A poesia concreta, nas palavras de Paulo Franchetti, “designa um dos vetores mais relevantes do sistema literário brasileiro ao longo de toda a segunda metade do século XX”, vetor este que reflete o momento que o Brasil passava à época em que Jucelino Kubitschek o presidia. O país estava se modernizando e buscando se manter atualizado em relação a tudo o que surgia de novo nos Estados Unidos e Europa. O plano de fazer o Brasil avançar 50 anos em 5 provocou um sentimento de euforia no povo brasileiro, que tentou se adequar a tantas mudanças simultâneas e buscar seu lugar nessa “nova” sociedade que estava “surgindo”. Porém, nem sempre as pessoas encontravam com facilidade seu lugar nesta sociedade, migrantes se dirigiam aos centros urbanos, gerando um grande êxodo rural e um, também grande, contingente de mão-de-obra disponível. Com isso, após atendida toda a demanda dessa mão-de-obra, muitos migrantes ficaram à margem de todo esse processo e, na maior parte das vezes, ficando sem ter onde se estabelecer e trabalhar. Estes últimos passaram a reivindicar para si melhores condições de vida, moradia, trabalho, um pedaço de terra para se estabelecer e cultivar para subsistência e sobrevivência, dando origem à necessidade de se realizar uma reforma agrária em nível nacional, tema do poema em análise.
O artista, nesse caso o poeta, deve ser um trabalhador como qualquer outro, não ocupando uma posição privilegiada. Mais especificamente, ele é como um engenheiro que trabalha com a razão, com o raciocínio, com a lógica, com a inteligência, ele domina as técnicas de produção artística/poética. Ele, porém, é um operário intelectual, diferente do operário manual, alienado do produto final do seu trabalho. O poeta não está alienado do produto final de seu trabalho, ele tem o completo conhecimento de todo o processo produtivo, sua ideia torna-se o produto. Assim, esse artista cria uma relação entre sua obra e o público, calculando o efeito que ela causará neste último, seu produto final tem um objetivo claro e definido.
Para os concretos, a poesia deve funcionar da mesma maneira que uma máquina, com o objetivo de que seu produto final cause uma reação específica no público. O espaço gráfico é um agente estrutural na montagem e manipulação dos discursos, a disposição estrutural irregular, o distanciamento e a aproximação das letras e palavras causam um efeito estético específico, o temporal-linear dá lugar ao espacial, o que, para estes poetas, era mais importante que a ordenação sintática do poema, pois proporciona racionalidade e economia no ato de se expressar. Aqui, o formato de um campo sendo trabalhado, sendo preparado para o plantio, salta aos nossos olhos, a própria estrutura do poema já é parte constitutiva do seu conteúdo. A poesia concreta deveria ser um espelho da realidade. Aqui temos representada a realidade de uma época em que a questão da reforma agrária estava com força total.
Esse poema expõe uma visão crítica sobre a questão da reforma agrária. Inicialmente percebemos que sua disposição visual nos sugere um campo que foi ou está sendo arado. O que permite que o Décio Pignatari utilize tal recurso é a liberdade conquistada pelos concretos quando estes rompem com o verso. Tal liberdade, proporcionada por este rompimento, permite que o poeta segmente as palavras, no caso aqui analisado a palavra “terra”, de maneiras extremamente radicais, não se preocupando ao menos com as regras de divisão silábica. Com isso, o poeta pode dar ao seu poema a forma que desejar, o signo dá origem a palavras-coisas com aspecto figural, ou seja, não-verbal. Além disso, por meio de uma síntese econômica e da plurissemantização resultantes de justaposições o poeta pode formar outras palavras distintas da primeira, o que é o caso, nesse poema, das palavras “ara”, “rara”, “errar” e “erra”.
Quanto a sua forma, para os concretos muito importante, aqui ela se dá de maneira verbivocovisual. Por meio de três sistemas de signos, três formas: a escrita, a falada e a vista, o poeta espera chegar a uma significação mais complexa, efeito que as palavras por si só não são capazes de proporcionar. Nas palavras de Maiakovski, “sem forma revolucionária não há arte revolucionária”. Quando Pignatari escreve, nesse poema, “erraraterra”, podemos, através do som que é produzido ao pronunciarmos esse elemento, compreendê-lo de duas maneiras: “errar a terra” ou “é rara a terra”. No primeiro caso, percebemos um sujeito que erra pela terra sem ter onde se estabelecer, sem ter seu próprio pedaço de terra. No segundo, o que resulta é o fato de a terra ser rara, tão rara que é necessário lutar para consegui-la. Ainda no segundo caso, podemos considerar uma segunda interpretação, o fato de a terra ser distribuída de forma errada, o fato de se errar ao dividi-la, o que também nos é mostrado através da divisão errada, de acordo com as regras de divisão silábica, que o poeta faz das palavras. Em ambos os casos, o que vem à nossa percepção é a luta de uma classe que não tem seu pedaço de terra para morar e trabalhar, pelo fato de esta ser rara, e que, por isso, “erra” pela terra na luta em busca de seu próprio pedaço de terra.
A utilização do isomorfismo espaço-tempo e do isomorfismo fundo-forma confere uma sensação de movimento ao poema, efeito estético inovador à época. Isso se deve ao fato de o poema ser um mecanismo, uma máquina em movimento, produzindo significação. Aplica-se ao poema uma visão semiótica, fundindo-se conhecimento e linguagem, o que o torna mais dinâmico. Tal necessidade se origina do fato de as cidades estarem crescendo e, por isso, haver uma necessidade de se comunicar mais rapidamente. Com isso, o poema passa a ser um produto, um objeto útil que cria problemas exatos e os resolve em termos de linguagem sensível, que não deve ser subjetivo. No caso do poema em análise observamos que esse recurso é explorado ao extremo quando, como já mencionado, Décio se faz valer da forma deste para nos oferecer uma imagem que sugere um campo, pelo fato de o poema ter um formato retangular, que está sendo ou foi arado, impressão causada pela forma espaçada com que seus elementos são dispostos, formando uma linha vertical e uma diagonal. Tudo isso é reforçado no momento em que o poeta utiliza o elemento “araterra”, que pronunciado nos faz ter a impressão de escutar a frase “ara a terra”, o ato de arar a terra está presente verbal, vocal e visualmente, seguindo à risca o princípio da verbivocovisualidade e, com isso, provocando uma reação sensível no seu público alvo, o que é o mais importante.
Por tudo isso, podemos dizer que o Décio Pignatari conseguiu atingir seu objetivo maior, por em prática os princípios, os quais ele, como coinventor da poesia concreta, postulou e se propôs a seguir com o intuito de fazer uma poesia revolucionária, toda nova, atual e moderna, que acompanhasse o ritmo do processo de modernização pelo qual todo o país passava, principalmente uma modernização da mentalidade do povo brasileiro. Os concretos conseguiram chamar a atenção não só dos críticos como também das pessoas em geral no que diz respeito à maneira de se enxergar a poesia e a estética revolucionária envolvida em sua produção. A revolução causada por este movimento foi tal que, ainda hoje, passados cinquenta anos de seu surgimento, há muita polêmica, muita discussão a seu respeito: dissertações de mestrado, teses de doutorado, releituras através de outros meios novos proporcionados pela atual condição da sociedade, que agora se integra por meios multimídia e em tempo real. Assim, trabalhos como este hoje ganham versões em formato de vídeo, por exemplo, que são disponibilizadas na grande rede de computadores, podendo ser acessados a partir de qualquer lugar do mundo e ainda hoje conquistando novos seguidores, tanto leitores como autores, inclusive de outras culturas e línguas distintas.