19.6 C
São Paulo
segunda-feira, 27 de outubro de 2025

Ave Rara escava a palavra: o Corpo, a Voz e o Abismo na poesia de Helena Arruda

Helena Arruda é mais do que uma poeta — é uma arqueóloga da palavra, uma guerreira das letras, que resgata vozes silenciadas, sobretudo, femininas, para reescrever uma história marcada pelo silêncio e pela opressão. Nascida em Petrópolis, RJ, em 1965, e radicada em Areal, RJ desde 1996, é doutora em Letras Vernáculas/ Literatura Brasileira pela UFRJ.  Helena canaliza sua erudição pela pele viva das palavras, navegando por outros gêneros além da poesia, como a crônica, o conto e o ensaio, ampliando seu campo literário para abraçar o diálogo profundo entre a existência e a linguagem.

Sua obra recente, reunida sob o que ela chama de “Trilogia do Tempo” — composta por “Há uma flor no abismo” (2021); “Ave: uma arqueologia da palavra” (2023) e “Desaguamentos: uma poética das águas (2025), publicados pela editora paulista Urutau — é um mergulho sensorial na matéria da poesia, onde os elementos terra, fogo, ar e água não apenas inspiram, mas especificam as articulações do mundo poético que ela constrói, com fúria e delicadeza. Helena não investe apenas em palavras, mas em corpos, em memórias, em cicatrizes que a opressão social, política e patriarcal imprimiu na sua pele. Seu poema é verbo, é gesto, é grito retido e liberado, é movimento incessante na busca da palavra-libertação.

“Ave rara: uma arqueologia da palavra” é um convite a desenterrar, juntos com um poeta, a “ave rara” que mora na imaginação, que é a mulher que, enfim, toma a palavra. Esta palavra, que antes havia sido roubada, calada, agora é arma e espaço de luta pelo empoderamento. Helena, como uma cicerone, conduz o leitor pelas escavações profundas da memória ancestral, onde o corpo feminino se revela não como objeto de reificação mas como sujeito insurgente, caroço de resistência contra o patriarcado, o capital e o fascismo. Suas palavras escorrem, se fragmentam, caem em cascata, revelam seus significados ocultos e possíveis no balé sonoro do acasalamento das vogais e consoantes — “bOcas”, “Ocas” —, onde o murmúrio feminino rompe o silêncio histórico.

A poeta não apenas escreve, ela encarna, numa fusão com suas palavras, as vozes de outras mulheres, Ana Cristina César, Alfonsina Storni, Virgínia Woolf, Clarice Lispector, Simone de Beauvoir, Orides Fontela, Alexandra Pizarnik, Marina Tsvetáieva, Tamara Kamenszain, Anna Akhmátova, Cecília Meireles, Sophia de Mello Breyner Andresen, Sharon Olds, Lídia Jorge, Maria Gabriela Lhansol, María Zambrano, Adélia Prado, apenas para ilustrar, e tantas outras aves raras da resistência poética e filosófica global, e, também, nas mulheres do cotidiano, da sua vida, como sua mãe e avós. Essa trama de afetos e de lutas se converte em um manifesto contra a violência, o racismo, o machismo, o fascismo — termos que não aparecem simplesmente como conceitos na sua obra, mas como feridas vivas, expostas, cicatrizes que a poesia pretende tanto iluminar quanto curar.

Helena Arruda é, portanto, uma poeta da resistência, do corpo que dói e que envelhece, do corpo revivido pela memória ancestral e pela palavra. Sua linguagem poética é concreta e lírica, tão enraizada na dor atual — com seus genocídios e pandemias — quanto na ancestralidade das mulheres que carregaram o fardo do silêncio e das censuras. Em sua voz, o feminicídio não é só uma palavra, é um grito que atravessa os tempos, um alerta e um chamado à ação. Sua poesia, como ave rara, alça voo alto e destemido, ocupando um lugar que antes estava vedado, afastando as gaiolas para respirar, para cantar, para existir plenamente em sua potência máxima.

Este é o caderno de uma poeta que se lança na construção de mundos por meio da palavra, que se recusa a aceitar a invisibilidade, que faz da poesia uma arma para (re) construir e (re) imaginar o futuro. Helena Arruda não é apenas uma escritora, é um campo de batalha lírico onde bradam as dores, as esperanças, as memórias e as revoluções femininas que reverberam, livres e ferozes, nas páginas que ela escreve e na história que todos nós temos a honra de testemunhar.

Manuel Flavio Saiol Pacheco
Manuel Flavio Saiol Pacheco
Doutorando e Sociologia e Direito pela Universidade Federal Fluminense (UFF), Mestre em Justiça e Segurança pela Universidade Federal Fluminense (UFF), Especialista em Desenvolvimento Territorial pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).. Possui ainda especializações em Direito Tributário, Direito Constitucional, Direito Administrativo, Docência Jurídica, Docência de Antropologia, Sociologia Política, Ciência Política, Teologia e Cultura e Gestão Pública e Projetos. Graduado em Direito pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ). Advogado, Presidente da Comissão de Segurança Pública da 14º Subseção da OAB/RJ, Servidor Público.

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui

Leia mais

Patrocínio