A “filosofia do karma”, que tem relação direta à “roda de samsara”, é o mais belo contra-senso… Como se pode dizer algo sobre um “fazer individual” quando todos os atos de todos estão, sempre, em maior ou menor medida, unidos aos atos uns dos outros? “Nenhum homem é uma ilha…”. Toda atitude é em relação ao meio que se esteja inserido, de maneira que as atitudes não são, jamais, inteiramente livres; minhas atitudes são influenciadas, em diferentes graus, pelas atitudes daqueles que comigo interagem e esses, por sua vez, também pelas minhas são influenciados para as suas, e todos somos, ainda, influenciados em nossas atitudes pelas atitudes que perpassam as eras. Como posso ser inteiramente responsável pelas minhas atitudes se há, nelas _seja por assim dizer_ “resíduos atitudinais” dos que me antecedem até mesmo em séculos?! Não somente meus pais, meus irmãos, tios, primos, visinhos etc, contribuíram e cobtribuem permanentemente para a formação da minha “estrutura de significados”, que, por sua vez, faz que eu tome certas atitudes, como também fazem parte disto Sócrates, Platão, Aristóteles…e mesmo Nietzsche, como o seu amor aos fatos!
Percebo que “o homem não é um homem, e sim, muitos…”. Como separar um, entre os muitos que me constituem, para responsabilizar plenamente apenas um? As doutrinas místico-religiosas do Karma e da Roda de Sansara são um contra-senso, talvez o maior já visto. Mas há certa beleza nesse gigantesco contra-senso oriundo de nossa vontade de explicar o inexplicável e de dar, consequentemente, sentido às coisas, para termos a sensação de justiça, de ordem na existência. Porém, se há um ordenamento na existência, é somente o eternamente necessário de uma variedade de caos.
Devemos ser fortes… E ser forte é ter a coragem de aceitar que a vida é um ordenamento de caos que se encontram para gerar alguma sensação de equilíbrio, tornando a vida um tanto digna de ser vivida… Devemos jogar pela janela a nossa vontade de controle e atirarmo-nos no caótico fluxo do rio da vida, para fortalecer os pulmões, os braços e as pernas, ao nadar muitas vezes contra as correntezas, mas não esquecendo-nos de, outras vezes, deixar-nos levar por elas, boiando em suas ondulações ora suaves, tranquilas, ora caudalosas, agitadas…
Fico boquiaberto ao ler ou ouvir algo do tipo: “Cada pessoa colhe do que planta.”. Poucas vezes tomei ciência de analogia tão estúpida e desumana… “Um semeador saiu para semear, e aconteceu que, ao lançar as sementes, um vento soprou forte, espalhando-as, fazendo cair algumas entre pedras, outras em lagos, outras em terra boa, de maneira que, algumas germinaram e deram frutos, outras não puderam germinar, pois mesmo entre as que caíram em terra boa grande parte foi atacada por insetos e aves que as devoraram.”. Não se pode prever as variáveis… Na vida, um planta e outro, algumas vezes, mesmo jamais tendo o trabalho de plantar, cuidar…, colhe da plantação daquele que tanto trabalhou nela… A vida é como dominós postos em pé, enfileirados, que vão afetando-se mutuamente, caindo aos montes a partir de um simples toque no primeiro. Se você acredita na existência de algum “Ser Superior”, um “Deus”, e deseja responsabilizar plenamente alguém, responsabilize o seu “Deus”, pois não terá sido ele quem dispôs os dominós em fileira e, com seu gigantesco Dedo Cósmico, tocou no primeiro, dando origem à queda de todos? Não responsabilize excessivamente os “dominós…”. Não há nem 100% de mérito em nossas melhores atitudes nem de culpa pelas piores; estamos, todos, em alguma medida, vinculados, influenciando-nos uns aos outros, tanto para o bem quanto para o mal. Definitivamente, o mundo, isto é, a vida, não tem um ordenamento justo nem um sentido próprio, e a coragem está em “dar as mãos, desafiadoramente, à absurdidade da existência”, em “alternar as braçadas contra e a favor das correntezas…”. Há várias opções de futuro, mas nunca dependentes apenas de nós mesmos, pois, como uma teia, as atitudes humanas são interdependentes; todos dependemos de todos em alguma medida. Não adianta “pensar positivo” sobre conseguir uma vaga de emprego, por exemplo, porque muita gente está, em mesmo grau, pensando positivo sobre a mesma vaga de emprego. À quem ela será dada? Isso resultará da confluência de vários fatores amplamente fora do controle dos indivíduos. O que cabe ao indivíduo é, mais e mais, se desvencilhar de suas crenças, de seus conceitos infantis sobre recompensas em algum Paraíso ou em alguma reencarnação kármica. Aceitar a absurdidade da existência é o primeiro passo para ampliar a sua medida de controle de si mesmo. “Não posso controlar o rio, a força de suas ondas…, mas posso melhor me adaptar aos seus movimentos e ter, em alguma medida, controle sobre minhas braçadas e respiração para não ser, inteiramente, arrastado por ele.”.
