O pastor Eduardo Costa resolveu dar uma aula prática sobre quebrar paradigmas — ou, no mínimo, sobre causar um pandemônio nas redes sociais. Circulando por Goiânia de calcinha e peruca, essa “investigação pessoal” vestida a rigor virou a novela do momento, com direito a cenas exclusivas de uma tentativa de extorsão digna de roteiro de filme B. Afinal, nada como usar a vestimenta típica feminina para resolver mistérios urbanos, não é mesmo?
Agora, se fosse Michel Foucault a observar essa performance, com seu olhar afiado e sua lápide para as convenções, ele certamente teria muito a dizer sobre esse show tão desconcertante. Para Foucault, o poder não se apresenta apenas como aquele carrasco de botas e chicote, mas como uma teia invisível que regula corpo, comportamento e até calcinha – sim, caro leitor, até as roupas contam história no jogo do poder.
O pastor, ao calçar a calcinha e vestir a peruca, transgride não só o código de vestimenta dos pastores sérios e moralistas, mas o sistema inteiro que insiste em manter corpos e identidades bonitinhos e encaixados nas caixinhas da moral vigente. É como se ele dissesse: “Querem que eu seja um santo à moda antiga? Pois tomem um espetáculo digno de séries cult para pensar nisso.”
É justamente aqui que entra a hipocrisia da moral religiosa protestante, que não pode ser ignorada. Sem generalizar a fé ou as pessoas, sabe-se que muitos dos discursos rígidos sobre moralidade e conduta provêm de um lugar de controle de corpos e desejos, um regime normalizador que dita o que pode ser expressado e o que deve ser escondido ou reprimido. O pastor, que ali ocupa o papel de porta-voz dessa moral estrita, ao agir justamente contra essas regras, revela a contradição interna peculiar a esses discursos. Foucault apontaria que a religião, especialmente na vertente protestante, muitas vezes funciona como um dispositivo de poder que, enquanto exige uma aparência de pureza e ordem, convive com tensões, desejos e comportamentos não confessados, acumulando no silêncio uma hipocrisia estrutural.
Aliás, o fato de ele não ter a intenção de se expor — planejando essa “investigação” de forma escondida — não altera essa análise. A crítica foucaultiana está longe de se ater às intenções individuais, pois o que está em jogo é o funcionamento do poder, que atua independentemente da vontade do sujeito. Seja flagrante ou clandestino, o gesto revela e desafia as normas que regulam corpos e comportamentos, expondo mesmo assim as engrenagens do controle social.
A mídia, claro, não perde tempo e vira o grande tribunal de julgamento, exibindo o vídeo como se fosse a última revelação do apocalipse gospel. Foucault veria aqui a disciplina exercida pelo olhar implacável da vigilância social, que transforma corpos em espetáculo, punindo por meio do constrangimento e da exposição pública – porque nada disciplina mais que o medo eterno de virar meme.
Mas o que talvez Foucault sutilmente aplaudisse é essa quebra de “verdade” religiosa, moral e social. O pastor-calça-curta é um intruso no reino das normas eternas, um revolucionário involuntário que, só pelo gesto de se revelar assim, ilumina as engrenagens da opressão e convida a questionar: quem decidiu que calcinha e peruca são uma sentença de escândalo?
Enfim, mais do que um pastor em saia justa, essa história é um espetáculo do poder e da resistência, uma aula sobre como o corpo pode ser arma e palco, escândalo e poesia – mesmo que tudo isso envolva muita calcinha, peruca e um desfile público de hipocrisia. Quem diria que o palco para um drama social tão versado poderia ser uma simples rua em Goiânia? Foucault certamente escreveria uma linha afiada para isso.