No tribunal da vida, a hipossuficiência é aquela velhinha de cabelos brancos, sentada no banco de madeira, esperando ser ouvida. Ela carrega nas mãos o carnê de contribuições que nunca conseguiu pagar direito, as carteiras de trabalho gastas e um caderno de receitas de remédios para dores que o tempo não curou.
Ela é a figura que sustenta o princípio que, em alguma época, ergueu o Direito Previdenciário: o reconhecimento da desigualdade material entre o indivíduo e o Estado.
Mas o vento mudou. Vieram leis e teses – como o famigerado Decreto nº 10.410/2020 – que escondem, sob o manto da igualdade, o desejo de implodir o espaço da proteção. Vieram também interpretações como a que se quer construir com o Tema 1124 do STJ, propondo um castigo àquele que não possui condições técnicas de requerer uma aposentadoria.
E a velhinha, que um dia foi tratada com deferência, agora é recebida com desconfiança. Dizem que ela custa caro, que o princípio que a ampara é excesso de bondade judicial. Esquecem-se de que o Estado é gigante — e que, sem esse princípio, o indivíduo é nada.
No Direito Previdenciário, a hipossuficiência não é privilégio: é reconhecimento de um abismo. O princípio nasceu da experiência real de quem não sabe a linguagem do Estado, não tem assessoria jurídica, não domina leis — mas trabalhou, pagou contribuições e espera, ao fim, um pouco de amparo. Quando tentam enterrá-lo, enterram também um pouco da esperança que sustentou o pacto de solidariedade social.
E talvez, um dia, a velhinha do banco de madeira se canse de esperar. Talvez a história cobre caro de quem hoje finge não existir aquele princípio que sempre foi a alma do Direito Previdenciário: o de dar voz, sobretudo, a quem menos tem.
Dr. Alexandre Triches
Advogado, associado do IARGS e professor