Clarice Lispector, certa vez, dedicou páginas e mais páginas para provar que somos números. E somos mesmo. Nossos RGs, títulos de eleitor e modelos de sapato são números. É simples, é lógico, é a maior invenção do ser humano. Engana-se, porém, quem pensa que os números e a lógica explicam o mundo, eles só explicam a gente.
O calendário, por exemplo, é formado por números que constantemente falham em produzir algo perfeito como queremos. Se assim fosse, as semanas teriam sete dias e cada mês deveria ter 28 dias. O ano teria 13 meses, totalizando com 52 semanas e 364 dias. No entanto, as estações, ferramentas da natureza para escravizar a humanidade, seguem um modelo com 365 dias e 6 horas. Assim, somos obrigados a ter meses com 30 ou 31 dias e o único que estava certo precisa ter 29 dias a cada quatro anos.
E falando de tempo, é também preciso falar de posição. Maldita seja a Física Quântica. Como “a teoria só te leva até um ponto”, Oppenheimer? Não há a mínima lógica em se observar um mesmo objeto em dois lugares ao mesmo tempo. Se eu fizesse isso, com certeza já estaria num tribunal por, talvez, conduta irresponsável ou falsidade ideológica. A gente também precisa punir esse tal de elétron!
Não basta, porém, punir. É preciso toda uma reforma na natureza. Nas coisas pequenas e também nas grandes. Por que a jaca, tão grande, tem um pé tão pequeno e a jabuticaba, tão pequena, tem um pé relativamente grande? E não me venham dizer que aconteceriam acidentes se trocássemos os pés: o coqueiro tem um fruto pesado, duro e que está em uma altura grande o suficiente para matar alguém com sua queda.
Sobretudo, é isso que tenho a dizer. A natureza estabelece uma ordem absurda e cria mecanismos para silenciar críticas, seja com o atraso da primavera ou com uma árvore homicida. Precisamos acionar a polícia, o congresso nacional e os garimpeiros para acabar com esse absurdo e derrubar a tirana natureza que tanto oprime nossa lógica.
( O texto menciona a crônica “Você é um número” de Clarice Lispector. Recomendo a sua leitura.)