21 C
São Paulo
quinta-feira, 25 de abril de 2024

Biscoito Globo

Engarrafamento numa sexta-feira depois do expediente ninguém merece. As quatro pistas paradas e eu doido para chegar em casa. Não anda de jeito nenhum, meia hora já e não saio do lugar, nem um centímetro. Há muito tempo não engarrafava desse jeito, por isso eu já tinha feito até planos para o fim de tarde e noite. Comprei a bebida e os tira-gostos. Ia ser só eu e ela, era só chegar, ligar, tomar um banho, me arrumar e esperar. Mas engarrafou. Justamente nessa sexta.

Passou um vendedor de biscoito, desses que sempre aparecem do nada nos engarrafamentos e a gente nunca sabe de onde eles surgem e se já sabiam que iria engarrafar ou como eles conseguiram comprar tanto biscoito assim de última hora. Ele chegou do lado do carro, enfiou a mão pelo vidro da porta, segurando aquele saquinho branco com o desenho do bonequinho com um cabeção redondo, e disse: “- Biscoito Globo, freguês?! É o maior sucesso!”. Eu detesto esse biscoito, ele é horrível, tão horrível quanto ser chamado de “freguês” por um vendedor. Agradeci e perguntei se tinha água mineral, ele respondeu que não, mas que tinha um camarada que vendia e ia mandar ele vir trazer para mim.

Agora já tinha uma hora que eu estava parado ali. Ou melhor, tinha andado mais ou menos um quilômetro, mas não fazia muita diferença. Nada de água, a camisa e a calça encharcadas de suor e colando na pele. A garganta seca e a cabeça já começava a doer. Liguei avisando que ia atrasar, disse que não aguentava mais esperar, ela disse que também não.

– Água aí, freguês?

– Ô! Finalmente!

– O camarada do biscoito falou que você queria água.

– Sim. Quero sim. Me dá duas.

– Tá na mão, freguês!

– Graças a Deus! Você me salvou.

– Tamo aqui pra isso, freguês. Agora deixa eu ir naquele outro carro ali.

Abri uma das garrafinhas e já tomei metade da água de uma vez só, sem parar para respirar. Deu uma aliviada na secura. Comecei a sentir fome, poderia comer qualquer coisa. Menos aquele biscoito. Argh! Aquele não!

Mais meia hora e só tinha andado mais uns 700 metros. Liguei de novo para ela cancelando o encontro: “- Marcamos para amanhã, pode ser?”. Respondeu que tudo bem. A fome foi aumentando, mas aquele biscoito…

Comecei a pensar em tudo o que poderia ter rolado naquele fim de tarde e noite com ela, em como teria sido bom, mas ia ter que ficar para amanhã. Pensei na bebida e nos tira-gostos. Eu tinha comprado tantos tira-gostos gostosos, mas eles estavam tão longe. Aqui o que reinava era só o Biscoito Globo e eu já estava entendendo porque ele era “o maior sucesso”. Não tinha escolha, não tinha outra coisa para comer ali a não ser o biscoito do saquinho branco com o desenho do bonequinho com um cabeção redondo. Avistei pelo retrovisor um vendedor passando com um saco transparente lotado desses saquinhos. Ele estava meio longe, então saí do carro e, com as duas mãos em forma de concha em volta da boca, berrei:

– Ô BISCOITO GLOBOOOOOO!!!

==> Conheça meu canal no WhatsApp: https://whatsapp.com/channel/0029Va95TVVEawdxgV263u0v

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui

Leia mais

Salgado no saco de papel

Raquete de matar pernilongo

Eu vi o funk brasileiro nascer

O faroleiro

Patrocínio