24.2 C
São Paulo
quinta-feira, 5 de setembro de 2024

A taça de cristal

Capítulo Vinte e Um

Eram nove horas da manhã do domingo. Fazia sol. Gostoso, nem muito quente, nem muito frio. A brisa que vinha era suave como um toque de seda. As flores estavam lindas, pois na noite anterior havia chovido um pouco. O gramado parecia um tapete verde. Os pássaros chilreavam nos galhos das árvores, pois tinham certeza de que estavam seguros. Os grilos e gafanhotos pulavam por entre a relva ainda molhada, pois apesar do sol, o solo ainda estava molhado. Uma cigarra solitária cantava agarrada em algum tronco de árvore, enquanto borboletas disputavam território com as abelhas para ver quem tinha direito ao néctar das flores. De vez em quando um beija flor aparecia entre as folhagens e deliciava a todos com a visão que seu voo proporcionava…

Helena caminhava pela alameda do parque, absorta em seus pensamentos. Até agora tentava entender o seu sonho. Mas, por mais que tentasse, não conseguia vislumbrar nada. De qualquer forma, relembrar o sonho para ela não era uma tarefa fácil. Foi uma fase difícil em sua vida, que tentava esquecer de todas as formas. Mas não é possível se esquecer de quem a gente gosta…

Entre os vários bancos da praça, sentou-se em um que ficava debaixo de uma árvore frondosa. Protegido pela copa da árvore, o banco estava seco. Helena sentia-se confortável ali, embora estivesse um pouco mais frio que o resto do parque. Ela começou a pensar em quando conheceu seu amigo. Foi na primeira semana de aula…  na terceira aula do dia. Sentiu alguém bater em seu ombro. Claro que era o aluno que se sentava atrás dela. Achou estranho. Não o conhecia, nunca tinham conversado, não sabia seu nome.

– Poderia me emprestar seus apontamentos de Física?

Quase lhe deu uma resposta enviesada. Mas ao olhar para ele, sentiu-se atraída por aqueles olhos negros. Além disso, ele tinha um sorriso que derreteu todas as suas reservas…

– Sem problemas… só não sei se vai conseguir entender meus garranchos…

Ele sorriu, à guisa de resposta. Um sorriso limpo, cheio de luz… ela sentiu-se atraída por aquele sorriso em especial…

-Você não viu ainda a minha letra… aí você vai descobrir o que é garrancho, de verdade…

– Tudo bem… a gente não vai ficar disputando para ver quem é que tem a letra mais feia, não é mesmo?

– Não, claro que não! Afinal, seria covardia de minha parte, já que, com toda certeza, eu ganharia fácil, fácil de você…

Helena riu, e o rapaz riu também…

– O casalzinho poderia contar a piada para o resto da classe, para que todos possam rir, também?

Era o professor chamando a atenção dos alunos. Helena ficou desconcertada, não sabia onde enfiar a cara. Oscar (sim, esse era o nome do rapaz) pediu desculpas ao professor, a sala e a Helena…

– Desculpe, professor… é que eu perdi as suas aulas anteriores, e pedi para que a menina me emprestasse seu caderno, para que eu pudesse atualizar minhas anotações…

– Entendo… então vocês vão me permitir dar a aula sem novas interrupções?…

– Palavra, professor. Vamos ficar tão quietos quanto uma pedra…

E assim ficaram, pelo resto da aula. Ao terminarem as aulas do dia (depois da aula de Física ainda tiveram uma aula de Português), Oscar acompanhou a garota até a saída do colégio. Começaram a conversar, e dali a pouco pareciam amigos de longa data. Foram para o ponto de ônibus e, oh coincidência… usavam o mesmo ônibus para se transportarem para casa… e então foram conversando até o ponto em que Helena descia. Ele continuou a viagem. A menina ficou pensativa, não conseguia tirar o novo amigo de seus pensamentos. O almoço estava pronto, sua mãe mandou-a guardar suas coisas e ir para a mesa. O cheiro da carne assada, uma iguaria que ela simplesmente amava, tomava conta de todo o lugar. Tinha arroz branco, um feijão recém saído do fogo, uma salada de maionese, que ela simplesmente amava e fatias de rosbife, com batatas coradas ao lado. Ela não perdeu tempo, e atacou sem pensar duas vezes. Em casa, além dela e sua mãe, estavam somente suas duas irmãs… Letícia, com onze anos, e Estela, a caçulinha com sete anos. Depois do almoço, Helena iria levar Letícia e Estela até a escola, que ficava a três quadras de sua casa. Estela cursava o primeiro ano, estava se alfabetizando. Cecília estava fazendo a quinta série. Já fazia um mês que Helena e Oscar se conheceram. E se tornaram inseparáveis. Chegavam juntos no colégio, estudavam juntos, iam na biblioteca para pesquisar algum assunto que não dominavam… seus colegas de classe acreditavam que os dois estavam namorando. Mas não era o caso.  Os dois sentiam uma atração muito forte um pelo outro, mas não era nenhuma ligação romântica. Eram amigos, e a simples presença de um deixava o outro feliz. Tanto que se tornaram confidentes um do outro, contando seus sonhos, seus desejos.

