24.7 C
São Paulo
domingo, 21 de abril de 2024

Walküren – As Três Marias

Capítulo Quarenta e Oito

– Santana…

– Fala, Carneiro…

– Já sei como o “automóvel” anda…

– E como?

– Você não vai acreditar…

– Fala de uma vez, homem de Deus…

– O carro é elétrico….

– Não entendi…

– Ele se movimenta com eletricidade…

– Então você não consegue andar com ele na cidade….

– Por que?

– Você não vai andar nos trilhos do trem, não é mesmo?

– Ué, e porque eu iria fazer isso?

– Você disse que o carro é elétrico…

– Sim, seu ignorante. Mas o carro tem uma bateria, que é carregada na rede elétrica…

– Ah… e quanto tempo dura essa carga?

– Acho que umas duas horas….

– Depois tem que recarregar de novo… 

– Isso… 

– E se a carga acabar em um lugar sem energia?

– Aí lascou…

– É… com o cavalo, não tem esse problema….

– Mas eu não disse que comprei um carro elétrico…

– Como não?

– Eu te falei que tem uma firma nova lá na América… agora eu sei o nome… é Ford. Eles estão fazendo uns carros que se movem com gasolina.

– E é desse que você vai comprar…

– Ainda estou pensando… 

– Está certo… tem que pensar bem…

– Olha… até já existem alguns postos de combustível por esse mundão… mas é mais prudente esperar um pouco mais…

E assim os dois amigos continuaram a conversar amenidades, até para fugir um pouco do baixo astral que dominava o ambiente. Carneiro falava sobre seus sonhos, Santana discorria sobre a vida e assim os dois iam tocando em frente…

Marieta, depois de terminar seu afazeres no morgue, resolve se juntar ao chefe e seu amigo. Afinal, já havia terminado de preparar os corpos… com a ajuda de algumas amigas, é claro… e pensou em afastar-se um pouco daquele cheiro de morte que impregnava todo o seu local de trabalho.

– E então, Marieta… pronta para assumir o lugar do doutor Carneiro?

– Imagina, doutor…. ainda tenho muito o que aprender…

– Mas você sabe que ele vai viajar e te deixar cuidando de tudo….

– Sim… o doutor me falou… estou estudando tudo o que posso…

– E ela é uma excelente aluna, Santana… é a pessoa mais dedicada que conheci até hoje….

Marieta enrubesce, com o elogio.

– O senhor teve sorte… conseguiu uma excelente auxiliar…

– E vocês terão uma médica de primeira. Ela é mais competente que muitos colegas meus formados, lá na Capital….

– O senhor é muito bondoso, doutor Carneiro…

– Ele está certo, Marieta… as pessoas, quando vem ao consultório, perguntam sempre de você….

– Prá ver…. alguns preferem ser atendidos por ela… já nem querem mais meus serviços…

– Isso é ruim?

– Claro que não, Santana… isso quer dizer que eu preparei bem a minha substituta…

– Muito obrigada, doutor…

– E amanhã, Carneiro?

– O que é que tem amanhã?

– Você vai junto, recolher os corpos?

– Ah… o trabalho de campo…. não, não vou, não…

– Ué… mas você disse…

– Eu sei o que eu disse… mas amanhã o Delegado Juvêncio vai com seu ajudante e as três moças para a aldeia dos índios….

– E daí?

– Daí que eu prefiro esperar eles voltarem…

– Ué… e por que isso?

– Sinceramente… me sinto mais seguro escoltados por aqueles cinco…

– Mas eu posso te proteger, rapaz… ou não confia mais em mim?

– Não é isso, Santana… você sabe que a gente está lidando com forças sobrenaturais….

– É… deu prá perceber…

– E a gente é leigo nesse assunto.

– E daí? 

– Daí que, se estamos com quem entende do riscado, podemos achar alguma pista nova para o caso…

– Carneiro… você está com medo? A fera só ataca à noite…

– Não é isso, Santana… é que o Juvêncio sabe o que procurar… facilita nosso trabalho. 

– Então não é medo…

– Claro que não, homem…

– Se você está dizendo…

– Marieta, temos algum compromisso para essa tarde?

