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sexta-feira, 26 de julho de 2024

A taça de cristal

Capítulo Sessenta e Quatro

– Como se sente, Cecília?

– Tranquila… acho que nunca me senti tão bem…

– Então valeu o passeio…

– Com certeza, Lena… consegui até esquecer certo alguém…

– Já são quase onze da noite, meninas… hora de descansar para retornar ao batente amanhã…

– Sim, papai…

– Hoje todo mundo dorme aqui em casa. Amanhã vocês decidem onde vão ficar nos próximos dias…

– Acho que a Cecí deveria permanecer aqui com o senhor e a mamãe por mais alguns dias… acho que para ela seria muito bom…

– Lena, eu tenho que seguir minha vida…

– Eu sei… mas não é por isso que tem que ficar sozinha lá em casa… 

– E quem disse que vou ficar sozinha? Tenho que procurar um novo emprego, lembra?

– Eu sei… mas não seria melhor descansar mais alguns dias?

– De jeito nenhum, menina… eu preciso voltar à luta…

– Você podia ficar uns dias aqui e me ajudar com a Selene…

– Está me requisitando como babá? Mas a tia favorita dela é a Lena, não eu, Estela…

– Não, é sério… se você pudesse me dar uma mão para cuidar da Selene eu não saberia como te agradecer… e seria só essa semana…

– Tudo bem… o meu mundo não vai acabar se eu ficar em casa por uma semana…

– Cecí…

– O que foi, Lena?

– E aquela medalha que você achou?

– Bonita, não é mesmo?

– Sim, mas… não achou meio esquisito?

– O que?

– Ela parece ser bem antiga, mesmo tendo aparência de nova…

– É de ouro, eu acho….

– Sim, mas não é disso que estou falando…

– E o que seria, então?

– Bem, parece ser uma peça muito antiga…

– Sim, eu acho que é…

– Não acha estranho que ninguém a tenha visto, antes?

– Bem, ela estava bem escondida entre as pedras…

– Sim, mas… ainda assim…

– Pelo que eu vi, ela se divide em três…

– Sério?

– Não tenho certeza… mas parece que ela pode ser dividida em três peças, como os antigos dobrões…

– Mais estranho, ainda…

Mario estava na cozinha, junto com Janete, e retornava à sala nesse momento. Não pôde deixar de ouvir a última frase de Helena, e perguntou…

– O que é estranho, Helena?

– O jeito que a Ceci encontrou aquela medalha… parecia que ela sabia exatamente onde procurar…

– Bem, o que importa é que a sua irmã descansou bem esses dias… quanto ao resto, a gente não procura explicações para tudo que acontece em nossa vida. Apenas vivemos…

 E todos seguiram para a cozinha. Como haviam acabado de chegar de viagem e todos estavam cansados, nessa noite Janete não usou seus dotes culinários. Resolveram pedir pizzas para jantar e, enquanto esperavam o entregador chegar, ficaram conversando sobre os acontecimentos da viagem. Janete ficava em silêncio, procurando não expor seu ponto de vista sobre as ocorrências dos últimos dias. Tinha a sua opinião sobre tudo, mas sabia que ninguém concordaria com ela e, ao menos essa noite, não estava disposta a iniciar uma discussão que poderia acabar com aquela sensação de paz e harmonia que reinava em seu meio. Pelo menos nessa noite, preferia ficar em paz a estar certa… mas que tinha certeza de que a mão do demônio estava no meio das coisas que aconteceram, ah, isso tinha…por ela, Cecília jamais guardaria aquela joia que encontrou nas pedras da “trilha do ouro”, caminho que percorreram no terceiro dia de sua estadia em Bananal… Janete tinha certeza de que aquela peça era amaldiçoada, que tinha parte com o demônio e que só traria infelicidade para sua família. Mas quando tentou expor seu ponto de vista, ninguém se importou com o que falava… então, achou melhor ficar em seu canto e orar bastante para que o mal que com certeza emanava daquela peça não atingisse sua família. O que mais poderia fazer, além disso? Em todo caso, era obrigada a admitir que a peça em questão realmente era bonita… mas o mal muitas vezes vem envolto em belas embalagens….

