Há quem defenda o retorno ao estado natural. Mas, “natural” não é sinonimo de “melhor”. Não sei dizer se o estado natural de coisas é melhor ou pior do que a construção social em que nos encontramos. Em tempos muito remotos, o homem caçava e, ao caçar, enfrentava muitos desafios, e por vezes era, também, caçado. No estado mais natural, agredia-se para tomar do outro a caça. Hoje, para evitar os perigos inerentes ao estado natural, organizamo-nos para trocar, comprar e vender, sejam coisas, seja si mesmo em alguma medida. Claro que ainda há aqueles que vivem conforme as forças instintivas, mais naturais, agredindo, roubando, saqueando, estuprando… No estado mais natural de coisas atendia-se, mediante pulções, isto é, pelas forças puramente fisiológicas, às necessidades fundamentais para manutenção da própria existência e perpetuação da espécie. Agora, vivemos sob um Pacto Social, que, de diversas maneiras, é tão assustador quanto era o estado natural de existência. Se estabeleceram regras que são burladas muitas vezes por aqueles que detém o poder, de maneira que, o poder, continua sendo o critério para existir melhor, com mais segurança e acúmulo de bens. E o poder é, sempre, adquirido e ampliado pela capacidade de adaptação. A descoberta de Darwin não se limitou à vida animal, mas se revela factual também na humana… Para adaptar-se bem, é necessário o desenvolvimento da inteligência e a supressão moral, pois o comportamento precisa ser “medido”, “pesado…”; faz-se necessário previsão de consequências. Não é o mais culto nem o mais bem preparado profissionalmente que se destaca e obtém as melhores oportunidades, e sim, aquele que “melhor joga no tabuleiro da vida”, ou seja, aquele que melhor se adapta às circunstâncias. Infelizmente nasci com vários “defeitos de fabricação…”: afetividade exacerbada, demasiado senso ético, entre outras coisas que, como essas, constituem-se como “pedras no próprio caminho”.
Disse Housseau: “O homem nasce bom. A sociedade é que o corrompe.”.
Esse posicionamento é totalmente equivocado e mesmo contraditório, visto que, “bom” é um conceito de oposição e, consequentemente, de interdependência. Refiro-me à interdependência entre os conceitos de “bom” (ou bem) e de “mau” (ou mal) sendo, ambos, construídos socialmente, no desenvolvimento moral, ético. “Ser bom implíca consciência dos próprios atos”, coisa que um recém-nascido não possui, obviamente. Além disso, há o que chamo de “herança biogenética” e “herança psicogenética”: nascemos com pendores…, e na sociedade apenas os desenvolvemos ou/ e, em diferentes medidas, bloqueamos, reprimimos, sejam positivos, sejam negativos. É somente na sociedade que tornamo-nos “bons” ou “maus”, e mesmo assim nunca o somos plenamente. Há, em toda pessoa, um mix de bondade e de maldade…, até porque, o conceito de “bem” e de “mal” varia conforme o grupo em que se esteja inserido e individualmente. Convém ressaltar, a ítulo de informação, que Housseau era tido, por não poucas pessoas, como um típico canalha. Será que, sem o saber, ele queria justificar-se, culpando a sociedade por aquilo que, ele mesmo, em certa medida, se tornou?
Em oposição à ideia do estado natural de Housseau, encontramos Hobbes, que considera que o homem nasce “mau”, com instintos de agressividade, de impulsividade, para lutar em prol da manutenção e perpetuação da vida, e que, pela sociedade, precisa ser educado. As observações já feitas aqui, expondo o erro de Housseau, servem para exclarecer que Hoobes errou ao conceituar de “mau” o homem em estado natural. “Agressividade” não poderia, em estado natural, isto é, sem leis, ser tida como “coisa má”.
Talvez, para perfeito entendimento sobre “bem” (ou bom) e “mal” (ou mau) seja-nos necessário analisar, de maneira imparcial, a questão das origens da moral. De certo que, de imediato, vêm-nos à memoria Nietzsche, e seu livro A Genealogia da Moral.
Nietzsche postulou que, ao contrário do que quase todos os estudiosos da moral dizem, a moral tem origem não na utilidade, ou mais propriamento na constatação do útil e do não útil, e sim, por imposições de clásses dominantes. Ele parte da etimologia, como declara na página 24 de NIETZSCHE: A Genealogia da Moral; Editora Lafonte, 2020:
“A indicação para o caminho correto me foi dada por esta pergunta: qual é, segundo a etimologia, o sentido da palavra “bom” nas diversas línguas?”.
Assim, Nietzsche segue sua construção teórica sobre a genealigia da moral. Ele descobre que as palavras “bom” (ou bem) e “mau” (ou mal) possuem relação direta à aristocracia, aos “loiros” _no caso dos “bons”_ e aos plebeus, aos “de pele escura e cabelos crespos”_ no caso dos pobres, escravos, os que não fazem parte da nobreza. É importante, porém, últrapassar Niezsche, pois ele começa a exposição de sua teoria pautando-se em um período de definidas clásses. Houve, certamente, um período primitivo, em que se vivia, ainda, em comunas, grupos pequenos de cooperação, não submetidos a leis, mas submetidos aos constumes que se desenvolviam na e pela inter-relação, firmando-se pela percepção do justo e do injusto. Ao utilizar as palavras “justo” e “injusto”, não estamos, obviamente, implicando peso jurídico, isto é, de leis, mas referimo-nos ao sentido que se aplica às roupas, por exemplo, quando bem “justas ao corpo”, isto é, damos o sentido de “meio termo”, “equilíbrio”. Somente após os grupos primitivos se desenvolverem muito, e indivíduos começarem a se destacar isoladamente, sobrepondo-se a outros indivíduos e grupos, foi se formando e se firmando as classes e se desenvolvendo o que Nietzsche muito bem apresentou.
Após tudo o que analizamos aqui, concluímos este curto artigo perguntando: “Estado natural ou ou pacto social”? Acho que a resposta depende do nível de poder que cada pessoa conseguiu pela adaptação. A sociedade “é uma gigantesca pirâmide, construída de blocos que se movém, ora para cima, ora para baixo, cuja manutenção das melhores posições dependem de negociações em algum nível amorais”.
Ob.: o presente texto é resultado de empirismo-racional, ou de um racinalismo-empirísta _além de análise de diferentes obras sobre o referido tema_ passível, talvez, de críticas, que, aliás, serão muito bem vindas, sempre.
Autor:
Cesar Tólmi – Filósofo, psicanalista, jornalista, pós-graduando em Neurociência Clínica e em MBA de Recursos Humanos, Coaching e Mentoring, artista plástico, escritor e idealizador da Neuropsiquiatria Analítica, integrada aos campos clínico, forense, jurídico e social.
José Manfroi – Graduado em Filosofia, mestrado e doutorado em Educação, professor titular da Universidade Católica Dom Bosco (UCDB); um dos idealizadores e coordenadores do Programa Estudo dos Clássicos do Curso de Direito (presencial e EAD) com ênfase na filosofia jurídica; participa do processo de TCC dos cursos de Filosofia e Direito; professor colaborador do Departamento de Pós-Graduação Stricto Sensu do Mestrado e Doutorado em Desenvolvimento Local da UCDB; professor convidado da Escola Superior de Magistratura (ESMAGIS/MS) em que ministra as disciplinas de Sociologia do Direito, Metodologia do Ensino Superior e Métodos e Técnicas de Pesquisa.
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