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terça-feira, 3 de setembro de 2024

A taça de cristal

Capítulo Quarenta e Três

Já fazia uns quinze dias que Roseli morava na casa de Dona Olga. Desde o primeiro dia as duas se deram muito bem. Tanto que Olga dizia a todos que a moça era a filha que ela nunca teve, mas que gostaria de ter … Ah, sim… em todo esse tempo Ricardo não visitou a mãe, nem sua filha, uma única vez que fosse. Sim, ele continuava obcecado por Cecília. Mas agora tinha um agravante… estava desempregado. E desde que fora demitido da empresa, pela denúncia de trabalhar embriagado, ficava zanzando pelas ruas… virou um sem-teto, mesmo tendo casa para morar. Podemos afirmar que o seu fracasso amoroso o fez entrar em uma depressão tão profunda, que aparentemente não teria volta, ao menos não no curto prazo. Sim, quem havia conhecido o rapaz a tempos atrás não o reconheceria na atualidade. Sujo, barba por fazer, roupa imunda no corpo… dormia pela sarjeta, em qualquer lugar que o sono o pegasse. Sim, não voltava para sua casa já a um bom tempo… não estava usando drogas pesadas… ainda. Seu único vício ainda era o álcool. Sim, ele precisava de ajuda… urgente. Não, até o momento ninguém lhe estendera a mão… seus amigos foram se afastando aos poucos, na medida em que ele ia se perdendo no mundo das ruas. Novos amigos apareciam, companheiros de infortúnio. Ele estava de tal forma desorientado, que muitas vezes não se recordava nem de seu próprio nome. Sim, dava pena de ver o estado lastimável em que ele se encontrava…

Era uma tarde chuvosa. Não aquela chuva forte, mas uma garoazinha chata que se inicia e não temo hora para terminar. Como sempre, Ricardo perambulava pelas ruas, com uma garrafa de cachaça debaixo do braço… de vez em quando, dava uma bicada para sorver o líquido… faziam já três dias que ele não colocava nenhum alimento sólido em seu estômago… simplesmente não sentia fome. Seu corpo estava todo inchado, consequência do excesso de álcool que consumia. Caminhava cambaleante, sem muita firmeza nas pernas. Era a fraqueza que o estava alcançando… sim, seu corpo começava a cobrar pelo excesso que ele cometera…

Ricardo tomou mais um trago, fechou a garrafa e voltou a caminhar, com seus passos trôpegos. Foi atravessar a rua. Como eu disse, estava chovendo. Sua roupa estava simplesmente preta de sujeira. A noite começava a espalhar seu manto pelo céu. O motorista não o viu a tempo, ainda tentou desviar, mas a pista estava lisa. O freio foi acionado, mas o veículo escorregou alguns metros a mais do que deveria. A garrafa voou para longe, espalhando seus cacos por uma região até razoável. Ricardo deu sorte… o carro era alto e ele ficou debaixo do mesmo, entre as rodas. Claro que se feriu, mas não com a gravidade que poderia ter sido, se o veículo não tivesse parado a tempo….

Logo a ambulância chegou e trataram de o levar para as Clínicas. Foi atendido de pronto, e ao verem o estado lastimável do rapaz, trataram de limpá-lo e jogar fora aquelas roupas encardidas. Entre suas papeladas havia o telefone de Cecilia e o de sua mãe. Ligaram para as duas, para avisar sobre o ocorrido. Cecília deu de ombros… se ele foi atropelado, o que ela poderia fazer? Melhor deixá-lo quietinho em seu canto…

Quando a assistente pessoal do hospital falou para dona Olga que seu filho havia sido atropelado, ela entrou em desespero. Tanto que nem conseguiu continuar conversando com a assistente. Roseli pegou o telefone da mão da quase sogra e continuou a conversa, para saber mais detalhes sobre o ocorrido. Terminando de receber as informações, pediu para que dona Olga ficasse com sua pequena, pois ela iria ao hospital, ver o que de fato ocorrera. e prometeu que, assim que se inteirasse da situação, ligaria para dona Olga e a deixaria a par do que estava acontecendo. Como realmente estava com pressa, chamou um UBER e tratou de seguir para as Clínicas. Não era longe de onde estava, em vinte minutos chegaram. Pagou o aplicativo e subiu célere as escadas. Então trombou com… sim, vocês adivinharam. Ela cruzou com Cecília, que depois de pensar um pouco, chegou à conclusão de que teria que ir ver o estado do ex-marido. Afinal, conviveram juntos por algum tempo, não era certo deixá-lo jogado como um trapo velho pelas cercanias da vida…

– Te ligaram, também?

– Não… ligaram para dona Olga… mas ela passou mal quando recebeu a ligação… então pedi para que cuidasse de minha filha e vim ver o que aconteceu…

– Vocês moram perto?!

– Na verdade, estou morando na casa dela…

Cecília ficou verdadeiramente surpresa. Não esperava essa novidade…

– Sério, isso? Você está morando na casa da mãe do…

– Ela me convidou. Eu aceitei, porque assim posso cuidar um pouco mais da minha filha…

– Quer dizer que, desde que você e o…

– Não. Quando a gente se separou, eu deixei minha filha aos cuidados de dona Olga, e arrumei um cantinho para ficar, do outro lado da cidade. Faz uns quinze dias que estou na casa dela…

Cecília deu de ombros, como se não se importasse. Mas por dentro a raiva começava a dominá-la. Mas fez um esforço para não externar tal sentimento.

– Fico feliz por você… e você e o Adriano se veem com muita frequência?

– Olha, desde que nos separamos, nunca mais o vi… e, se quer saber, nem a dona Olga… fazem uns seis meses que ele não dá as caras na casa dela…

As duas se calaram por alguns instantes. Seguiram até a recepção, se identificaram e foram orientadas a conversar com a Assistente Social, que lhes atualizaria sobre a condição do paciente. E lá foram elas, cada uma imersa em seu pensamento… Cecília não conseguia entender o que Roseli fazia ali e Roseli ficou sem jeito por estar ao lado da esposa daquele que fora seu amante… realmente as duas estavam em uma saia justa…

Tania Miranda
Tania Miranda
Trabalho na Secretaria de Estado de Educação do Estado de São Paulo e minha função é "Agente de Organização Escolar", embora no momento esteja emprestada para o TRE-SP, onde exerço a função de "Auxiliar Cartorário". Adoro escrever, e no momento (maio de 2023) estou publicando meu primeiro livro pela Editora Versiprosa...

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