A palavra liberdade costuma subir como promessa: horizonte aberto, vento nos cabelos, amplitude de caminhos. No entanto, para Sartre, esse ideal não passa de ilusão reconfortante. Ele nos lembra, em uma de suas formulações mais radicais, que estamos condenados à liberdade. Condenados, porque não temos escolha a não ser escolher.
Essa sentença atravessa nossa existência de modo silencioso e implacável. Toda vez que pensamos poder escapar de uma decisão — adiando-a, negando-a ou fingindo que ela não existe —, já decidimos. A procrastinação é também um ato, e o silêncio é igualmente uma fala. Assim, não há refúgio que nos proteja da obrigação de decidir; somos constantemente julgados e sentenciados por aquilo que escolhemos, inclusive quando tentamos nos esconder da escolha.
Na vida cotidiana, essa condição se manifesta em cada gesto: no trabalhador que acorda cedo e deseja ficar na cama, na mulher diante da dúvida de permanecer em um relacionamento ou abandoná-lo, no estudante que hesita entre seguir sua vocação ou expectativa de família. Todos, sem exceção, estão correlacionados ao mesmo dilema. E, nesse processo, qualquer escolha ilumina um caminho apenas para sepultar outros milhares.
É nesse ponto que a liberdade revela sua face paradoxal. Pensamos que ser livres é poder escolher amplamente, mas o que realmente possuímos é uma obrigação de nos decidir diante de possibilidades que sempre acabam nos faltando. Somos arrastados para dentro da lógica da existência, que não nos dá tréguas diante do imperativo da decisão. Liberdade não é céu aberto, mas prisão sem muros — uma cela infinita na qual somos obrigados a andar eternamente, tomando decisões que definem nossos passos sem nunca permitir retorno.
Sartre desmonta, assim, o fascínio romântico de nossa noção de autonomia. A liberdade não garante leveza, mas peso. O sujeito livre não é aquele que controla plenamente sua vida, que conduz soberano seus atos, mas aquele que, mesmo dilacerado pelo absurdo das escolhas, reconhece que não há como abdicar delas. A liberdade é o fardo que ninguém pode carregar por nós.
E há ainda um aspecto cruel: como nossas escolhas se abrem sempre a partir de um horizonte limitado — social, econômico, histórico —, pensamentos que pensamos ser mais livres se estivéssemos em outras circunstâncias. Mas isso também é enganoso. Ainda que o mundo seja distinto, permaneceríamos, como sempre, diante do mesmo tribunal existencial: escolher. Não se trata de ter mais ou menos opções, mas de constatar que não podemos escapar desse ato incessante de decidir, que nunca se resolve em absoluto.
Por isso, a tão celebrada liberdade humana é, em última instância, uma prisão paradoxal. Ela nos dá as chaves de portas infinitas, mas obriga-nos a atravessá-las continuamente, sabendo que, no instante em que optamos, fechamos todas as outras para sempre.
Assim, o mito da liberdade plena cai por terra: não somos deuses que criam ou determinam tudo. Somos, antes, criaturas condenadas a arcar com cada gesto e suas consequências, mesmo quando fingimos não agir. Dentro desta cela invisível chamada liberdade, só há uma sentença a cumprir: viver escolha.