– Não, doutor… nenhuma consulta agendada, só se aparecer alguma emergência…

–  Bom, então acho que podemos tirar o resto do dia de folga…

– O que pretende fazer, Carneiro?

– Estava pensando em ir ao riacho, pescar um pouco…

– Mas, homem… você nem gosta de peixe…

– Eu não quero comer o peixe… só pescar…

– Posso ir com os senhores?

– Claro que sim, Marieta….

– Mas já vou avisando que não vou limpar nem fritar os peixes…

– Não se preocupe, menina… a gente nunca pesca nada, mesmo…

– É isso… a gente só vai pescar pela diversão…

– Então vamos… só me deixa ir pegar os caniços e o samburá…

E lá foram os três rumo ao rio, passar algumas horas sem pensar nos problemas que estavam a sua volta, nem naqueles que, com certeza, apareceriam…

Cada um pensava em alguma coisa agradável… Santana sonhava em finalmente resolver o mistério das mortes e, quem sabe, conseguir uma promoção na polícia… Carneiro continuava a sonhar com seu futuro automóvel… teria que haver um jeito de conseguir comprá-lo…. dinheiro ele já tinha, o problema realmente era como manter o veículo…. mas com certeza deveria ter um jeito…. Marieta estava um pouquinho preocupada… afinal, quando o doutor se aposentasse… e pretendia aposentar-se o mais rápido possível… a saúde dos munícipes estava em suas mãos… e ela tinha medo de não conseguir cuidar de todos como estava fazendo sob a supervisão de seu mentor…

Logo chegaram às margens do rio. Estava uma tarde agradável, e Marieta, embora não estivesse disposta a limpar ou preparar qualquer pescado dos amigos, levava uma cesta com um lanche que preparara, enquanto os dois arrumavam seus apetrechos para a pescaria.

Ficaram um bom tempo nas margens do rio, anzol jogado na água, enquanto os pescadores ficavam deitados sob a fronde das árvores, curtindo aquela tarde preguiçosa… o sol caminhava lentamente pelo céu e as nuvens brancas que passeavam no firmamento davam ao mundo uma sensação de paz que a muito aqueles três não sentiam em sua alma…

Os três estavam cochilando, quando uma das varas… justamente a que estava sob os cuidados de Marieta… deu sinal de que havia fisgado alguma coisa. A moça ficou excitada com tal proeza… nunca havia pescado antes, e estava adorando a experiência… seus companheiros começaram a instrui-la sobre como proceder e, depois de alguns minutos, ela trouxe para a margem um peixe de tamanho razoável…

– Parabéns, menina… você é a primeira a pegar alguma coisa nesse trecho do rio… eu e o Santana só conseguimos pegar resfriado, mesmo…

– E como foi você quem o pegou….

-Ah… tem dó… eu trouxe o lanche para vocês… que tal se fossem cavalheiros e fizessem isso por mim?

– Touché!

– A menina deu um golpe baixo na gente!

– Ah, rapazes… por favor…

– E então, Carneiro?

– Você consegue dizer não para ela?

Marieta sorriu… ela, como Santana, detestava peixe…. mas estava divertido participar daquela pescaria… Carneiro e Santana também sorriam… o fato de nunca pegarem nada em suas pescarias era que jogavam a linha na água apenas com o peso do anzol… mas não usavam nem anzol nem isca… afinal, não queriam realmente pegar nada… só iam até aquele local para descansar. A pescaria era uma desculpa que usavam… só não contaram isso para a assistente do médico… e se divertiam com a alegria da mesma por ter conseguido sucesso em algo que, pensava ela, seu chefe tinha falhado…

Tania Miranda
Tania Miranda
Trabalho na Secretaria de Estado de Educação do Estado de São Paulo e minha função é "Agente de Organização Escolar", embora no momento esteja emprestada para o TRE-SP, onde exerço a função de "Auxiliar Cartorário". Adoro escrever, e no momento (maio de 2023) estou publicando meu primeiro livro pela Editora Versiprosa...

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui

Leia mais

Reflexões

Brincar de “Poliana”

A batalha da vida

Quem somos nós?

Patrocínio