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quinta-feira, 25 de abril de 2024

A impaciência atinge até o futebol feminino

Na última semana, me causou estranheza ouvir uma jornalista afirmar que a treinadora sueca da Seleção Brasileira Feminina de futebol, Pia Sundhage, precisa alcançar resultados mais significativos do que os obtidos até o momento. Eu sei que a avaliação de qualquer trabalho, ainda mais no futebol, depende do resultado, no entanto, para alcançá-lo há um processo que é preciso percorrer. O caminho, certamente, pode ser cruzado de distintas formas e em velocidades diferentes, mas terá que ser, de alguma forma, superado.

Dentre os esportes, o futebol carrega alto grau de incerteza exatamente por ser jogado com os pés. Estudiosos da área sabem que os esportes praticados com as mãos possuem um grau de previsibilidade bem maior. Sendo mais imprevisível, não há receituário garantido para a velocidade e os caminhos que precisarão ser percorridos para que os objetivos sejam alcançados por uma equipe de futebol. Jorge de Jesus, por exemplo, ajustou em um pouco mais de um mês a equipe do Flamengo em 2019 e fez daquele time um símbolo para o futebol nacional. No entanto, o seu trabalho não teve o mesmo êxito no Benfica e agora no Fenerbahçe, clube turco, o técnico português foi eliminado na segunda fase prévia da Liga dos Campeões para o Dynamo de Kiev, da Ucrânia. Em suma, a “receita” de sucesso em um dado momento não é garantia de resultados similares em outros trabalhos.

Mesmo fugindo da temática, não posso me furtar a fazer um comentário, lamentando profundamente a atitude de torcedores do Ferner que entoaram cantos favoráveis à Vladimir Putin, em alusão às invasões de tropas russas à Ucrânia, país natal do Dynamo, mesmo que o atleta do Dynamo, Buyalski, tenha “provocado” a torcida turca após marcar o gol de empate.

Antes de falar da Pia Sundhage e do seu desafio no Brasil, é interessante dialogar com a história para que ela nos ajude a entender a superação dos inúmeros percalços vivenciados pelo nosso futebol feminino. Inicialmente, a prática esportiva, com poucas exceções, não era incentivada para as mulheres. Até as primeiras décadas do século XX, a presença feminina praticando exercícios era uma novidade e, sob a égide do romantismo, a imagem idealizada era de uma mulher lânguida, portadora de gestualidades comedidas e delicadas, cuja educação deveriam priorizar o casamento e a maternidade.

Praticamente três décadas após os homens começarem a praticar o futebol e já sob uma nova ótica em relação aos exercícios físicos, recém introduzidos nas instituições de ensino, encontraremos, na década de 1920, as primeiras referências, ainda de forma muito tímida, de partidas disputadas por mulheres no Rio de Janeiro, São Paulo e Rio Grande do Norte.

Apesar da modalidade ser considerada violenta e ideal apenas para os homens, nos espaços periféricos, ou seja, longe dos clubes e das ligas, o futebol feminino sobreviveu, sob a ótica do espetáculo e não da competitividade, até o início da década de 1940. O brasileiro adora construir uma imagem progressista e moderna, mas como todo bom liberal, a regra só vale da porta para fora. Quando as mudanças ameaçam o status quo, em especial o seu espaço privado, a máscara cai e o conservadorismo se aflora. Quando as mulheres realizaram alguns jogos no Pacaembu, em 1940, ao invés de fomentar a prática, a visibilidade gerou revolta em parte da sociedade brasileira e suscitou diversos esforços tanto da opinião pública quanto das autoridades da época no sentido de proibir o futebol feminino no país.

O resultado foi a publicação do Decreto Lei n. 3.199, de 1941. O texto, que também deu origem às Federações estaduais de futebol, era genérico e afirmava que as mulheres não deveriam praticar esportes que não fossem adequados a sua natureza. Apesar de não ser citado nominalmente, o futebol estava incluído.

Em 1965, incomodado com as notícias de que que as mulheres estavam jogando futebol de forma clandestina, a ditadura militar voltou a editar o decreto-lei, mas desta vez de forma mais detalhada, especificando a modalidade. Já no processo de redemocratização, em 1979, a prática do futebol feminino deixou de ser proibida. No entanto, a liberação não significou o seu imediato desenvolvimento. Ainda seria percorrido um longo caminho para a superação dos preconceitos e do desinteresse de clubes e das federações.

Apesar dos títulos conquistados, do aparecimento de craques como a Marta, Cristiane, Formiga, dentre outras, foi somente em 2017 que a CBF, seguindo o caminho trilhado pela Conmebol, obrigou os clubes que desejassem disputar a Série A no masculino a terem times femininos a partir de 2019.

Vamos traçar agora um rápido comparativo com o futebol masculino no país. Entre os homens, ele começou a ser jogado em 1894. O nosso primeiro título sul-americano foi conquistado em 1919, ou seja, 25 anos após o início de sua prática no país e já na terceira edição do torneio. A conquista da Copa do Mundo ocorreu somente em 1958. A medalha de ouro olímpica, 2014. O Brasil precisou de 64 anos para conquistar seu primeiro título mundial e 120 anos para subir no degrau mais alto em uma Olimpíada.

No âmbito feminino, a disputa sul-americana começou em 1991 e o Brasil ficou com o título e, se pensarmos temporalmente, foram apenas 12 anos entre o fim da proibição de sua prática e a primeira conquista. Além disso, em 8 campeonatos disputados, vencemos 7. Ainda não temos títulos mundiais e medalhas de ouro olímpicas.

Eu sei que a simples comparação de tempos não é a melhor métrica para a análise, afinal são realidades distintas. No entanto, também não é justo que as cobranças que recaem sobre o futebol feminino sejam as mesmas do futebol masculino. Estamos, há poucos anos, no âmbito do futebol feminino, construindo uma tradição que se traduz em clubes mais estáveis, na adoção de práticas profissionais, na criação de campeonatos regulares e no desenvolvimento de novas rivalidades que não são apenas reflexos das disputas provenientes do futebol masculino.

Finalmente, mas não menos importante, Pia Sundhage, não está apenas buscando novas opções táticas para a Seleção Brasileira. A treinadora multicampeã está administrando um processo importante, mas sempre difícil, de renovação do elenco. A Seleção Brasileira, desde 2003, contou com o trio Marta, Cristiane e Formiga, no entanto, apenas Marta, com 36 anos, ainda está nos planos da técnica. A avaliação do trabalho da treinadora sueca não deve passar apenas por títulos, mas sobretudo, nesta etapa do trabalho, pela capacidade da sua equipe competir com as principais seleções do mundo.

O sucesso da Seleção Brasileira passa, sem dúvida, por investimento e organização nos clubes e nos campeonatos.  Não tenho dúvida que as conquistas que o futebol feminino alcançará, não serão apenas esportivas, mas elas traduzirão também os avanços da nossa sociedade em prol de mais justiça e igualdade.

Autor:

Luiz Henrique Borges

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