Se não foram os baianos que inventaram a calma, ela com certeza foi aperfeiçoada na Bahia. Se o cabra não nasceu na boa terra, mas vive lá por muito tempo, acaba assimilando o “dom”. Mas se nasceu baiano, mesmo que passe a vida inteira na Suíça, é e sempre será 100% baiano.
Omar Xalenta, filho de militar, nasceu em Ilhéus. Aos 4 anos, o pai foi transferido para Cuiabá, depois Porto Alegre, Brasília, São Paulo e finalmente Rio de Janeiro, onde ficou em definitivo. Aos 22 anos, Omar mudou-se para Salvador para estudar Direito e estagiar no escritório do tio Padilha. Um leve sotaque carioca persistia, mas a calma típica não demorou a voltar.
Diva Hagar é paraense de Santarém, mas desde os 8 meses vive em Salvador. A arretada é lojista no Mercado Modelo e é tão baiana quanto qualquer nativa. Diva comprou um carro para fazer as entregas e matriculou-se na autoescola. No teste escrito foi bem, mas no prático bombou 4 vezes. Ela não desistiu nem mesmo quando esbofeteou um ciclista ao sinalizar com o braço a conversão à esquerda. O destino fez Diva Hagar e Omar Xalenta se cruzarem.
Por volta das 8 da noite, Omar seguia pela av. Octávio Mangabeira, sentido Jardim de Alah, a inocentes 10 km por hora, atento às palmeiras da estrada a procura de uma moça recostada, as conhecidas “redutoras de velocidade”. Seu olhar varria a pista da esquerda para a direita e vice-versa, feito limpador de para-brisas. As mulheres que os homens procuram são as mulheres perdidas e ele encontrou a perdidíssima Charlene, ruiva artificial exuberante, mini blusa, minissaia e maxi salto. Parou longe do meio fio, baixou o vidro do carona e o corpão de 1 metro e 75 adentrou ao veículo do umbigo para cima, expondo à brisa marítima as belas e siliconadas bochechas traseiras inferiores.
Diva Hagar dirigia seu Gol branco falando ao celular e checando o Waze, tudo ao mesmo tempo, fazendo o carro desenhar curvas senoidais à direita e à esquerda à procura de um famoso bar frequentado por solteiros românticos.
Parado na avenida, conversa vai, conversa vem, o nível de Serotonina de Omar subia à medida que a negociação avançava e os melões de Charlene balançavam. Era como ver pouso de nave espacial! O impacto na traseira fez o carro avançar mesmo com o freio de mão puxado e a ruiva foi ao chão.
Diva Hagar e Omar Xalenta socorreram a vítima. Na queda, ela perdeu a peruca, o silicone barato da bochecha inferior direita vazou e a mini calcinha rasgou, revelando o que a polícia confirmou mais tarde: Charlene é o nome social de Agamenon Silva, coveiro durante o dia e Drag Queen à noite.
A ruiva foi para o hospital, Diva e Omar para a delegacia. Ele pretendia ficar calado e invocar as prerrogativas do privilégio cliente-periguete quando o famoso tio advogado veio em seu socorro.
- Leve a moça para tomar caldo de sururu que eu cuido de tudo.
- Mas e o B. O.? E a vítima?
- A restauração do silicone e uma peruca nova devem bastar.
- Não vai ter processo, tio?
- Estamos na Bahia. Processo dá muito trabalho e ninguém gosta.
O delegado é amigo de infância do dr. Padilha e do coronel Itamar Xalenta, pai de Osmar. A Drag Queen que gerencia as moças da avenida aceitou o acordo, mais R$ 800,00 de lucros cessantes e a promessa de uma semana sem ronda policial na região. Ronda dá muito trabalho!
Diva Hagar e Omar Xalenta passaram a noite juntos e engataram um namoro. Dois dias depois, infectados pela sopa de bactérias da Jacuzzi do Motel, foram ao hospital e reencontraram Charlene, que estava de saída e perguntou ao rapaz:
- O futuro doutor também curte Drag Queen? Vou postar no Insta.
- Não é verdade. Por que vai postar?
- O mundo sem fofoca fica muito chato!
- Do que vocês estão falando? – quis saber Diva.
- Querida, não é nada – falou Charlene.
- E o que é então? Pensa que eu não vi a piscadinha?
- Sou cliente do escritório do doutor Padilha. Eu e o doutor Omar falávamos de negócios quando você bateu o carro.
Diva desculpou-se e Omar suspirou aliviado. O namoro estava salvo. O doutor Padilha pagou a conta do hospital, chamou Charlene e piscou para o sobrinho. A Drag Queen foi super profissa e a grana extra encerrou o caso. Tudo na paz e sem burocracia, meu rei! Bahia é mais Brasil!
Mais uma leitura , às 6feiras, onde Laerte, com bom humor,conta sobre o dia dia …
Obrigado pelo comentário Tânia Camargo.
Precisão cirúrgica e gargalhadas garantidas
Muito obrigado pelo carinho. A crônica de hoje está no link: https://jornaltribuna.com.br/2023/01/a-era-dos-aplicativos-para-celulares/
Muito bom, Laerte!!! E viva a Bahia!!! hh
Obrigado Fernando. A crônica desta sexta está em: https://jornaltribuna.com.br/2023/01/a-era-dos-aplicativos-para-celulares/
Caro Laerte, ainda não conhecia tua veia de cronista bem humorado, e apreciei esse texto divertido e altamente instrutivo sobre a cultura baiana. Isto poderia servir como prólogo para um livro (e-book, talvez) que – aprofundados os conceitos e valores baianos – poderia sugerir reflexões e atitudes a serem adotadas pelos que almejam um mundo mais flexível e compreensivo, onde as fricções naturais da Vida possam ser resolvidas em clima de paz, união e entendimento. Sem stress!
Receba um forte abraço!
Obrigado caro amigo Francisco Presserl. Tenho uma coletânea de crônicas no Kindle, da Amazon, publicada já 2 anos. O nome é Humor na Quarentena. Neste jornal, se clicar em meu nome acessará todas as mais de 40 crônicas publicadas. Só “besteirol”. KKK. Publico todas as sextas, disponível a partir das 10:00. A de hoje está no link: https://jornaltribuna.com.br/2023/01/a-era-dos-aplicativos-para-celulares/. Obrigado pelo carinho. Forte abraço.
Sempre divertidíssimas e me amarro na peculiaridade dos nomes próprios kkkkk
Grato amigo Pascoal. A crônica de hoje está em https://jornaltribuna.com.br/2023/01/a-era-dos-aplicativos-para-celulares/. Abraço.