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terça-feira, 23 de julho de 2024

Walküren – As Três Marias

Capítulo Sessenta e Cinco

Aquela manhã Juvêncio acordou sentindo alguma coisa diferente no ar… sentia que havia alguma coisa que deveria fazer, mas não sabia o que… saiu de seu quarto, foi até o salão, tomou seu desjejum e foi para a rua. A princípio ficou parado, sem saber para onde ir. Então, como em um estalo, seguiu em direção à delegacia… de repente veio-lhe a ideia de que deveria conversar com o delegado o mais breve possível.

Uns quinze minutos depois já estava na porta do escritório do delegado. Terminou seu cigarro, jogou a bituca fora e entrou na sala. Santana ficou surpreso com a visita. Afinal, desde a tal excursão que não conseguia falar com seu colega…

– Podemos conversar, Santana?

– Claro, Juvêncio… na verdade a gente precisa mesmo conversar… o que aconteceu, rapaz?

– Sinceramente, não faço a menor ideia… a última coisa que me lembro é que eu e a Matilde íamos a algum lugar. Só que não sei para onde estávamos indo…

– E do que você se recorda? 

– Recordar? Aí é que está… não me lembro de nada… tudo o que sei é que acordei na minha cama… o que se passou? Simplesmente não sei…

– Espera… então você não se lembra de ter saído, a três dias atrás, com dona Matilde e as três moças suas amigas?

– Três dias?! Já se passaram três dias?!

– Sim….

– Então hoje….

– Sim, parceiro… hoje o Anhangá deve voltar a atacar…. e sabe o que é pior? Tem uma comitiva bem perto da cidade… se a gente não conseguir parar a fera, vai ser uma carnificina…

O semblante de Juvêncio ficou carregado. Como é que três dias foram assim apagados de sua mente? Não, isso não podia estar certo…

– Santana…

– Pode falar…

– Eu sai com as três moças?

– Sim… seu grupo era formado por você, a dona Matilde e as três….

– Não me lembro disso… juro que, para mim, era só eu e a Matilde…

–  Bem… e quanto à comitiva?

– Estão muito longe da cidade?

– Quem dera… antes do anoitecer já estarão nos arredores da cidade…

– E onde você acha que irão acampar?

– No único lugar que se presta para isso…

– Perto das cachoeiras? 

– E onde mais? É um lugar que tem pasto para os animais e água a vontade…

– O Torquato?

– Chega daqui a pouco…

– E o doutor?

– Viajou… resolveu comprar aquele tal de automóvel…

– Então vamos ser apenas nós três, essa noite… 

– Não entendi…

– Seremos apenas nós três a combater o Anhangá…

Os dois começaram a conversar sobre outros assuntos. Juvêncio pediu os mapas da região, de vez em quando perguntava alguma coisa, depois simplesmente examinava uma região ou outra… quando Torquato chegou, convidou-o a participar da reunião. Pedia sua opinião sobre quase tudo… Torquato estranhou… afinal, a maioria das perguntas que o delegado lhe fazia, já havia respondido em outros momentos.

Quando a tarde foi chegando, Juvêncio e seus dois parceiros começaram a arrumar suas armas… pretendiam sair para a campina assim que esta começasse a cair e a noite a principiar. Queriam chegar até a comitiva depois que eles já tivessem montado acampamento…

O sol estava começando a baixar no horizonte. Juvêncio, Santana e Torquato examinavam seus equipamentos e munições… tudo de prata, como era de praxe. Depois de checar uma ultima vez, montaram e saíram a passo lento, em direção ao provável local em que a boiada passaria a noite. 

Já estavam próximos da saída do povoado, quando ouviram um tropel e se viraram para conferir… eram as três moças, que se posicionavam ao seu lado. Não dá para dizer que Juvêncio e sua turma ficaram muito felizes com a companhia, mas não podiam impedir as moças de acompanhá-los.

Depois de algum tempo cavalgando, quando as primeiras estrelas já apontavam no céu, avistaram o acampamento, o gado espalhado pelo campo, uma fogueira ao centro e vários homens andando de um lado para o outro, cuidando dos animais.

Já estavam bem próximos do local quando foram parados por dois guardas da equipe, que pediram para que se identificassem. Os três mostraram seus distintivos e foram autorizados a adentrar no espaço do acampamento. Logo estavam apeando, e foram recebidos por um mulato forte, parecendo um gigante. Era o responsável pela comitiva.

Logo os sete estavam reunidos em volta da fogueira.  Jacinto… esse era o nome do boiadeiro… convidou os recém chegados a compartilharem seu repasto. Estavam assando um churrasco, tinham carneado uma rês assim que acamparam. Enquanto devoravam as lascas de carne assada, Juvêncio resolveu explicar o motivo de sua presença naquele local. A princípio Jacinto fez ar de incrédulo. Mas conforme ia ouvindo as explicações da turma, passou a uma expressão preocupada…

Jacinto começou a perguntar sobre o que os esperava durante a noite. Queria saber como poderiam se proteger… Juvêncio explicou que o ideal era que se formassem grupos de três boiadeiros, para patrulhar o perímetro do acampamento. Explicou também que a munição comum não teria efeito algum no atacante noturno. Quando falou que a única defesa do grupo seria munição de prata, o desânimo tomou conta de Jacinto… onde ele iria arrumar munição de prata para equipar seus homens?

Dúvidas à parte, considerando que a noite caminhava inexoravelmente, Jacinto tratou de reunir seus líderes e pediu aos mesmos que organizassem os grupos conforme Juvêncio explicara. E que depois que tudo estivesse concluído, que as equipes lhes fossem apresentadas, para que pudesse passar as ultimas instruções.

Foi realmente uma correria. Os responsáveis pelos vários grupos não sabiam ainda o que se passava… Jacinto achou melhor abrir o jogo depois, quando os homens já estivessem organizados, pois aí se sentiriam mais seguros quanto à decisão que deveriam tomar… que, aliás, era uma só… permanecer em grupo e tentar sobreviver até que o sol raiasse, pois segundo as palavras dos delegados, aquela seria uma noite infernal… 

Não demorou muito… talvez uns quarenta minutos…talvez um pouco mais… e todo o efetivo foi dividido em 20 grupos. Eram quatro líderes, então cada um respondia por 15 homens. Jacinto resolveu conversar com um grupo por vez… seria mais tranquilo, pois não haveria tumulto…

Depois que explicou tudo para as várias equipes, ficou um pouco mais tranquilo. A determinação que vislumbrou no rosto de seus homens fez com que sentisse que venceriam mais aquele perigo… que, no fundo, não era muito diferente de uma derriçada… afinal, o estouro de uma boiada, ainda mais nas dimensões daquela que estava conduzindo, era o próprio inferno na terra…

Agora seu problema era outro… onde arranjar a munição apropriada para a noite que seguia? Todos estavam atentos, mas com exceção de um ou outro vaqueiro que portava um punhal de prata, a grande maioria usava aço, mesmo. E, pelo que Juvêncio dissera, quanto mais longe do tal monstro, melhor… o que significava dizer que portar um punhal de prata ou de aço não faria muita diferença… o ideal era ter as armas municiadas com balas de prata… só que é claro que esse era um item que não constava no estoque do grupo… 

Tania Miranda
Tania Miranda
Trabalho na Secretaria de Estado de Educação do Estado de São Paulo e minha função é "Agente de Organização Escolar", embora no momento esteja emprestada para o TRE-SP, onde exerço a função de "Auxiliar Cartorário". Adoro escrever, e no momento (maio de 2023) estou publicando meu primeiro livro pela Editora Versiprosa...

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