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sexta-feira, 6 de setembro de 2024

A taça de cristal

Capítulo Dezessete

– Então… acabou mesmo?

– Sim, Ricardo… não tem mais volta…

– Mas… porquê? Você sabe que eu te amo…

– Sinceramente? Eu acho que não…

– Cecília…

– Olha, quem ama alguém procura fazer tudo pelo seu amor… não sai por aí, atrás de outra pessoa…

– Mas eu…

– Você pensou, realmente, que eu nunca iria descobrir sobre a outra?

– Não é o que você está pensando… eu…

– Olha, acho que o melhor para nós dois é cada um ir para o seu lado. A muito que nosso casamento não anda bem das pernas…

– Cecília, eu…

– Sabe, Ricardo… eu te amei muito. Mas vamos ser francos… nos últimos tempos tudo que temos feito é brigar. E isso não vai nos trazer nada de bom. Por isso, acho melhor a gente terminar nosso caso enquanto ainda há um pouco de respeito entre nós… porque você sabe… se a gente continuar por esse caminho, até esse respeito vai se acabar… e aí… só Deus sabe o que pode acontecer em nossa vida…

Ricardo tomou um pouco do refrigerante que estava a sua frente. Cabeça baixa, pensativo. Queria dizer alguma coisa que apagasse tudo o que havia acontecido nos últimos tempos, mas não sabia o que dizer. Levantou o rosto e fitou sua mulher nos olhos. E viu nestes a determinação de seguir em frente em sua decisão.

– Cecília, eu acho…

– Olha, vamos ser francos…fora um papel assinado dizendo que somos casados, nada mais nos liga de verdade. Você vive ausente de minha vida… chega tarde todo dia, desaparece nos finais de semana, a gente raramente se vê… não estamos nos combinando mais em nada! Tudo entre nós é motivo de discórdia, de briga! E já chegamos ao estágio da agressão física. Se não tomarmos uma atitude agora, quem pode dizer o que nos acontecerá no futuro?

– Eu te amo, Cecília! Você é o amor de minha vida!

Cecília não respondeu. Limitou-se a olhar para seu companheiro e balançar levemente a cabeça, demonstrando discordar de suas palavras. Tomou o resto do suco de morango de seu copo, olhou o relógio, levantou-se…

– Desculpe, já deu a hora de meu ônibus, ele já encostou na plataforma. Não posso perdê-lo, pois tenho que trabalhar ainda esta tarde… (na verdade, ela comprara uma passagem para Campinas, pois não queria que ele soubesse para onde iria, realmente. De lá, ela pegaria outro ônibus com destino a Cataguazes… não sabia se tinha ônibus direto de Campinas a Cataguazes, mas isso não tinha importância. O que interessava realmente é que Ricardo não tivesse noção de qual seria seu destino final. Ela desceu as escadas em direção ao portão de embarque. Ricardo a acompanhou. Quando ela ia entrar no portão, Ricardo perguntou…

– Nem um beijinho de despedida vou ter?

Ela parou, Olhou-o no rosto, novamente. Na ponta dos pés, ela se levantou e beijou-o no rosto, um beijo fraternal.

– Vou te ver, novamente?

– Só o tempo poderá dizer. Eu realmente não sei…. Boa sorte para você!

E deu-lhe as costas, entregou a passagem para o motorista e entrou no veículo. Ricardo ainda a chamou por mais uma vez, mas ela não respondeu. Procurou seu assento, ficaria no fundo do ônibus, novamente. Ricardo tentou acompanhar, com os olhos, o caminhar de sua mulher dentro do coletivo, porém não logrou êxito. Se conformou em ficar ali parado, esperando que o carro se afastasse da plataforma e ganhasse o portão de saída. Ainda permaneceu ali por algum tempo, mesmo depois que o carro havia partido. Subiu as escadas, sentou-se em um dos bancos, e ficou em silêncio, pensativo. Ficou ali, perdido, sem saber direito o que faria da vida. Bem, pelo menos um problema já estava resolvido. O delegado aceitou as explicações de Cecília sobre o ocorrido, e nenhuma suspeita mais recaia sobre ele. Agora era tocar o barco para frente. Já que sua união com Cecília tinha chegado ao fim, o melhor a fazer seria conversar com Roseli e a assumir oficialmente. Mas do jeito que as coisas estavam entre os dois, não tinha certeza se isso acabaria por acontecer. Caramba, sua vida tinha virado de ponta cabeça, nos últimos dias. Perdeu sua esposa, sua amante estava reavaliando se valia a pena continuar seu caso com ele e ao menos por enquanto estava proibido de ver sua filha… será que agora as coisas poderiam melhorar um pouco? Porque, sinceramente, se piorasse um pouquinho só que fosse, ele não saberia como sair do buraco em que se encontrava…

Finalmente se levantou e foi até a plataforma do Metrô. Era hora de seguir em frente. E assim o fez…

Eram duas da tarde. Roseli deveria estar perto do final de seu expediente. Resolveu que o melhor seria encontrá-la no trabalho, e conversarem seriamente. Afinal, tinha que tomar uma atitude frente aos últimos acontecimentos. E decidir de uma vez o que fariam da vida.