Mario estava intrigado, principalmente com as inscrições na medalha. Além, é claro do desenho. Bem, não dava para ver corretamente o desenho, uma vez que estava desgastado pelo tempo… engraçado… embora a peça tivesse aparência de nova, as intempéries do tempo apagaram parcialmente a frase e os desenhos da mesma… mas, pelos traços marcados no metal, pareciam três rostos entalhados. Bem, ele olharia a peça com mais calma nos próximos dias… isso, é claro, se Cecília largasse da mesma… pois, desde que a encontrara, ficou agarrada à ela, como uma criança se apega a um brinquedo novo…

– Ceci, posso dar uma olhada na medalha?

Cecilia tirou o cordão do pescoço e o entregou ao seu pai…

– Estranho…

– O que é estranho, papai?

– Não sei se você reparou, mas ela não parece mais nova do que quando a encontrou?

– E como isso aconteceria?

– Não sei… mas olhe bem, para você ver… aqueles desgastes que haviam antes… sumiram… e a medalha está mais brilhante.

– Impressão sua, papai… o senhor está se deixando levar pelas ideias da mamãe…

– Meninas, deem uma olhada na medalha e digam se é apenas impressão minha…

Helena e Estela pegaram a peça, a examinaram atentamente e depois a devolveram ao seu pai. Seu veredito…

– O senhor está certo… essa peça parece ter sido restaurada, depois que a encontramos… é como se a tivessem polido e refeito seus desenhos…

– A Lena tem razão… até as frases estão legíveis, agora…

Janete ouvia tudo em silêncio, se limitando a balançar a cabeça de vez em quando… ela tinha sua opinião… mas, como eu já disse, preferiu ficar calada. Estava pensando em conversar com o padre, na missa de domingo. Talvez ele pudesse ajudá-la a abrir os olhos da família… quem sabe ele não os convencia a se livrarem daquela joia maldita, antes que ela trouxesse problemas para eles? Ela não gostava de coisas que não tinham explicação… e esse artefato, com certeza, não tinha nenhuma… era uma coisa do mal, em sua opinião.

Cecília não sabia exatamente o que pensar do que ouvia. A única coisa que sabia era de que, desde que começara a usar a medalha, seus pesadelos sumiram. Não acordava mais apavorada como antes, nem ficava com medo o dia todo. Ela não era exatamente uma pessoa crédula, mas tinha que creditar à medalha sua paz de espírito atual. E não pretendia abrir mão dessa sensação que sentia ultimamente… paz e segurança. Mas era obrigada a concordar que realmente a joia tinha certas… peculiaridades… que não tinham explicação. Entre elas, a forma que foi encontrada. Cecília simplesmente se dirigiu ao local, como se estivesse apenas resgatando alguma coisa que tivesse guardado a algum tempo atrás… simplesmente se dirigiu ao local em que a mesma estava, removeu algumas pedras e folhas que cobriam a medalha, e a pegou. Depois de limpá-la na barra da blusa, simplesmente a colocou em seu pescoço, como se fosse a coisa mais natural do mundo a fazer. Sua família simplesmente assistiu aquilo, sem pronunciar uma única palavra, mesmo porque a situação foi tão estranha para todos que ninguém sabia o que poderia falar, naquele momento… bem, no momento que Cecilia colocou o adorno em seu pescoço, uma sensação de conforto indescritível tomou conta de seu ser, e todo o medo, todo o receio que a atormentavam até aquele instante, simplesmente sumiram… era como se, de repente, ela tivesse se tornado outra pessoa, mais forte, mais confiante…

Tania Miranda
Tania Miranda
Trabalho na Secretaria de Estado de Educação do Estado de São Paulo e minha função é "Agente de Organização Escolar", embora no momento esteja emprestada para o TRE-SP, onde exerço a função de "Auxiliar Cartorário". Adoro escrever, e no momento (maio de 2023) estou publicando meu primeiro livro pela Editora Versiprosa...

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