O ditado é bem claro: Quem foi rei nunca perde a majestade. E, realmente, esse ditado existe sobre bases de fato, não apenas ilustrativamente, mas de fato mesmo.
Um bom exemplo disso é o caso da monarquia espanhola. No ano de 1931, devido a certas convulsões no cenário político nacional da Espanha, a monarquia se achou interrompida, tendo o rei Afonso XIII que se exilar do país, sem renúncia, para a sua própria segurança. Veio a instalar-se depois disso um regime sob o poder supremo do general Francisco Franco, que perdurou até 1975. No entanto, ao ver findar-se o tempo que poderia durar o seu governo, o próprio general Franco facilitou o retorno à monarquia, indicando para próximo rei o príncipe D. Juan Carlos de Borbón. Este, neto do último rei reinante daquele país, poderia então dar continuidade ao poder simbólico anteriormente depositado nas mãos da linhagem a que pertencia. Quanto à sociedade civil, de modo geral, aceitou pacificamente essa transição e aquele escolhido para o cargo. Pareceu tão somente natural que a coroa recaísse sobre o herdeiro hereditário do anterior detentor dessa honra.
Esse exemplo evidencia um fato simples do Direito Nobiliário: A soberania de que uma vez foi investida uma família permanece nela independentemente de sua deposição. A nobreza é hereditária, e muito mais quando se trata de uma dinastia, ou seja, da descendência daqueles que uma vez exerceram a soberania de fato. Embora afastados do mando do país, os herdeiros dinastas conservam a soberania com que foram honrados os seus antepassados.
Essa pretensão de retorno da família ex-reinante ao trono é um conceito básico do Direito Nobiliário. Embora seja um ramo do Direito que não tem existido sob proteção da lei em todos os países modernos, ele existe, e subsiste por meio de tradições e costumes transmitidos ao longo de gerações pelas famílias e casas reais que um dia estiveram no poder. Mesmo afastados há muito tempo, talvez há séculos, do trono fático, permanecem como casas soberanas de direito, com os mesmos atributos de dignidade e majestade que tiveram quando no uso da autoridade régia.
É verdade que, muitas vezes, tais dinastias se encontram afastadas do poder há tempo demais para que ainda se considere viável a possibilidade de retorno ao poder. Muitas vezes as próprias unidades soberanas sobre as quais reinaram não existem mais. Ainda assim, o Direito Nobiliário parte da noção de que a investidura concedeu um privilégio ad eternum. A honra continua preservada na família para sempre, mesmo que apenas como herança cultural.
E, mesmo que tal legado possa ser mantido apenas como herança cultural, é valioso e merece ser preservado. Se alguém foi considerado nobre, e, mais ainda, digno do trabalho de reinar, é porque tinha qualidades que devem ser lembradas, e provavelmente realizou feitos digno de tal. Acaba sendo um dever de seus continuadores, de seus herdeiros naturais – ou seja, seus descendentes – a tarefa de guardar e compartilhar essas lembranças e essas atitudes.
Esses herdeiros, frequentemente, não esperam receber grandes honras das pessoas. A maioria está longe de imaginar que possa obter de volta o domínio material que seus antecessores perderam com as vicissitudes da História. Não recebem ajuda de governos. Mas continuam seu trabalho quase silencioso e muito romântico de ascender nos corações a chama do passado heroico que trazem viva dentro de si, a correr em suas veias.
Referências:
MÉROE, Mário de. Tradições Nobiliárias Internacionais e Sua Integração ao Direito Civil Brasileiro. Centauro, 2005
SALVANDO O REI. Direção: Miguel Salvat, Hanka Kastelicová e Antonio Trashorras. Produção: Campanilla Films. Espanha: Max, 2022. Plataforma de streaming HBOMax
WIKIPEDIA. Afonso XIII de Espanha. Disponível em: https://pt.m.wikipedia.org/wiki/Afonso_XIII_de_Espanha . Acesso em: 10.01.2023
IDEM. Lista de monarcas da Espanha. Disponível em: https://pt.m.wikipedia.org/wiki/Lista_de_monarcas_da_Espanha . Acesso em 10.01.2023