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quinta-feira, 25 de abril de 2024

Réveillon: tempo de celebração reconciliação. Será?

2023 chegou ao fim e, mais uma vez, Iva deve celebrar o réveillon ao lado do gato Archibald. Sim, gato mesmo, o felino de 4 patas. Não lhe faltam atributos para conquistar homens: é bonita, charmosa, excelente profissão, alto salário, fala vários idiomas, mas não consegue encontrar sua cara metade. Mesmo quando as coisas caminham para dar certo, ela faz dar errado. Teve paqueras, amantes, casos instantâneos etc., mas eles sempre passam a virada do ano com as famílias ou noivas e Iva com o gato.

Ela quer um relacionamento estável! Está cansada de acordar com gente que não conhece na sua cama, vai embora pela manhã e nunca mais dá as caras. Até o gato, com quem conversa toda noite entre uma e outra taça de vinho, não imagina um homem dividindo a cama com Iva em definitivo e expulsando-o do seu travesseiro preferido. 

Nas resoluções para o ano novo, muitos prometem fazer academia, regime, perder peso. Iva só promete voltar para a análise. Todo início de ano ela marca consultas que duram muito pouco, tanto as sessões quanto as analistas. Nos últimos 5 anos, Iva gastou com terapias o equivalente ao PIB do Sri Lanka, É preciso retroagir alguns meses para entender o por quê de, mais uma vez, passar o réveillon com Archibald.

Em agosto de 2023, tinha consulta agendada com a quarta psicóloga no ano. Tentou cancelar, mas a assistente convenceu-a a ir, só mais uma vez. Chegou no horário previsto e encontrou a sala de estar bem diferente. A atendente informou que estavam trocando a mobília e indicou o único sofá, com dois lugares apenas, um deles já ocupado por um homem na casa dos 30 e muitos anos, alto, charmoso e finamente vestido. 

A atendente disse que precisava se ausentar, mas a doutora estava a caminho e demoraria só uns 20 minutos. Na mesa de centro havia uma bandeja com caviar, torradas, chocolates, uma garrafa de champanhe num balde com gelo e duas taças. A iluminação era suave e o tradicional som ambiente, ao pior estilo da música de elevador dos anos 70, foi substituído por hits românticos de Michael Bublé e o sax de Kenny G, artistas preferidos de Iva.

O jovial cavalheiro levantou-se, aguardou Iva se sentar, estendeu-lhe a mão e se apresentou: Daniel Steel, empresário do agronegócio e ex campeão brasileiro de judô. Serviu champanhe sem perguntar se ela queria e sentou-se ao seu lado, no apertado, mas confortável sofá. O álcool os fez relaxar e esquecer a doutora. Em minutos, trocaram confidências e abordaram assuntos pessoais, inclusive a razão das suas terapias.

Tal como Iva, Daniel sofre com os relacionamentos, mas por outro motivo: as moçoilas que o conhecem, também sabem de sua fortuna e ele quer amor sincero. Os olhos de Iva brilharam ao ouvir as palavras fortuna e amor sincero na mesma frase. O entrosamento foi instantâneo, eles combinaram dar cano na analista e foram embora. De sua sala, a doutora e a assistente viram tudo pelo monitor de vídeo. Assim que Iva e Daniel saíram, brindaram com o champanhe que sobrou na garrafa e comemoraram o sucesso da terapia de dramatização.

No início da noite, Iva mandou mensagem para a doutora resumindo os acontecimentos e desculpando-se pelo cano na terapia. Disse que Daniel estava para chegar e que, tudo indicava, finalmente passaria a noite do réveillon com um humano. Como resposta, a doutora deu-lhe os parabéns e disse estar feliz com o desfecho do caso que, de imprevisto, nada teve. Afinal, foi ela que convenceu o primo a viajar de Lucas do Rio Verde a São Paulo para conhecer sua paciente.

Mas Iva conseguiu dar um nó cego na relação, e na manhã seguinte, após a noite mal dormida, ligou para a assistente pedindo para encaixar uma sessão.

  • Tinha tudo para dar certo, mas deu tudo errado.
  • Poxa! O que aconteceu? – perguntou a psicóloga.
  • Preparei a sala com pétalas de rosa, champanhe, música romântica e luz fraca. Daniel chegou com flores, abraçou-me, enroscou o anel no meu cabelo e arrancou o mega hair. Demos uns pegas no sofá, ele meteu a mão na minha blusa, o enchimento do sutiã se soltou, tentei pegar e acertei o nariz dele com o joelho. Fomos para o quarto semiescuro. Ele, sem os óculos e todo romântico, pegou meu sapato salto sete e meio, colocou champanhe e bebeu. Engasgou com o protetor de joanete, tossiu e quase perdeu fôlego. Bebeu do copo da mesinha de cabeceira e cuspiu de volta, a água e minhas lentes de contato. Pegou o outro copo e sentiu o gosto ruim do Corega e o aparelho anti ronco. Pisou no rabo do Archibald, que revidou arranhando sua canela, que sangrou bastante. Então, assim do nada, ele foi embora. Será que ele é gay?

No dia 31 de dezembro, Iva notou duas chamadas não atendidas. Uma era do Daniel, que ouviu a saudação e não deixou mensagem. A outra era de sua mãe. Desejou feliz ano novo e sugeriu mudar a saudação da caixa postal: “A todos que  ofendi em 2023, um pedido: desculpe-me; e uma mensagem: vê se te orienta, se não vou continuar te ofendendo em 2024”. Concluiu dizendo que sinceridade em excesso não pega bem e desse jeito vai morrer sem netos.

A campainha tocou. Atras de um vaso de flores, a psicóloga e sua assistente chegaram para passar a virada juntas, vendo TV, as três solteiras e desoladas.

  • Cadê o Archibald? Queremos conhecê-lo.
  • Ele se engraçou com a gata da vizinha e me deixou!

A todos os leitores que acompanham minhas crônicas e ao pessoal do JornalTribuna, melhores votos de Feliz Ano Novo, ao lado das pessoas que amam. Ou dos gatos, cachorros, sei lá.

Laerte Temple
Laerte Temple
Administrador, advogado, mestre, doutor, professor universitário aposentado. Autor de Humor na Quarentena (Kindle) e Todos a Bordo (Kindle)

11 COMENTÁRIOS

  1. Laerte, gostei do papel do gato nessa história. A sorte é que a maior parte das mulheres que tem gato apreciam o amor e a fidelidade dos seus pets. Ficam felizes na companhia do bichano todos os dias.

  2. Feliz da mulher que não precisa de artifícios pra se admirar, que não pense que é essencial fazer uso das “mágicas”, hoje tão disponiveis, pra se tornar desejável, feliz da mulher que aprendeu a curtir seus olhos miopes…seu nariz meio torto e seus cabelos brancos (que é o meu caso rsrsrsrs….), enfim……feliz da mulher que tem um gato pra lhe fazer companhia, porém não pra substituir um homem ou um filho.

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