Duas dimensões do tempo
Disparando uma sequência de pulsos de laser inspirada nos números de Fibonacci em direção aos qubits de um computador quântico, físicos criaram duas dimensões de tempo, embora continuasse havendo apenas um único fluxo de tempo correndo.
E esse fenômeno quase maluco traz um benefício longamente procurado: As informações armazenadas nesse “segundo tempo” são muito mais protegidas contra erros do que as configurações alternativas atualmente usadas para proteger os computadores quânticos dos erros.
Em outras palavras, as informações nos qubits se mantêm sem serem distorcidas por muito mais tempo porque tiram proveito do fato de poderem ficar em uma ou outra das dimensões temporais.
O uso de uma dimensão de tempo extra “é uma maneira completamente diferente de pensar sobre as fases da matéria. Eu tenho trabalhado nessas ideias teóricas por mais de cinco anos, e vê-las se tornar realidade em experimentos é emocionante,” disse Philipp Dumitrescu, que desenvolveu esta nova abordagem com colegas do Canadá e dos EUA.
Múltiplos dados e nenhum dado
A correção de erros é um dos maiores desafios da computação quântica porque o mesmo fenômeno que dá superpoderes aos qubits os torna extremamente vulneráveis a quaisquer interferências ambientais – esta é uma das razões pelas quais os computadores quânticos atuais são mantidos perto do zero absoluto no interior de refrigeradores de diluição.
Enquanto um bit eletrônico comum pode assumir os valores 0 ou 1, um qubit pode ser 0, 1 ou qualquer outra coisa entre eles, graças a um fenômeno chamado superposição. Esse é o mesmo fenômeno na base do conhecido experimento mental de Schrodinger, em que um gato está vivo e morto ao mesmo tempo, só se decidindo quando a caixa em que ele está é aberta – a abertura da caixa na verdade representa a leitura de um estado quântico de superposição, que é a mesma coisa que é feita toda vez que um qubit é lido.
Os qubits mais tipicamente usados são átomos, que são lidos com o uso de lasers – e os próprios fótons da luz que os lê interage com eles, o que torna tudo muito sujeito a erros.
“Mesmo se você mantiver todos os átomos sob controle rígido, eles podem perder sua ‘quantidade’ [característica de ser quântico] conversando com seu ambiente, aquecendo ou interagindo com coisas de maneiras que você não planejou,” explicou Dumitrescu. “Na prática, os dispositivos experimentais têm muitas fontes de erro que podem degradar a coerência após apenas alguns pulsos de laser.”
Simetria temporal
Para tornar os qubits mais robustos, a principal abordagem tem sido usar as simetrias, essencialmente propriedades que resistem à mudança. Há vários tipos de simetria, incluindo rotação, inversão, rotação-inversão, translação e reversão temporal.
Um floco de neve, por exemplo, tem simetria rotacional porque parece o mesmo quando é girado em 60 graus. E a técnica mais usada hoje para estabilizar os qubits envolve dar-lhes uma simetria temporal disparando neles pulsos de laser rítmicos.
Funciona, mas Dumitrescu e seus colegas se perguntaram se poderiam ir mais longe. Então, em vez de apenas uma simetria de tempo, eles começaram a estudar como adicionar duas simetrias temporais usando pulsos de laser ordenados, mas não repetidos.
Eles buscaram inspiração nos quasicristais: Ao contrário dos cristais tradicionais, com suas redes atômicas bem ordenadas, e dos vidros, com sua desordem total, os quasicristais têm padrões que parecem não se encaixar perfeitamente e não se repetir nunca.
Enquanto um pulso de laser periódico se alterna (A, B, A, B, A, B etc.), os pesquisadores criaram um regime de pulsos quase periódico baseado na sequência de Fibonacci. Nessa sequência, cada parte da sequência é a soma das duas partes anteriores (A, AB, ABA, ABAAB, ABAABABA etc.).
Este arranjo, assim como um quasicristal, é ordenado sem repetição. E, semelhante a um quasicristal, é um padrão 2D compactado em uma única dimensão. É esse achatamento dimensional que gera duas simetrias de tempo em vez de apenas uma: O sistema obtém essencialmente uma simetria de bônus de uma dimensão de tempo extra inexistente.
Dois tempos dão mais tempo ao qubit
Para testar seus cálculos, a equipe usou um processador quântico com 10 qubits, íons do elemento químico itérbio, que são mantidos presos e controlados individualmente por campos elétricos, mas que podem ser manipulados ou medidos usando pulsos de laser.
Eles dispararam a luz do laser nos qubits tanto periodicamente quanto usando a sequência baseada nos números de Fibonacci. A atenção se voltou para os qubits em cada extremidade da linha de 10 átomos, porque era lá que os cálculos indicavam que poderiam emergir as duas simetrias temporais simultâneas – tecnicamente, por apresentar essa simetria adicional, esses átomos se coordenam em uma nova fase da matéria.
Deu certo.
No teste periódico, os qubits de borda mantiveram seus dados por cerca de 1,5 segundo, um tempo por si só impressionante, já que os qubits estavam interagindo fortemente uns com os outros. Com o padrão quase periódico, porém, os qubits permaneceram quânticos durante toda a duração do experimento, cerca de 5,5 segundos.
O ganho decorre justamente do fato de que a simetria de tempo extra fornece mais proteção para o qubit, disse Dumitrescu.
“Com essa sequência quase periódica, há uma evolução complicada que cancela todos os erros que emergem na borda [da linha de qubits],” disse ele. “Por causa disso, a borda permanece mecanicamente quântica coerente por muito, muito mais tempo do que você esperaria.”
Embora os resultados comprovem que a nova fase da matéria pode atuar como um mecanismo de armazenamento de informações quânticas de longo prazo, os pesquisadores ainda precisam integrar funcionalmente a nova fase da matéria com o lado computacional da computação quântica. “Temos essa aplicação direta e incrível, mas precisamos encontrar uma maneira de vinculá-la aos cálculos. Esse é um problema aberto no qual estamos trabalhando,” finalizou Dumitrescu.
Bibliografia:
Artigo: Dynamical topological phase realized in a trapped-ion quantum simulator
Autores: Xu Zhang, Wenjie Jiang, Jinfeng Deng, Ke Wang, Jiachen Chen, Pengfei Zhang, Wenhui Ren, Hang Dong, Shibo Xu, Yu Gao, Feitong Jin, Xuhao Zhu, Qiujiang Guo, Hekang Li, Chao Song, Alexey V. Gorshkov, Thomas Iadecola, Fangli Liu, Zhe-Xuan Gong, Zhen Wang, Dong-Ling Deng, H. Wang
Revista: Nature
Vol.: 607, pages 468-473
DOI: 10.1038/s41586-022-04853-4