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domingo, 21 de abril de 2024

A cigarra do meu avô

“- A cigarra é um bicho muito chato, né vô?

– Você acha?

– Eu acho, ela fica fazendo esse barulho chato sem parar.

– Eu gosto. Ela tá anunciando que o verão tá chegando.

– Eu tenho medo dela porque ela é muito grande.

– Ela não faz mal nenhum pra gente, não. Coitada dela, vem pra anunciar que o verão tá chegando e canta até estourar. Você sabia que ela canta até estourar?

– Não, vô! Ela canta até estourar mesmo?

– Aham! É sério, eu mesmo já vi.

– Viu vô?

– Vi. Ela estoura e fica só a casquinha dela grudada na árvore.”

Por muitos anos da minha infância e pré-adolescência, tudo o que eu sabia sobre cigarras era o que eu tinha aprendido com o meu avô. Para mim, ele era o homem mais inteligente do mundo, sabia de tudo, mas eu, que era criança, não sabia quase nada e queria aprender tudo para ser igual a ele.

Todos os netos adoravam ir na “casa do vô”, era um desses lugares que têm uma certa magia para as crianças. Lá a gente mexia em tudo o que ele falava que não era para mexer, subia nos lugares que ele falava que não era para subir e tudo mais que não podia fazer. Na estante da sala, dentro de uma portinha trancada com chave, tinha um pote cheio de balas sortidas que ele comprava para chupar durante o dia e para dar para a gente, a que eu mais gostava era a de coco queimado. No banheiro, um pequeno armário de madeira com a parte de baixo fechada por uma cortininha branca, ficavam guardados rolos e mais rolos daquele papel higiênico rosa. Às vezes todos entrávamos na Brasília azul para ir buscar um dos primos, que morava num bairro mais distante, era a maior festa, a maior bagunça.

Enquanto eu crescia e convivia com o meu avô, fui aprendendo um pouco de tudo, ou quase tudo: marcenaria, alvenaria, instalações elétricas e hidráulicas. Aprendi, também, a não jogar, ele detestava jogos de azar, dizia que se fosse feito para ganhar chamaria “jogo de sorte” e sempre repetia: “- Meu filho, teima mas não aposta”. Era o homem mais teimoso que conheci em toda a minha vida, mas só teimava quando tinha razão, quando não tinha, apenas calava, menos quando se tratava de chupar picolés, ele era diabético, mas chupava dois ou três em seguida e dizia: “- Esse médico não sabe de nada”.

Uma das coisas que meu avô mais me falava era para estudar muito para trabalhar pouco, porque ele tinha estudado pouco e, por isso, teve que trabalhar muito. Ele sempre falava para eu nunca deixar de ir no “culégio” para não passar pelo que ele passou. Assim eu fiz, e foi numa aula de biologia que descobri que as cigarras são insetos e que, após subirem mais ou menos 2 metros no tronco de uma árvore, abrem uma fenda no seu exoesqueleto, de onde saem, agora com asas, deixando só a sua “casquinha” vazia para trás. Naquele dia a cigarra do meu avô morreu.

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