– Nossa, isso já está virando rotina, não?

– Rô, a gente tem que conversar…

– Eu já te disse… primeiro, você tem que resolver sua situação…

– Mas já está resolvida. Hoje a Cecília apareceu, fomos até a delegacia, esclarecemos tudo… não existe mais nenhuma pendência sobre o caso.

– Sério?

– Sim… ela resolveu terminar tudo comigo. Até se mudou de cidade. Arrumou um novo emprego em Campinas, e vai ficar morando por lá…

– Em Campinas? Não é tão longe…

– Eu sei… dá para acreditar que ela estava lá esse tempo todo? E eu aqui, doido sem saber onde ela havia se escondido…

– E agora?..

– Bem, vou comunicar a família dela onde ela se encontra… depois disso, não sei o que poderá acontecer…

– E você sabe o endereço dela? Onde vai trabalhar? Onde está morando?

– Não, ela não quis dizer…

– Ahá… então você perguntou, né?

– Ué, se fosse você, não perguntaria?

Roseli ficou surpresa. Respondeu em seguida…

– Sim, claro! Estranho seria se não perguntasse…

Os dois ficaram em silêncio por alguns instantes. Ricardo foi o primeiro a falar…

– Acho que você deve estar com fome, não é?

– Eu almocei… mas sim, estou com fome, sim…

– Bom… então vamos comer alguma coisa, enquanto conversamos um pouco.

– E sobre o que iriamos conversar?

– E sobre o que mais seria? Sobre nós dois, é claro…

– É claro…

E foram caminhando pela rua, em direção à avenida principal, onde haviam várias lanchonetes. Acabaram por entrar no Ragazzo, que era um dos locais favoritos de Roseli… entraram, escolheram uma mesa, e fizeram seu pedido. Ricardo ainda não havia comido nada desde a manhã, tal a tensão que vivera nos últimos dias. Agora finalmente iria respirar tranquilo. E Roseli estava com fome, pois seu trabalho era pesado e gastava muiita energia. Ricardo pediu um bife à parmegiana, Roseli pediu um Ravioli. Para beber, os dois optaram por um suco de morango… ele não disse nada a Roseli, mas quando os copos de suco chegaram, lembrou-se de Cecília… afinal foi o suco que ela tomou, quando se despediram na Rodoviária da Barra Funda. Se a Rose ao menos imaginasse isso, certamente se levantaria da mesa na mesma hora e sairia em passos largos em direção a porta. Mas felizmente, ela nem sonhava com isso. Enquanto esperavam seus pratos chegarem, começaram a conversar sobre os últimos dias. De vez em quando Rose lhe fazia algumas perguntas e olhava para ele, para medir suas reações. Estava avaliando o companheiro. Precisava saber o quão confiável ele seria dali para a frente. É claro que ele percebeu as intenções de sua parceira, e respondia com muito cuidado as perguntas feitas por ela. Estava pisando em ovos, mas não queria que Roseli percebesse seu desconforto em ser interrogado daquela maneira. O que ele realmente queria era que resolvessem de uma vez por todas a situação do casal… ou ficariam juntos de uma vez, ou se separariam ali mesmo. O que não dava mais era ficar nesse chove e não molha dos últimos dias…

Os pratos chegaram, fizeram uma pausa em sua conversa e começaram a comer. Degustavam lentamente sua refeição, aproveitando cada bocado que levavam à boca. Roseli fechava os olhos, aumentando assim a sensação de prazer a cada garfada que comia de seu Ravioli… e Ricardo se deliciava com seu bife…

Finalmente terminaram sua refeição. Não quiseram sobremesa. Ricardo pagou, os dois saíram em direção ao ponto de ônibus. Retomaram a conversa, desta vez em um tom mais conciliador.

Sentaram-se juntos, desta vez. Se abraçaram, enquanto conversavam sobre o que fariam dali para a frente. Ricardo perguntou se não queria ir morar com ele… já que pagava aluguel, seria uma boa para ela, pois seria uma despesa a menos… ficou um pouco pensativa, mas a princípio achou uma boa ideia. Só não externou esse pensamento.

