A doença ocupacional pode estar mais presente na realidade do trabalhador rural do que se imagina.
Por trás da produção de cana-de-açúcar em larga escala que ocorre no Brasil, o cortador de cana é um personagem que sofre com os efeitos da exaustiva jornada de trabalho proveniente de uma usina de cana.
Por isso, hoje você vai entender como o profissional desse setor costuma ter sua saúde afetada e o que pode ser feito em situações onde a empresa se isenta de sua responsabilidade de oferecer condições dignas de trabalho. Confira!
Usinas de cana-de-açúcar no Brasil
Atualmente as plantações de cana-de-açúcar no país contemplam aproximadamente 10 milhões de hectares.
A composição do solo e o nosso clima favorecem o cultivo dessa planta que já foi a atividade econômica mais consistente no período colonial, e ainda hoje é tida como um enorme diferencial para o setor.
De acordo com dados da UNICA (União das Indústrias de Cana-de-Açúcar), a safra 2019/2020 que se encerrou em abril do ano passado, registrou cerca de 590 milhões de toneladas de material processado.
As principais fabricações a partir da cana são o açúcar e o álcool etanol, mas também existem iniciativas que envolvem a produção de lubrificantes, óleos combustíveis, cosméticos, entre outros produtos.
O portal Novacana reúne informações sobre as 418 usinas brasileiras em funcionamento, sendo que a maioria delas fica nas regiões Sudeste e Centro-Oeste, entre os estados de São Paulo, Minas Gerais e Goiás.
Tendo em vista essa atuação, vamos conhecer a parte operária do plantio de cana.
As condições laborais do trabalhador rural empregado no corte da cana
O corte e plantio manual da cana é uma atividade que exige grande esforço físico do trabalhador rural, pois além dos movimentos repetitivos com objetos cortantes (faca e facão), há o carregamento em longas distâncias de feixes de cana que podem pesar até 15 kg.
Nesse cenário, o cortador de cana flexiona a coluna lombar por diversas vezes durante sua jornada de trabalho, além de ficar exposto à produtos químicos devido a aplicação de defensivos agrícolas e à poluentes gerados pela queima da cana-de-açúcar.
Ainda, as condições sanitárias dos alojamentos e a própria alimentação do empregado podem ser de péssima qualidade. O ambiente propício a animais peçonhentos apresenta risco constante.
Junto a tudo isso, soma-se o fato de que o trabalho é realizado a céu aberto, o que expõe o trabalhador a variadas condições climáticas. O próprio EPI (Equipamento de Proteção Individual) causa desconforto, por se tratar de roupas totalmente fechadas que dificultam a dispersão do calor.
Modernização tecnológica das colheitas não isenta problemas de saúde do trabalhador rural
O crescente uso de máquinas agrícolas que modernizaram o processo das usinas não substituiu por completo o papel do cortador de cana. Isso porque a mecanização do corte abrange as lavouras que possuem áreas de solo regular onde a cana é plantada “de pé”.
No demais locais onde as áreas de solo são irregulares e a cana está “deitada” ou “emaranhada”, as máquinas não realizam o corte e se faz necessário o trabalho manual do cortador.
Principais doenças ocupacionais que acometem o trabalhador rural das usinas
- Dores lombares – O carregamento excessivo de peso pode ocasionar dores que avançam para condições graves como lombociatalgia, hérnias de disco, cervicalgia e espondilose lombar;
- Problemas respiratórios e diminuição da função pulmonar – As queimadas constantes nas lavouras geram compostos orgânicos e emissão de gases que podem causar intoxicações nas vias respiratórias;
- Câncer de pele, pulmão e bexiga – Os mesmos compostos orgânicos resultantes das queimadas também atingem a pele e podem estimular células cancerígenas;
- Alterações cardiovasculares – Estudos mostram que os cortadores de cana têm um aumento significativo da pressão arterial durante o período da safra. Eles também têm diminuição significativa no tempo de trombina e protrombina, o que provoca aumento da coagulação do sangue, potencializando risco de fenômenos tromboembólicos;
- Disfunções renais – As condições existentes nas atividades em lavoura como exposição a pesticidas e desidratação diária, causam efeitos como a rabdomiólise, uma degradação muscular que libera proteína prejudicial no sangue que pode causar danos aos rins.
Como comprovar o nexo causal?
Como já visto, há uma série de fatores que contribuem para o agravo da saúde dos trabalhadores no corte de cana.
É importante conscientizar o empregado acerca do que pode ser feito em âmbito previdenciário (como auxílio-doença, auxílio-acidente ou até mesmo aposentadoria por invalidez) e judicial, para resguardá-lo de dificuldades em caso de impedimento para o trabalho.
Para as duas alternativas, é necessário apresentar o nexo causal, ou seja, a ligação entre as atividades e a doença ocupacional que atinge o funcionário. Habitualmente, a prova é a perícia médica do INSS que poderá apontar as lesões causadas.
Se o trabalhador procurou o médico por conta própria, seus exames e laudos também poderão ser aproveitados, desde que os documentos estejam atualizados.
O próprio exame admissional feito no ato da contratação para função também poderá ser usado, pois nele deve constar que não havia presença de doenças até então.
Justiça concede indenização e pensão a trabalhador rural que contraiu doença ocupacional no corte de cana-de-açúcar
Recentemente o juiz Cleber Martins Sales, do Tribunal Regional do Trabalho de Goiânia (TRT-18), decidiu pela condenação de uma empresa após seu funcionário – cortador de cana – contrair doença ocupacional pela atividade exercida nas lavouras.
O autor da ação sofre de dores lombares que o afastaram do trabalho desde 2018, quando começou a receber benefício junto ao INSS. Depoimentos de testemunhas do caso afirmaram que a empresa não promovia treinamentos e ginástica laboral constantes, o que é obrigatório para esse tipo de trabalho.
Com a decisão judicial ficou definido o pagamento de R$15 mil a título de danos morais, pensão mensal no valor de 15% do salário do trabalhador até que ele complete 75 anos de idade, e o custeio de seu tratamento médico até a efetiva melhora do seu quadro de saúde.
O escritório MS Amorim prestou apoio jurídico ao funcionário autor dessa ação.
(Processo nº 0010013-09.2020.5.18.0171).
Conclusão
No presente momento de modernização, o ganho por produção se destaca. O trabalhador rural que geralmente leva uma vida familiar e social com aspecto humilde, acaba por se submeter a longos expedientes no corte da cana para viabilizar sua subsistência financeira.
Consequentemente, muitas empresas concentram- se em lucro e produtividade e deixam de lado as obrigações impostas nas Normas Regulamentadoras que tem objetivo de proteger o trabalhador contra o acidente de trabalho e a doença ocupacional.
A ausência de controle do trabalho somada ao medo do desemprego e ao despreparo do próprio cortador de cana (pois muitos desconhecem os cuidados necessários) possibilita que enfermidades possam acometer essa classe.
O Direito Trabalhista atua para estabelecer relações de trabalho benéficas entre as empresas e seus funcionários, de modo que não haja prejuízo para ambos. O trabalhador rural pode contar com um profissional da área para entender seus direitos e reivindicá-los.
Dica de leitura: Afinal, o que é o Limbo Previdenciário Trabalhista?
Artigo postado originalmente no blog do escritório Marques Sousa & Amorim, sociedade de advogados com atuação nas áreas de Direito à Saúde, Consumerista, Previdenciária e
Trabalhista.