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sexta-feira, 26 de setembro de 2025

Calcinha, Peruca e Poder: O Pastor que Desafiou a Moralidade Protestante e Expôs a Hipocrisia do Controle Social

O pastor Eduardo Costa resolveu dar uma aula prática sobre quebrar paradigmas — ou, no mínimo, sobre causar um pandemônio nas redes sociais. Circulando por Goiânia de calcinha e peruca, essa “investigação pessoal” vestida a rigor virou a novela do momento, com direito a cenas exclusivas de uma tentativa de extorsão digna de roteiro de filme B. Afinal, nada como usar a vestimenta típica feminina para resolver mistérios urbanos, não é mesmo?

Agora, se fosse Michel Foucault a observar essa performance, com seu olhar afiado e sua lápide para as convenções, ele certamente teria muito a dizer sobre esse show tão desconcertante. Para Foucault, o poder não se apresenta apenas como aquele carrasco de botas e chicote, mas como uma teia invisível que regula corpo, comportamento e até calcinha – sim, caro leitor, até as roupas contam história no jogo do poder.

O pastor, ao calçar a calcinha e vestir a peruca, transgride não só o código de vestimenta dos pastores sérios e moralistas, mas o sistema inteiro que insiste em manter corpos e identidades bonitinhos e encaixados nas caixinhas da moral vigente. É como se ele dissesse: “Querem que eu seja um santo à moda antiga? Pois tomem um espetáculo digno de séries cult para pensar nisso.”

É justamente aqui que entra a hipocrisia da moral religiosa protestante, que não pode ser ignorada. Sem generalizar a fé ou as pessoas, sabe-se que muitos dos discursos rígidos sobre moralidade e conduta provêm de um lugar de controle de corpos e desejos, um regime normalizador que dita o que pode ser expressado e o que deve ser escondido ou reprimido. O pastor, que ali ocupa o papel de porta-voz dessa moral estrita, ao agir justamente contra essas regras, revela a contradição interna peculiar a esses discursos. Foucault apontaria que a religião, especialmente na vertente protestante, muitas vezes funciona como um dispositivo de poder que, enquanto exige uma aparência de pureza e ordem, convive com tensões, desejos e comportamentos não confessados, acumulando no silêncio uma hipocrisia estrutural.

Aliás, o fato de ele não ter a intenção de se expor — planejando essa “investigação” de forma escondida — não altera essa análise. A crítica foucaultiana está longe de se ater às intenções individuais, pois o que está em jogo é o funcionamento do poder, que atua independentemente da vontade do sujeito. Seja flagrante ou clandestino, o gesto revela e desafia as normas que regulam corpos e comportamentos, expondo mesmo assim as engrenagens do controle social.

A mídia, claro, não perde tempo e vira o grande tribunal de julgamento, exibindo o vídeo como se fosse a última revelação do apocalipse gospel. Foucault veria aqui a disciplina exercida pelo olhar implacável da vigilância social, que transforma corpos em espetáculo, punindo por meio do constrangimento e da exposição pública – porque nada disciplina mais que o medo eterno de virar meme.

Mas o que talvez Foucault sutilmente aplaudisse é essa quebra de “verdade” religiosa, moral e social. O pastor-calça-curta é um intruso no reino das normas eternas, um revolucionário involuntário que, só pelo gesto de se revelar assim, ilumina as engrenagens da opressão e convida a questionar: quem decidiu que calcinha e peruca são uma sentença de escândalo?

Enfim, mais do que um pastor em saia justa, essa história é um espetáculo do poder e da resistência, uma aula sobre como o corpo pode ser arma e palco, escândalo e poesia – mesmo que tudo isso envolva muita calcinha, peruca e um desfile público de hipocrisia. Quem diria que o palco para um drama social tão versado poderia ser uma simples rua em Goiânia? Foucault certamente escreveria uma linha afiada para isso.

Manuel Flavio Saiol Pacheco
Manuel Flavio Saiol Pacheco
Doutorando e Sociologia e Direito pela Universidade Federal Fluminense (UFF), Mestre em Justiça e Segurança pela Universidade Federal Fluminense (UFF), Especialista em Desenvolvimento Territorial pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).. Possui ainda especializações em Direito Tributário, Direito Constitucional, Direito Administrativo, Docência Jurídica, Docência de Antropologia, Sociologia Política, Ciência Política, Teologia e Cultura e Gestão Pública e Projetos. Graduado em Direito pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ). Advogado, Presidente da Comissão de Segurança Pública da 14º Subseção da OAB/RJ, Servidor Público.

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