O ônibus cortava velozmente a cidade, e em pouco tempo chegaram ao seu destino. Nunca duas conduções foram tão rápidas quanto nesse dia. Finalmente chegaram na casa de Roseli, bem na hora que a perua da creche entregava a pequena Letícia.  Quando a bebê viu seu pai, ficou eufórica, dando os bracinhos para que ele a pegasse no colo. Ele a aninhou em seus braços, e a pequenina ficou ali, extasiada com a presença daquele que ela amava muito. Entraram na casa. Ricardo ficou na sala com a pequenina, enquanto Roseli foi tomar um banho e se trocar. Estava cansada, pois o dia fora especialmente puxado. Tinham que fazer uma grande entrega de roupas para um hotel, e devido a quantidade, quase não deram conta. O problema é que se não conseguissem cumprir o horário combinado no contrato, a empresa teria que pagar uma multa pesadíssima, podendo até perder o cliente. O que não seria muito bom, já que era um dos maiores clientes da lavanderia…  mas problemas de serviço ficavam no serviço… em casa, tinha outras coisas com que se preocupar…

– Volta a trabalhar quando?

– No sábado… e vou ficar sem folga por pelo menos uns três meses… foi o acordo que eu fiz com o seu Alberto…

– Nossa, mas não vai ficar muito puxado, não?

– Um pouco… mas pelo menos não vou ter nenhum desconto em meu salário… ele vai considerar esses dias que faltei como uma licença…

– Ainda assim… Três meses sem folga é muito cansativo… ainda mais no seu trabalho… se você se distrair um segundo que seja…

– É, eu sei… mas quem fez a burrada fui eu… chegou a hora de pagar a fatura…

– Você disse que seria promovido…

– Sim, seu Alberto vai me colocar para treinar com os articulados… aí meu salário vai melhorar bastante…

– Mas você já é habilitado para esses veículos, não é?

– Sim, mas uma coisa é você treinar na Auto Escola, outra é enfrentar as avenidas no dia a dia. Você sabe que esses carros não andam só pelo corredor. Ali é mamão com açúcar. Só que vão me colocar numa linha de bairro… aí, já viu, né?

– É, você vai precisar de muita sorte…

– Rose, mudando um pouco de assunto… a minha casa é bem grande, maior do que a sua… e é própria, eu não pago aluguel, ao contrário de você…

– E…

– E eu volto a insistir… venha morar comigo lá…

– Só que a casa não é só sua… e se a Cecília resolver voltar?

– É piada, não é mesmo?

– Por que?

– Porque meu casamento realmente acabou…

– E você está triste…

– Olha, foram quatro anos juntos… seria estranho se eu não sentisse nem um pouco essa separação…

– Sei… mas, e aí, como é que eu fico?

– Não entendi…

– Se ela voltar…

– Rô, ela não vai voltar…

– Tá, mas e se ela mudar de ideia e resolver voltar para você?

– Rose, mesmo que ela voltasse hoje… estou te escolhendo como minha parceira de lutas…

– Sei… o fato dela ter te dado um chute na bunda não conta, não é mesmo?

– Olha, a minha relação com ela desandou… não tem mais volta.

– Como posso confiar nisso? A casa é dela, também…

– Nós fizemos um acordo… vou ver com uma imobiliária quanto seria o valor de aluguel de minha casa. E vou depositar para ela, todo mês, a metade desse valor…

– E ela aceitou isso?

– Aceitou… disse que não quer mais morar em São Paulo…

– Sim, mas… se vendessem a casa, com o dinheiro arrecadado ela poderia comprar uma casa boa no interior… no lugar dela, é o que eu faria…

– Ainda bem que não é você que está se separando de mim…

– Bem… vamos esperar um pouco? Deixa eu pensar bem sobre isso… não quero me arrepender, depois…

– Olha, eu te prometo…

– Você não pode me prometer nada… é bom a gente deixar bem claro uma coisa… eu não sou a Cecília…

– Isso eu sei…

– Pois, então… não sou só eu que devo pensar sobre essa nossa união… é melhor você pesar bem os prós e os contras…

– A Letícia dormiu…

– Coitadinha… não tomou nem a sua mamadeira…

– Coloco ela no berço?

– Sim… depois eu troco a roupinha dela… deixa a menina descansar por enquanto…

Tania Miranda
Tania Miranda
Trabalho na Secretaria de Estado de Educação do Estado de São Paulo e minha função é "Agente de Organização Escolar", embora no momento esteja emprestada para o TRE-SP, onde exerço a função de "Auxiliar Cartorário". Adoro escrever, e no momento (maio de 2023) estou publicando meu primeiro livro pela Editora Versiprosa...

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