Mas, o que são, propriamente, Samsara e Karma?
Vejamos: Karma ou carma é palavra do Sânscrito. Em Páli é kamma. A tradução em sânscrito é “ação”, “obra” ou “feito” com consequências. Nas religiões indianas o termo refere-se a um princípio de causa e efeito, tendo a intencionalidade das ações de um indivíduo. O efeito do “Karma” infkuencia o futuro da pessoa, que é _segundo tal conceito_ retribuição moral. Boas intenções e boas ações contribuem para um bom Karma e renascimentos felizes, enquanto as más intenções e más atitudes contribuem para um mau Karma e renascimentos infelizes. Trata-se de uma especie de “nó perpétuo” que simboliza a interdependência dos darmas em cossurgimento, incluindo o ciclo de renascimento, segundo os princípios de “Método e Sabedoria”, ou “Compaixão” (Karu??) e “Sabedoria (Prajna). Enquanto o conceito de Karma se refere, principalmente, à causa e ao efeito ao longo da vida, a Roda de Samsara trata-se de cíclos de renascimento, como “consequência futura infinita do Karma”, de maneira que ambos os conceitos se unem e se torm interdependentes. Porém, para Samsara (“movimento contínuo” ou “fluxo contínuo”) por mais que se alcance uma existência bem-aventurada o sofrimento é inevitável, mesmo para os seres mais bem-nascidos, os quais estão sujeitos também aos cíclos de renascimento. Somente a iluminação quebra o cíclo.
A “Rda do Samsara” , contém seis vias que definem-se a partir do “Karma”. Apenas a iluminação quebra o ciclo. Tais vias, são: Deva, Asura, Manusya, o chamado Animal, a Preta e, por último, Naraca.
Para não ser demasiadamente enfadonho, não farei descrição das vias, mas preciso fazer algumas observaçõs sobre os conceitos Karma e Samsara. “Samsara”, embora coerente sobre as coisas boas e más ocorrerem tanto aos bons como aos maus, erra ao se unir ao “Karma”, que, por sua fez, coloca o bem e o mal como consequências de nossas atitudes. Vejamos o seguinte: se acumulei “Karma negativo”, merecendo, portanto, o sofrimento, tal precisará vir mediante alguém, que, por sua vez, ao me causar sofrimento, acumulará “Karma”, pois deveria fazer-me o bem para acumular “Karma positivo”. Mas, se é preciso que o mal seja feito a mim como resultante de meus atos moralmente errados, quem me traz o referido mal não pode ser, por tal coisa, responsabilizado, e se fizesse-me o bem que não mereço não poderia acumular um “Karma positivo”, pois foi injusto, além de inteferir no meu “Karma”.
Muitas coisas poderiam ser observadas aqui sobre as falhas do conceito de “Karma” e da “Roda de Samsara”, facilmente demonstraveis, mas as observações feitas aqui, desde o início do texto, são mais do que suficientes. E não me queiram mal os que seguem tais doutrinas… Cuidem para que “não acumulem Karma negativo”!
Autor:
Cesar Tólmi – Filósofo, psicanalista, artista plástico, jornalista, pós-graduando em Neurociência Clínica, escritor, palestrante e idealizador da Neuropsiquiatria Analítica, integrada aos campos clínico, forense, jurídico e social.
E-mail: cesartolmi.contato@gmail.com