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domingo, 16 de junho de 2024

Nossa imprensa ainda esta no fim da história

Muito se fala acerca da imprensa brasileira ser antidemocrática, manipuladora, e abordar a política brasileira sobre um único viés. É um discurso bem comum, vindo pelo menos desde a década de 1980, onde se comparava Roberto Marinho com um cidadão Kane, capaz de manipular mentes, criar e derrubar governos. 

Mas atualmente este velho temor dos monopólios de informação ganham tons ainda mais radicais, se aproximando de teorias da conspiração. Curiosamente exatamente no momento em que as mídias tradicionais perdem força com o advento da internet, cada vez mais se trata a imprensa nacional como um bloco único, sem diversidade, sem facetas e divergências. Parece em nosso imaginário que a internet não deu voz a todos, e sim criou um Grande irmão orwelliano.

E não é difícil ver que a coisa não é tão simples assim. Basta ouvir as duas principais correntes políticas do momento e ver que ambas acreditam de forma veemente que a imprensa apoia o outro lado. 

Entre os PTistas se fala muito em mídia hegemônica, no PIG (Partido da Imprensa Golpista) e como o antipetismo ganhou todas as manchetes sem se dar nenhum espaço as várias críticas que se faziam a Operação Lava-Jato desde seu início.

Do outro lado, os bolsonaristas falam em uma imprensa dominada pela esquerda em todos os níveis, desde as faculdades de comunicação e jornalismo até as redações de jornais e empresários do jornalismo. No extremo os olavistas falam até em um marxismo cultural, onde o fronte comunista teria deixado de ser a revolução e passou a ser o domínio da produção intelectual e dos temas de debate. 

A realidade não deve ser apenas um meio termo entre estas posturas. E sim tentar entender o que poderia fazer da nossa imprensa algo tão vilanesco tanto para petistas quanto para Bolsonaristas.

Eu tentarei aqui contribuir a este debate, analisando a atual cobertura acerca das eleições presidenciais de acordo com o pouco que consigo observar. Quais são os temas não polêmicos, os temas consensuais e hegemônicos, na cobertura política atual.

Antes de tudo o primeiro ponto que é comum a quase todos os grandes veículos de imprensa é que o atual governo é desastroso. Com raríssimas excessos de alguns veículos tão governistas que parecem mais propaganda governamental, a imprensa trata o atual governo como incompetente, autoritário e uma ameaça a democracia brasileira.

Quanto ao principal líder da oposição, a imprensa faz um jogo ambíguo. Costuma a falar em uma polarização política e uma radicalização do debate, o que sugeriria que estamos em um conflito entre extrema direita e extrema esquerda. Mas ao mesmo tempo não classifica explicitamente Lula como um radical perigoso. Sugere, mas recusa a afirmar.

Ainda há uma cobertura excessiva sobre a chamada terceira via. Sem dar muito espaço a Ciro Gomes, a imprensa dedica extrema atenção a todos os nomes da direita democrática, mesmo sabendo que há mais nomes de presidenciáveis que pontos percentuais nas pesquisas de opinião para este grupo.

Mas para entendermos o real posicionamento da grande imprensa temos que ir além dos nomes, da fulanização da política, e vermos quais os conceitos usados para basear estas análises. Em especial quais são os valores e conceitos tidos como inquestionáveis pela imprensa, quais pontos políticos que a mídia se recusam a ver como polêmicos, e defendem haver apenas um lado defensável. 

O primeiro e mais razoável de todos é a questão da democracia. E nisto a imprensa tem lado claro principalmente por, quando o processo democrático se rompe, a liberdade de expressão ser uma das primeiras vítimas. Quanto menos democracia temos, maior o controle sobre a imprensa. A mídia brasileira defende a democracia por mera questão de sobrevivência. 

Mas o real posicionamento midiático brasileiro só se esclarece quando entramos no debate econômico. Quais são os pilares das análises econômicas dos maiores veículos de informação?

Me parece bastante óbvio que alguns consensos foram criados no final do Governo Dilma, a partir das soluções que foram propostas para a terrível recessão que atravessamos. Toda a imprensa concorda que o Brasil se encontra em uma grave crise fiscal desde 2013, e que esta crise não deve ser resolvida por um aumento da tributação. 

As reformas da previdência, trabalhista, o teto de gastos e a impossibilidade de se aumentar os investimentos públicos se tornaram dogmas inquestionáveis, e discordar disto seria defender a loucura e o retrocesso. E isto acaba por criar vacas sagradas sem uma análise profunda.

Um dos exemplos mais atuais se trata da política de preços da Petrobrás. Apesar de todos concordarem que os atuais preços de combustíveis estarem quase impossibilitando uma recuperação econômica significativa, defender alguma alternativa a PPI é tratado como heresia pelos analistas.

Parece que o fim do governo Dilma aconteceu a décadas, e que as correções após a recessão foram adoptadas de forma bem sucedida por gerações, resolvendo as mazelas brasileiras. Mas o fato é que o Teto de Gastos, a Reforma Trabalhista e as demais soluções não só vigoram a menos de uma década como nem de longe atingiram os resultados esperados.

Se é verdade que paramos a enorme recessão, também é verdade que não estamos nada bem em termos econômicos. Mesmo antes dos desastres da pandemia e de Bolsonaro, não solucionamos questões como o desemprego elevado, a concentração de renda, e um crescimento vegetativo da economia.

Estranhamente esquecemos as lições da década de 1970 que nos ensinou que crescimento do PIB, apesar de importante, é apenas um entre vários índices econômicos, e não garante uma economia saudável. E ainda mais estranho, desde Temer passamos a comemorar crescimentos bem abaixo da média mundial. Parece que se o crescimento do PIB esta acima de zero, mesmo que apenas um cabelo de sapo acima, tudo se justifica.

E ainda há uma monomania de reduzir boa gestão econômica a redução da máquina estatal. Privatizar se tornou um mérito não importando o contexto. Investimento público se tornou pecado. Subsídio se tornou sinônimo de privilégio. A tal ponto que se torna aceitável propor a privatização da Petrobras como solução para o problema do preço dos combustíveis serem regulados pelo mercado. 

Neste contexto qualquer político que fale em se modificar a reforma trabalhista é taxado de radical, mesmo sendo gritante que a atual uberização das relações trabalhistas cada vez mais se aproxima de uma forma similar a escravidão. Falar em revogar o teto de gastos seria defender a irresponsabilidade fiscal. Criticar privatizações virou ser radical.

Me parece bem claro que o discurso consensual na grande mídia brasileira se aproxima ao que se defendia na década de 1990, após a queda do muro de Berlim. Nesta época muitos defendiam um suposto fim da história. Com a derrota do socialismo soviético não haveria mais espaço para debates ideológicos, e a democracia liberal e o livre mercado se estabeleceriam como soluções universais.

Mesmo com duas graves crises financeiras mundiais, sem falar no momento atual de pandemia e Guerra na Ucrânia, alguns parecem estar presos nesta utopia. Mesmo após a pandemia demonstrar claramente a necessidade de vastos investimentos públicos em determinados momentos, muitos ainda parecem ver a questão econômica apenas a partir da redução de gastos e do tamanho do estado.

Em resumo, se há algum consenso na imprensa brasileira, é que a história acabou lá na década de 90. Os eventuais antipetismo ou antibolsonarismo são consequências deste ponto. O Estado é o vilão, e a solução é se entregar ao mercado. Não cabe debate quanto a isto. Fim da história.    

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