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terça-feira, 16 de abril de 2024

A máfia vai à feira

Todo domingo Michelle acompanha a esposa Anselma na feira. Aprecia a cortesia dos feirantes, as iguarias vendidas e estuda as características do ambiente. Quando Anselma não está a fim, Michelle vai só. Não, caro leitor, não é união entre pessoas do mesmo sexo. Michelle Maria Vizzini (pronuncia-se “Miquéle”), é o único filho de um eminente Consiglieri da Cosa Nostra, sociedade secreta surgida na Sicília no século XIX conhecida como Máfia. Nascido em Palermo, Michelle é homem com H, mas nunca demonstrou os atributos necessários para assumir cargos na organização.

Aos 21 anos foi para Milão tentar a vida como cantor lírico no lendário teatro Alla Scalla. Depois de 2 meses vendendo ingressos, foi promovido a subchefe de bilheteria, seu melhor cargo. Apaixonou-se pela bailarina brasileira Anselma e para impressioná-la falou dos negócios da família dizendo-se o futuro “Capo”, ignorando a Omertà, a lei do silêncio da Máfia. A moça, que sonha com a cidadania italiana, aplicou o “golpe da barriga”. Acostumada à realidade tupiniquim, viu-se como a “primeira dama do morro de Palermo”, sem saber onde fica a cidade e se lá existem morros. O Consiglieri ficou feliz com namoro do filho com a bailarina do Alla Scalla e com a notícia de que seria avô.

            Na lua de mel em Veneza, Anselma foi reconhecida por clientes do tempo em que era garota de programa na cidade e a pose de Michelle caiu quando o futuro Capo desmaiou ao ver o sangue escorrer ao barbear-se. A brasileira era mesmo bailarina, mas não do Alla Scalla e sim de um grupo de Funk que se apresentava no Metrô de Milão. Decepcionado, o Consiglieri despachou o filho para o Brasil e disse à família que o herdeiro iria prospectar mercado para expansão dos negócios da organização, hoje uma pálida sombra do poder que teve até a metade do século XX.

Em São Paulo, não foi preciso muito tempo para que Michelle informasse ao pai que, por aqui, “il buco è più in basso” (o buraco é mais embaixo). Acostumado aos casos de proteção, extorsão, influência, propina e outras tradições da Máfia, Michelle tentou se impor como membro do poderoso império, mas logo caiu na real. Em pouco tempo, bateram-lhe a carteira, roubaram a moto, 2 celulares, caiu no golpe do PIX e do entregador por aplicativo. Graças a um ex amante de Anselma, empreiteiro influente no baixo clero da política, tornou-se Assessor Parlamentar. 

Quando ouviu falar em “máfia política”, apresentou o pseudo respeitoso currículo para fazer bonito e em 6 meses já estava envolvido na CPI da “máfia dos fiscais”, teve 2 mandados de busca e apreensão e uma ordem de prisão, tudo como laranja e sem ganhar um tostão. Passou 2 noites na cadeia, foi beneficiado por um habeas corpus e responde em liberdade. Orgulhoso pelo envolvimento do filho com a máfia local, o Consiglieri convidou 2 membros da Cosa Nostra para vir ao Brasil, conhecer o neto e tentar parceria com a organização local.

No desembarque, o trio pegou transporte clandestino e foi parar num cativeiro. Como ninguém entendesse o que falavam, foram libertados, mas com carteiras e malas depenadas. Num tour pela cidade, deixaram relógios e correntes de ouro na Cracolândia e os celulares na avenida Paulista.

Michelle levou o trio a um escritório secreto e apresentou os assessores políticos e membros do partido para tratar de negócios. O trio ouvia atentamente o relato das atividades desenvolvidas e os percentuais cobrados quando o local foi invadido por uma operação da Polícia Federal. Foi necessária a intervenção do Consulado para liberar os italianos.

No retorno à Sicília o Consiglieri relatou a viagem ao Sottocapo (subchefe) e sugeriu que a família enviasse pessoal para estagiar no Brasil e conhecer modernas técnicas de corrupção e desvio de dinheiro público.

  • Cobramos proteção de pequenos varejistas e lá eles atuam no atacado, diretamente nos cofres públicos. Menos trabalho e muito mais dinheiro.
  • Como eles resolvem os problemas com a lei, a polícia e a justiça?
  • Eles são eleitos, criam leis, nomeiam chefes de polícia e os altos cargos na justiça. Fazem fortuna, têm foro privilegiado, aposentam-se com salário integral e os filhos herdam o trabalho, como fizemos no passado.
  • Então não vamos exportar nossa experiência para os brasileiros?
  • Don Pepone, eles estão anos luz à nossa frente e ainda vão invadir este mercado. Perto eles, somos amadores. O Brasil não é para amadores. 

A decepção do Consiglieri só não foi maior porque antes de retornarem à Itália, Michelle levou o pai e seus amigos na feira livre. Provaram caldo de cana, comeram pastel e tapioca. O pai sentiu orgulho ao ver como o filho é respeitado na feira. Todos o chamam de “doutor”. 

Laerte Temple
Laerte Temple
Administrador, advogado, mestre, doutor, professor universitário aposentado. Autor de Humor na Quarentena (Kindle) e Todos a Bordo (Kindle)

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