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quinta-feira, 25 de julho de 2024

Walküren – As Três Marias

Capítulo Treze

Santana estava tranquilo, deitado em sua rede…Acabara de chegar da delegacia e aproveitava para descansar um pouco, enquanto esperava sua esposa terminar de fazer o almoço. Seus três filhos, dois meninos e uma garota, estavam brincando no terreiro, junto com outras crianças da vila. Sim, a tarde estava sossegada. Uma brisa fresca soprava do sul e a temperatura estava realmente agradável. Nada poderia tirar a paz do delegado naquela tarde…

– Boa tarde, crianças…. seu pai está…?

– Paiêêê…

Era Eduardo, o filho mais velho de Santana, correndo para casa para chamá-lo…

– O que foi, menino?

– Tem um moço aí fora querendo falar com o senhor…

Santana levantou-se, vestiu a camisa e saiu até a soleira da porta. Ainda montado, Juvêncio o aguardava no terreiro…

– Apeia, seu moço… a casa é sua!

Juvêncio agradeceu com um gesto de cabeça e apeou de seus cavalo. Um dos garotos pegou as rédeas do animal e o levou até a estribaria….

– Desculpa eu chegar assim sem avisar…

– Que é isso, menino… Você é bem vindo a hora que for…

– Obrigado… eu precisava conversar contigo…

– Vamos entrando! Ritinha, põe mais um prato na mesa… esse moço vai comer com a gente!

– Que é isso, Santana… não quero incomodar…

– Que incômodo, o que… vai almoçar com a gente, sim… depois a gente conversa…

E Juvêncio e Santana começaram a prosear, enquanto Ritinha terminava de por a mesa…agora, com um convidado…

Depois de almoçarem, os dois homens começaram a caminhar pelo pomar, aproveitando a sombra das árvores. Havia vários frutos maduros… era outono. De vez em quando Santana parava embaixo de alguma árvore, examinava os frutos, seguia adiante. Chegaram perto de um pé de caqui, carregado de frutos maduros. Santana colheu dois, ofereceu um para Juvêncio e comeu o outro. a conversa, como não poderia deixar de ser, era sobre os últimos ocorridos pelo condado… Santana relatava os casos, Juvêncio fazia algumas perguntas… Juvêncio falava sobre suas investigações, Santana fazia algumas perguntas. E assim os dois passaram a tarde, nesse pingue pongue palratório…

– Santana, acredita em intervenção espiritual?

– Como assim?

– Acredita em manifestações do outro mundo?

– Bom, eu…

– Olha, estou fazendo uma pergunta séria.

– Eu sei… é que…

– Bem, a pergunta é simples… acredita ou não em manifestações do outro mundo?

– Sim, eu acredito. Mas é claro que não vou admitir isso prá ninguém.

– E por que?

– Olha… se eu colocasse em um relatório que a causa das mortes na região é devido a um fantasma… bem, na melhor das hipóteses eu seria exonerado…

– Sabia que meu departamento só cuida de casos de fantasmas e outros bichos?

– Não, não sabia…

– Eu só fui designado para esse caso porque os chefões sabem que aqui tem manifestações paranormais…

– Então…

– Sim, pode falar livremente comigo… aliás, quanto mais eu souber sobre suas percepções, mais simples ficará para mim chegar em algum ponto…

E os dois homens ficaram alguns segundos em silencio. Então Santana começou a falar, expondo todas as suas ideias sobre o que poderia estar ocorrendo, inclusive falando da teoria de Torquato como uma das possíveis…

Depois de algum tempo ouvindo tudo o que Santana tinha a dizer, Juvêncio resolveu mudar um pouco o foco da conversa… queria ouvir as histórias da região… seus medos, suas crendices… isso seria importante para que ele pudesse fazer um painel do que estaria de fato ocorrendo nos arredores. Afinal, as lendas sempre mudam de lugar para lugar… e sempre há um motivo para tal coisa acontecer. Seu foco principal foi a lenda do Jurupari, já que este era o principal suspeito, se assim podemos dizer, de Santana e seu ajudante. Sim, ele era um demônio… e, sim, um de seus dons era transformar-se em algum animal selvagem, sendo que o seu favorito era a onça pintada…. e uma onça pintada, de pé, teria a altura de um homem adulto e poderia, sim dar uma parada na garganta de alguém, deixando a cabeça pendurada por alguns tendões… Depois de ouvir um bom tempo sobre as lendas da região, começou a perguntar sobre os moradores… quem ele eram, de onde vieram… finalmente deu-se por satisfeito… era hora de retornar ao seu quarto de pensão… tinha que colocar todas as ideias em ordem, e o melhor lugar para isso era, sem dúvida, aquele colchão macio que o aguardava em seu quarto alugado… quem diria… alguém que dormira noites sem fim no chão duro das planícies agora não via a hora de deitar-se em um colchão macio, com roupas de cama limpas…

Finalmente deitado em sua cama, Juvêncio pôs-se a pensar sobre tudo que ouvira durante o dia. Embora tivesse ouvido muito, nada do que recolheu nesse dia acendeu uma luz em seu caminho. Continuava tateando no escuro, sem saber exatamente para onde ir. Sim, sem dúvidas, perseguir bandoleiros era bem mais simples… bastava encontrá-los, enquadrá-los e entregá-los para a lei… ou para o coveiro, dependendo da situação. Bem, mas ele estava na região a apenas um dia… era quase impossível ter uma visão geral do problema em tão curto espaço de tempo. Precisava arrumar algumas coisas para trabalhar… um mapa da região seria imprescindível. Teria que arrumar um caderno de apontamentos, também. Preferia guardar tudo na memória, mas tinha que admitir… a idade estava chegando e sua memória já não era tão boa, assim. Assim como sua agilidade em sacar as armas. Ainda era rápido, em comparação a maioria das pessoas. Mas se sentia muito lento… tanto que, se tivesse que desafiar alguém, com certeza esse alguém poderia suplantá-lo sem muita dificuldade. É, o tempo realmente estava passando para ele. Teria que preparar alguém para continuar seu trabalho, quando fosse hora de parar… pensando bem, a muito que o seu tempo de parar havia chegado… ele continuava de teimoso, pois ainda não encontrara ninguém para ficar em seu lugar. A escolha lógica seria seu ex-parceiro, Juquinha… agora, Doutor José Carlos de Almeida, Delegado Chefe da Policia Federal, responsável por toda a região Sul/Sudeste… claro que ele declinou da responsabilidade ofertada por Juvêncio… afinal, tinha um cargo que necessitava de presença constante, onde se fazia necessário fiscalizar seus comandados, para que o caldo não entornasse. E assim, sem ter um herdeiro para assumir seu manto, Juvêncio continuava na luta, sabendo que o próximo caso poderia ser aquele que finalizaria sua carreira… e sua vida!

Tania Miranda
Tania Miranda
Trabalho na Secretaria de Estado de Educação do Estado de São Paulo e minha função é "Agente de Organização Escolar", embora no momento esteja emprestada para o TRE-SP, onde exerço a função de "Auxiliar Cartorário". Adoro escrever, e no momento (maio de 2023) estou publicando meu primeiro livro pela Editora Versiprosa...

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