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quarta-feira, 24 de julho de 2024

Walküren – As Três Marias

Capítulo Vinte e Dois

– Incrível!

– O que é incrível, doutor?

 – Essa garra que está me mostrando… já vi uma vez…

– Já? Onde?

– É a garra de um Iguanodonte…

– Então é isso que está atacando as pessoas? Um igua… igua…

– Iguanodonte? De maneira nenhuma…

– Mas o senhor disse que a garra…

– Sim, a garra se parece bastante com o Iguanadonte…. só que tem um pequeno detalhe…

– Que seria?….

– Esse bicho não existe a muito tempo…

– Mas o senhor falou…

– Olha, realmente esse bicho não existe. E se existisse, com certeza não seria em nossa pátria…

– Não estou entendendo, doutor…

– Eu explico… o doutor Gideon Mantell descobriu, a alguns anos atrás, o esqueleto de um animal que a muito não anda mais entre nós…

Juvêncio, Santana e Torquato olharam para o médico sem entender nada…

– Já ouviram falar em dinossauro?

– Dino.. o que?

– Já vi que não… dinossauros eram lagartos gigantescos que caminhavam sobre a terra a muito tempo atrás…

– Então a unha que achei era de um igu.. dino… desse bicho ai…

– Isso mesmo…

– Mas, doutor… essa unha é recente… tem até marca de sangue, nela….

– Eu vi… e é isso que não entendo… esses bichos sumiram da face da terra a muito tempo….

– Bem, pelo menos um está caminhando aqui pelo Espírito Santo dos Pinhais…

– É impossível, Santana… se um bicho desses estivesse andando por aqui, tenha certeza de que alguém já o teria avistado…

-Sei… então esse Gideão descobriu esses animais…

– Só os ossos… mas o termo “dinossauro” foi criado por outro professor cientista, o doutor Richard Owen….

– Nossa… e como o senhor sabe disso, doutor….

– É que eu estudei em Oxford… e tive a sorte de conhece-los pessoalmente…

Juvêncio coçou a cabeça, desalentado… pensou que seu achado jogaria alguma luz no mistério até então enfrentado, mas na verdade só deixou mais perguntas para serem respondidas… o doutor olhava para a unha como uma criança olha para um doce ou um brinquedo… Juvêncio notou o interesse do médico. Resolveu que teria mais um ou dois lugares para visitar, mas depois daria o objeto para o médico…

Depois de uma meia hora de caminhada, finalmente Juvêncio chegou na morada de Nhô Quindim, um dos mais afamados benzedores da região. Depois de conversarem sobre amenidades, Juvêncio entrou no assunto que realmente o interessava. Mostrou a garra para o benzedor. Ao vê-la este estremeceu… não quis chegar perto da mesma, e encerrou a conversa com o delegado. Aconselhou-o a se livrar daquele objeto maléfico o mais rápido que pudesse pois, segundo o que dizia, Juvêncio só teria desgostos enquanto não se livrasse “daquilo”….

Era bem tarde quando Juvêncio e Torquato apearam na aldeia. Todos já se haviam recolhido. Torquato seguiu até a oca do Pajé, para pedirem sua proteção e permissão para passar a noite na aldeia. O Pajé era conhecido por Joaquim, e já era um senhor de certa idade. Depois dos salamaleques de praxe, Juvêncio perguntou se poderiam falar sobre o que realmente lhe interessava. Joaquim pediu para que esperassem até que o dia amanhecesse, pois a noite poderia trazer influências ruins… poderia atrair forças do mal… não é que Juvêncio acreditasse piamente nisso, mas já havia visto tanta coisa em sua vida…  era melhor não arriscar. Deitou-se em uma das redes oferecidas pelo pajé, Torquato dormiu em outra… e assim passaram a noite. Quando o dia amanheceu e todos fizeram sua primeira refeição finalmente Joaquim permitiu a Juvêncio perguntar sobre aquilo que o afligia… Imediatamente nosso amigo sacou de seu alforge a garra que tanto o incomodava e mostrou para seu anfitrião, que não titubeou em pegá-lo para o examinar melhor. Depois de alguns minutos prestando atenção ao objeto, devolveu o mesmo. Ficou pensativo por alguns instantes. Levantou-se, fez sinal para que os dois o acompanhassem. Continuavam em silêncio. Entraram novamente em sua oca, sentaram-se os três… Joaquim tirou de seu bolso duas pedras…. a principio pareciam comuns. Fez alguns movimentos com as mãos, à guisa de benção e depois as entregou aos dois rapazes. Finalmente começou a falar….

