A rapidez em que circula a informação na era em que vivemos atinge-nos violentamente, comprometendo nossos padrões de linguagem e comportamento, evidenciando uma total mudança em relação ao período em que ferramentas virtuais de manipulação em massa não estavam ainda disponíveis. A cada dia, vive-se um “ritmo novo” que acompanha uma profusão de discussões, as quais, deslizando entre denúncias e apelos, põem a Roda do Samsara a girar em velocidade cujo “recorde” é diariamente “quebrado”, ainda que o tempo, desde Einstein, condicione uma experiência cuja duração difira de observador para observador.
E é justamente a Einstein a quem aqui dirigimos uma evocação. Em uma conversa informal na noite gaúcha, no bairro boêmio da Cidade Baixa, ouvi de um camarada à mesa a seguinte frase: “eu não quero me adaptar!”. Passei o restante da noite pensando no desabafo do companheiro, na busca de entender o que ela significaria em um contexto de tantos encontros e desencontros de gerações como o que vivemos.
A questão, no entanto, parece ser bem mais simples do que poderíamos pensar: não se trata de “acomodar” em nós o que não queremos, como se nos fosse exigido “calçar um sapato grande” de modo que precisássemos de “meias” sobrepostas para ajustar-se. Não! Isso não é necessário. É preciso, sim, nos esforçarmos para reconhecer que o “tamanho do nosso pé” não é o padrão para os demais. Em termos relativísticos, isso equivale dizer que o nosso referencial não é absoluto, mas relativo. Assim como um ponto material no espaçotempo em relação a outro, nossas crenças, deuses, regras, opiniões, anseios, não estão em uma posição especial, privilegiada no universo, a propósito, esse último, nem mesmo pode se dar ao luxo de ser único, mas um entre tantos outros.
Gostaria de lembrar um velho Koan, típica narrativa de origem asiática vinculada à tradição budista, em que um famoso conquistador chega a uma aldeia. Sem prestar-lhe qualquer reverência, um sábio que lá vivia em sua humilde cabana permanece tranquilo como se o homem e seu bando não estivessem ali. Orgulhoso, o violento guerreiro lhe dirige as seguintes palavras: “acaso não vês que estás diante de um homem que pode tirar-lhe a vida a qualquer momento?”. O sábio, por seu turno, lhe responde: “acaso não vês que estás diante de um homem que sabe que sua vida pode ser tirada a qualquer momento?”. Ao contrário do sábio, plenamente reconciliado com sua nova situação, nos debatemos em um frenesi de inconformismos, praguejando com o que “não é mais como antes”, sem atentar que o antes é uma figura do tempo; passou, não é mais.
Para algumas pessoas, parece mais conveniente “brigar” com o mundo e com todas as mudanças trazidas por ele do que simplesmente aceitar e seguir adiante. No Brasil, mas, obviamente, não apenas aqui, a política ainda não reconheceu essa distorção, possuindo, inclusive, parlamentares que se apresentam como “defensores da moral e dos bons costumes”, no intuito de institucionalizarem medidas
que se apoiam em preceitos particulares, odiando sua condição relativa. Esse personalismo que atinge em especial a democracia, sabemos não ser novidade. Os gregos “mediam a qualidade” dos demais povos com base em seus próprios valores em todos os aspectos (religiosos, políticos, estéticos, etc.). Porém, Galileu venceu Aristóteles em matéria de Física e sua prisão nada mais revelara do que o fracasso e a vergonha que são a marca do autoritarismo, a reação natural dos perdedores.
Para que nos emancipemos de tais desajustes em âmbito político, é preciso que se compreenda a profundidade do que conhecemos como República (coisa pública) efetivando sua assinatura etimológica (muito além de ideológica) para reformá-la inteiramente, restituindo-a enquanto guardiã das necessidades essenciais do povo, reconhecendo que o respeito, como os demais valores, deverá ser firmado sobre primado da diferença. Se a condição acima for satisfeita, estaremos mais preparados para “funcionarmos” como um só organismo sob os artifícios sinuosos (pois podemos incorrer em equívocos ao trazer a vontade de Dice sobre os mortais) da lei, a qual, se feita para todos, não exigirá maiores ajustes, prescindindo até mesmo da existência de um grande número de intérpretes, e poderemos, assim, relevar (desde que não incorra em delito) as disposições individuais dos que entendem que estão sendo de algum modo forçados a se adaptarem a algo “indesejado”, reservando-lhes o direito de opinião, mas deixando claro que, em matéria de política institucional, fica de fora o discurso alheado ao compromisso de se tratar a pessoa na estrita esfera dos direitos e deveres. Poderíamos até possuir sobre a entrada frontal do Congresso um lema semelhante ao que se encontrava na Academia de Platão, onde se lia: “Quem não souber geometria, não entre”, trocando a expressão por “Quem não souber conviver, não entre”
Para terminar, vos digo: é tudo uma questão de cosmologia. Resta saber se ainda queremos viver como newtonianos em um mundo einsteiniano. Ignorando “os risos” espaciotemporais a nosso respeito, meras energias plasmadas que não reconhecem outros arranjos geométricos em um exíguo universo particular de três dimensões e animado por um limitado espectro de cores e sons que nos ilude em um sonho egóico de extensões infindas.
Autor:
Adriano Bittencourt. Doutorando em Ética e Filosofia política pela Universidade Federal do Ceará – UFC.