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quarta-feira, 24 de julho de 2024

Walküren – As Três Marias

Capítulo Dezenove

A cidade estava em polvorosa. E não era para menos. Afinal, nesta noite, seria a inauguração do Theatro Sant’Anna, com a apresentação da Companhia de Opereta Clara Weiss… Graça resolveu prestigiar a apresentação com sua presença. Claro que não teria como retornar para sua casa nesse dia, então reservou um quarto de hotel. Não poderia deixar de fazer um agrado à sua fiel escudeira, Cidinha, então quando se dirigiu à cidade com destino ao seu comércio, trouxe sua empregada junto. Como disse a ela, seria seu “dia de folga”, onde tudo que precisava fazer era esquecer os afazeres domésticos e aproveitar para relaxar um pouco.

O Theatro era realmente luxuoso… grande, espaçoso… a apresentação dessa noite seria com a Companhia Italiana de Opereta Clara Weiss… era um programa diferente, afinal quando morava lá no Vale, sua diversão era ouvir canções folclóricas… música caipira, como dizia o pessoal da Capital. Ela não entendia bem porque esse povo empertigado da cidade grande menosprezava a cultura do interior, então resolveu conferir de perto o que esse pessoal chamava de “cultura”…

Não dá para dizer que ela ficou impressionada… ficou, é claro, fascinada pela estrutura do lugar e pelas vestimentas das senhoras que ali estavam presentes… aliás, essa visão lhe deu novas ideais para trabalhar em seu atelier… Sim, uma profusão de cores e modelos como que pipocou em sua mente… teria material para trabalhar por meses…. e isso lhe deu a percepção de que deveria participar mais da vida social da cidade, uma vez que novas ideias surgiriam, com certeza… quanto à apresentação? Ela comentou com sua empregada que os gatos que viviam incomodando seu sono à noite eram bem mais interessantes que os gritos, que para ela não tinham sentido,  emitidos pelos atores/cantores no palco. No final da apresentação do grupo ela aplaudiu como todo mundo, não porque tenha gostado do que viu e ouviu… mas sim porque todos faziam o mesmo.

Terminada a apresentação, dirigiram-se para o Hotel Coroa D’Italia, ali próximo. não dava para dizer que era “o hotel”, mas os quartos eram limpos… eles trocavam as roupas de cama… e não havia perigo de pegar pulgas ou percevejos. O hotel tinha uma fama dúbia, diziam que mulheres de “vida fácil” ali se hospedavam e ofereciam seus “serviços” a quem se dispusesse a pagá-los. Mas, como Graça sempre dizia… para ser mal falada, bastava ser mulher neste mundo dominado pelos homens… ela tinha algumas amigas que moravam no hotel, e nunca viu nada que as desabonasse. E, de qualquer  forma, ela não tinha nada a ver com a vida de outras pessoas, como costumava dizer… segundo suas palavras, “cada um sobrevive como pode….”

Amanheceu. Cidinha queria ir para casa, para poder deixá-la em ordem para a patroa, quando essa chegasse a noite. Graça não permitiu. Ao contrário. Entregou uma soma de dinheiro para sua empregada, e disse-lhe para andar pelo centro e comprar  algumas coisas para seu uso pessoal…  Claro que Cidinha ficou feliz… afinal… esse era o lado bom de se trabalhar com Graça… algumas vezes ela fazia uma surpresa para suas empregadas, surpresa essa que as deixava literalmente felizes. Por exemplo, o espetáculo no teatro, o jantar no restaurante… o dinheiro para gastar no que quisesse… eram mimos que a mulher nunca sonharia em ganhar de outra patroa que não fosse a  atual. Antes de trabalhar para Graça ela cuidava de outra família… e a experiência não fora nada agradável… tanto que quase desistiu de trabalhar como empregada domestica para quem quer que fosse… mas a necessidade acabou por coloca-la na casa de sua atual patroa. E ela sentia como se tivesse tirado a sorte grande… afinal, depois de muito tempo, era tratada como uma igual, e não como alguém inferior…

O dia transcorreu normalmente até perto da hora do almoço… foi quando Cidinha entrou na loja, toda acabrunhada… Quando viu sua auxiliar daquele jeito, Graça tratou de interrogá-la. A mulher não queria dizer nada a princípio, mas no final contou que um batedor de carteiras levara todo o dinheiro que a patroa lhe havia dado de presente. Graça perguntou-lhe se havia registrado queixa na polícia, essa disse que não, pois nem sabia como fazer tal coisa. Então Graça perguntou-lhe como a situação ocorrera, que poderia ter-lhe subtraído seu bem… Cidinha a tudo respondia, com aquele ar de desalento. Tendo a descrição do elemento que teria roubado sua empregada, Graça resolveu dar uma caminhada pelo centro, à procura do mesmo. Ela já tinha uma ideia de quem poderia ter sido. Passou algumas instruções para suas costureiras, pediu para que Cidinha ficasse ali até sua volta e saiu pelas ruas da cidade, caçando quem poderia ter atacado sua amiga… 

Não demorou muito e avistou seu suspeito… começou a segui-lo discretamente, sempre a observar suas ações. Logo o punguista escolheu uma vítima… ele tinha dois comparsas que estavam próximos para lhe dar cobertura. Graça os percebera, também… quando o ladrão tentou atacar sua nova presa, a moça interviu, aplicando-lhe um chute tão bem acertado, que o rapaz rolou por quase dois metros a sua frente. Ao verem seu comparsa ser atacado por uma mulher, seus companheiros tentaram agredi-la… o que não podiam imaginar é que estavam enfrentando uma caçadora de homens, bem mais durões do que eles… e os três apanharam de tal forma, que logo se renderam à ela. Graça recuperou o dinheiro roubado de sua empregada, e tratou de sair do local o mais rápido possível… afinal, não queria nenhuma graça com a polícia…

Retornou para a loja e acalmou sua ajudante. Já eram quase quatro horas da tarde. Dispensou as costureiras, fechou a loja e seguiu com Cidinha em direção ao ponto do bonde. Era hora de voltar para casa… afinal, sua empregada ainda estava nervosa com tudo que lhe acontecera… o que era absolutamente normal… afinal, quem não fica em choque quando é vítima de uma violência, não é mesmo? Graça havia dado um jeito nos amigos do alheio que haviam atacado Cidinha… mas até que ela superasse o trauma, com certeza não iria querer retornar ao Centro… ainda bem que sua casa ficava em uma área tranquila…  

Tania Miranda
Tania Miranda
Trabalho na Secretaria de Estado de Educação do Estado de São Paulo e minha função é "Agente de Organização Escolar", embora no momento esteja emprestada para o TRE-SP, onde exerço a função de "Auxiliar Cartorário". Adoro escrever, e no momento (maio de 2023) estou publicando meu primeiro livro pela Editora Versiprosa...

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