– Os guardiões de Tupã estão soltos no mundo….

Tanto Juvêncio quanto Torquato ficaram em silêncio, olhando para o feiticeiro, tentando entender o que ele queria dizer. Mas sabiam que, por mais curiosos que estivessem, não podiam perguntar… ele diria tudo que precisavam saber, no momento que precisassem saber… mas não pronunciou nenhuma palavra a mais. Levantou-se, com um gesto convidou os dois a fazerem o mesmo. Montaram seus cavalos e se preparavam para partir, quando Joaquim resolver falar mais alguma coisa para eles…

– Nunca se separem dos talismãs que eu dei a vocês… será a sua proteção contra a fúria de Tupã…

Acenaram com a cabeça, dando a entender que compreenderam a instrução e partiram a galope pela planície… depois de algum tempo, resolveram conversar…

– Entendeu alguma coisa?

– O que eu já suspeitava… tem mão de feiticeiro nesse angu…

– E o que vai fazer?

– Tentar descobrir quem teria feito isso… e por que….

– Podem ter sido os índios?

– Índios, negros, brancos… quem vai saber? O que posso dizer é que alguém estava furioso com a comunidade… e lançou a maldição…

– O Pajé falou em Tupã…

– Sabe que isso não quer dizer nada… ele simplesmente generalizou o que ocorreu…

– Eu sei…

– Nem todo negro, nem todo branco, nem todo índio é culpado… mas também não é inocente…

– O senhor quer dizer que…

– Não podemos descartar ninguém… até que descubramos quem é o culpado, todos são suspeitos…

– Inclusive o delegado?

– Inclusive ele… nas minhas andanças pelo mundo aprendi que aquele de quem menos desconfiamos pode ser o culpado…

Continuaram o resto do caminho em silêncio… depois de mais algum tempo avistaram as casas do vilarejo. Juvêncio parou em frente ao necrotério. Precisava saber se teria ocorrido um novo ataque… afinal, fazia dois dias que a tranquilidade reinava na região…  O doutor encontrava-se em seu consultório… coisa rara, nos últimos tempos. Embora com aparência cansada, parecia mais animado… afinal, não precisara examinar nenhum cadáver nesses dias… Quando Juvêncio entrou em seu gabinete, levantou-se e foi cumprimentá-lo.  Os dois começaram a conversar, Carneiro explicou que mais uma noite tranquila se passara… Juvêncio sabia que o motivo era a mudança de Lua… embora fosse a primeira vez, desde que os ataque começaram a uns dois meses, que as mortes cessaram… seria tão bom se isso fosse definitivo. Mas ele sabia que, mais dia, menos dia, elas voltariam. Se quando a Lua Cheia retornasse, dali a quatro semanas, as mortes voltassem a acontecer… isso queria dizer que, quem quer que fosse o responsável por tudo aquilo, teria perdido o controle da situação….

Tania Miranda
Tania Miranda
Trabalho na Secretaria de Estado de Educação do Estado de São Paulo e minha função é "Agente de Organização Escolar", embora no momento esteja emprestada para o TRE-SP, onde exerço a função de "Auxiliar Cartorário". Adoro escrever, e no momento (maio de 2023) estou publicando meu primeiro livro pela Editora Versiprosa...

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