, ele reclama da falta de som.
Sêneca, provavelmente, o chamaria de “escravo do acaso”. Porque o reclamador vive sob o jugo do mundo — sempre achando que a felicidade mora numa circunstância que nunca acontece. “Se chovesse, estaria melhor; se parasse, seria perfeito”. Vive de “ses”, os mais tristes condimentos da existência humana. Há uma elegância amarga em perceber que esse sujeito é trapaceado por si mesmo — deseja a tranquilidade, mas cultiva o tédio como se fosse uma virtude.
Marco Aurélio, que meditou entre guerras e traições, ficaria boquiaberto ao ver que o Homo Reclamaticus entra em colapso porque o wi-fi caiu ou porque o café veio morno. O estoico romano, que via serenidade em meio à lama da História, talvez respirasse fundo e concluísse: “não é o mundo que enlouqueceu — foram as expectativas que inflaram além da razão”. Há nisso um certo humor cósmico, como se Zeus tivesse resolvido testar os limites da paciência humana ao criar pessoas que veem tragédia em um espelho mal iluminado.
E o mais fascinante é que o Homo Reclamaticus vive num looping coeso de drama: reclama dos problemas, mas padece na ausência deles. O tédio é sua desgraça favorita, e a satisfação, seu maior pesadelo. É um artista da lamúria, pintando o cotidiano com as cores mais opacas possíveis. E se você lhe sugerir um pouco de filosofia estoica, ele provavelmente achará o conselho ofensivo — afinal, há quem prefira o luxo de sofrer à paz de aceitar.
Talvez o antídoto para essa praga moderna não seja discutir, mas observar, como quem contempla o teatro dos ridículos. Que cada um reclamesse em paz — com sua xícara de café amargo e sua nuvem pessoal de desgosto portátil. Aos que ainda tentam encontrar beleza, serenidade e humor nas imperfeições da vida, resta um conselho estoico de ouro: não espere o mundo parar de irritá-lo; aprenda o divino talento de não ser irritável.
Para sobreviver ao convívio com o Homo Reclamaticus, o primeiro passo é praticar o distanciamento irônico, observando seus lamentos como se assistisse a uma peça tragicômica, sem jamais entrar na dança de sua tempestade. Resista à tentação de aconselhar, pois para o reclamador, bons conselhos soam como insultos velados. Invista em tampões, reais ou imaginários, para filtrar a trilha sonora constante de queixas que insistem em preencher o ar. Mantenha consigo uma reserva de frases estoicas, cortantes e serenas; solte uma, sorria por dentro, e contemple a mágica do desconcerto que se instala no rosto do reclamador. Quando o clima pesar demais, respire fundo, admire as nuvens e lembre-se de que até o céu mais cinzento passa — e o reclamador, eventualmente, também. E, claro, se tudo mais falhar, silencie. Nem todo comentário merece eco. A serenidade é uma arma dos sábios e um excelente repelente para lamúrias.
Sei que não é fácil seguir esses conselhos sempre. Eu mesmo, que escrevo estas linhas, às vezes tenho dificuldade de aplicá-los em todas as situações que a vida me apresenta. Mas o importante não é a perfeição na prática, e sim a persistência em continuar tentando, mesmo quando o Homo Reclamaticus insiste em gritar mais alto. Persistir é, afinal, um ato estoico de coragem diária.
Ah, e para aqueles esperançosos que acreditam que o Homo Reclamaticus um dia vai se transformar num sábio estoico ou pelo menos diminuir o volume do choramingo, só resta a profecia sarcástica: preparem suas pipocas, porque o espetáculo do eterno descontentamento continuará firme e forte, uma novela sem fim, onde o drama é rei, a paciência é refém e a irritação se espalha com mais vigor que notícia ruim em grupo de WhatsApp. Afinal, quem precisa de serenidade quando se pode ser protagonista da tragédia particular mais barulhenta do pedaço? Que venha a próxima reclamação — estaremos todos aqui, prontos para aplaudir o festival do mimimi universal com um sorriso irônico e, claro, aquela pitada de estoicismo que só o desdém consciente sabe temperar.