 O ano se aproximava de sua metade, quando os dois conseguiram seu primeiro emprego. Helena, como recepcionista em um escritório de advocacia. Oscar, como auxiliar de Departamento Pessoal em uma multinacional. Os dois estavam felizes com seus empregos. É claro que precisaram mudar o turno de seu curso, pois os horários simplesmente não batiam. E então, os dois passaram a estudar a noite. E, por coincidência, na mesma sala. A união que os dois tinham no curso diurno tornou-se mais forte quando passaram a estudar a noite. Oscar parecia um pit bull quando o assunto era proteger sua amiga do que quer que fosse.

Logo ele comprou um carro e todo dia ia buscar a amiga no escritório onde ela trabalhava, e os dois iam juntos para o colégio. Se antes as pessoas pensavam que os dois eram namorados, agora era certeza absoluta. E os dois riam das especulações das pessoas à sua volta. Num final de semana, convidou-a a conhecer seus pais. Eles moravam em Caçapava, então teriam que ficar o dia todo fora. Decidiram que iriam no domingo. E as oito horas da manhã estavam os dois na Dutra, a caminho da casa de Oscar. Ela achou engraçado a origem dos dois ser o Vale do Paraíba… afinal de contas, seus pais eram oriundos de Guaratinguetá, não tão distante assim da cidade de Oscar. E mais engraçado, ainda, é que ela vivia sempre visitando seus avós, que moravam em Eugênio de Melo, distrito da cidade de São José dos Campos, vizinha de Caçapava… quem diria que iria conhecer alguém que tinha praticamente a mesma origem que ela?

Claro que Helena adorou conhecer a família de seu amigo. Ficou encantada com todos, mas a mãe do rapaz lhe deu uma atenção especial e, por isso, é claro que ficou marcada em seu coração. Depois desse dia era raro o final de semana que o rapaz não a arrastava para algum lugar. Ele gostava de viajar, e gostava da sua companhia. De preferência, iam para as montanhas, mas as vezes desciam para a praia. Não era o passeio favorito do rapaz, mas como sabia que sua amiga gostava da areia do mar, esse fazia parte do circuito dos dois. Sua cidade favorita era Ubatuba, principalmente porque ficava perto da cidade de Paraty, um dos pontos preferidos de Oscar. E assim iam tocando a vida.

Concluíram o Ensino Médio. Oscar tentou o vestibular, mas levou bomba na primeira tentativa. De qualquer forma, conseguiu uma promoção em seu emprego. Helena saiu do escritório onde trabalhava e foi tentar a sorte como vendedora, em uma loja de departamentos. Não era tão fácil como esperava, mas logo começou a dominar a técnica de como abordar um cliente e fechar uma venda. Se não estava entre as primeiras do ranking, também não ficava entre as últimas colocadas. Conseguia tirar um salário razoável.  Oscar “batia cartão” todo dia na casa da moça. Já era considerado como membro da família. Janete começou a pressioná-los para que se tornassem noivos e se casassem. E não adiantava os dois tentarem explicar para ela que não era esse tipo de relação que existia entre eles. Janete fazia questão de não entender o que lhes falavam. E isso foi durante todo o tempo em que sua relação de amizade durou. Até aquele fatídico dia, em que Oscar sofreu o acidente…

Era um domingo do mês de abril. Haviam passado o dia no Ibirapuera. Passearam pelas alamedas, visitaram todos os museus que ali estavam, inclusive o viveiro de plantas. À tarde, resolveram assistir um filme. Passearam no shopping, olhando as vitrines. Assistiram ao filme. Oscar a convidou para jantarem na praça de alimentação do shopping, mas ela não aceitou a oferta, lembrando ao amigo que sua mãe os esperava com uma bela lasagna, e um delicioso rosbife, guarnecido com batatas assadas macias e saborosas. Claro que o convenceu na hora, já que ele simplesmente adorava a comida da mãe de sua amiga. E lá foram eles para aquele que seria o jantar de despedida dos dois…

Helena demorou um bom tempo para se recuperar da perda de seu amigo. Por quase um mês, tudo o que ela conseguia, quando chegava em casa do trabalho, era ficar no seu quarto e chorar baixinho a falta que Oscar fazia em sua vida. O amor que sentia por ele era profundo, e sua partida brusca foi um baque muito forte para ela. Só voltou a seguir sua vida depois de uma visita de Oscar, pedindo em seus sonhos que não parasse de viver por sua causa, pois ele estaria sempre ao seu lado, velando por ela e a protegendo…

Tania Miranda
Tania Miranda
Trabalho na Secretaria de Estado de Educação do Estado de São Paulo e minha função é "Agente de Organização Escolar", embora no momento esteja emprestada para o TRE-SP, onde exerço a função de "Auxiliar Cartorário". Adoro escrever, e no momento (maio de 2023) estou publicando meu primeiro livro pela Editora Versiprosa...

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui

Leia mais

Reflexões

Brincar de “Poliana”

A batalha da vida

Quem somos nós?

Patrocínio