PREFÁCIO
A vida não é filosofia. É sentimento.
I
Apesar da vida,
Apesar da morte,
Apesar de si, vivemos.
E, porque viver é o
Contrário da própria vida,
Se vive.
A vida é uma antípoda
Cínica de si mesma:
Um tiro no escuro dado
Pelas mãos de uma criança.
-E que mata diariamente.-
II
Viver não é bom.
Mas nem tudo é para ser.
A viagem é dura;
A rosa, minguada e espinhenta.
E tudo que é, é um
“Apesar de…”
Viver é escatológico.
É a sumidade do que é oposto,
Pois somente vivendo os infernos
Se pode sonhar com paraísos.
E, afinal, o que é o ciclo
Senão o eterno regresso ao
Mesmo inferno e o desejo
Pelo mesmo paraíso?
III
Vivo constantemente no lamento
Pelo que nunca tive.
Sonho quase sempre com o impossível.
Com os pés na lama,
A humanidade sonha com estrelas.
IV
Nada se repete. Apenas a ilusão.
V
A vida é a pior das companheiras.
Mas é também a única que
Não nos abandona.
VI
O Outro é o eterno mistério.
Ninguém nunca conhecerá
A outra pessoa.
Corações guardam segredos
Impronunciados. Mentes reclusas
Ocultam cadáveres.
VII
O Mundo é um espinho de rosa
Cravado no coração.
É o “não” de ferro e a palavra de
Ódio saída da boca mais amada.
VIII
Não há porque seguir vivendo,
Senão que porque a vida
É, contra si mesma, a mais bela
E a mais horrenda experiência humana.
IX
O beijo trocado nos dias de amor
Quase sempre antecede as lágrimas
Das noites sem sono.
O dissabor é que elas também antecedem
Novos beijos, e novas juras, e novos prantos.
X
Ninguém ama ninguém.
O amor pelo outro é,
Antes de tudo, o amor
Do Eu por seu reflexo
Reluzente nos olhos de outrem.
XI
Ao cabo, todos os seres morrem.
XII
O que há para dizer
Não é palavra.
Está fora da linguagem;
Fora do Humano.
Por isso mesmo, o que
Há para dizermos
É, sobretudo, humanidade.
XIII
O Eu não é uma resposta,
Mas uma pergunta a ser enunciada.
XIV
A vida não deixou-me cicatrizes.
Deixou uma varize ulcerada.
-E ela dói sempre que muda o tempo.-
XV
Mais do que o que falas,
O que silencias é uma
Mensagem escrita às claras.
XVI
Alongando-me por Freud, recito
A máxima que dizia
Para tomarmos cuidado com os
Males que enterramos vivos.
Eles ressurgirão do Inferno
Mais fortes ao cabo do enterro.
XVII
Minha esperança no porvir
Não é maior do que no presente.
O amanhã nada mais é do que
O resultado do hoje.
XVIII
Tudo é postumo. Tudo é um a posteriori.
O que é hoje é resultante daquilo
Que foi ontem. Porém, o que foi ontem
Não ocorreu para que surgisse o hoje.
XIX
A vida não é racional.
O mais sábio dos seres é aquele
Que, sem compreender a nada,
Aceitou sublime e tolo o caos
Do mundo. O saber é vão se
Busca por modelos.
A vida rompe com todos os moldes.
A melhor teoria é a que cede lugar
A uma teoria melhor.
XX
O mais forte dos rochedos
Também se parte
Com o forcejo das marés.
XXI
Não há palavras para a vida.
Viver está fora da linguagem.
Forçosamente, porém, pomos
A vida na cela da sintaxe.
XXII
Se uma árvore cai sozinha numa
Floresta distante, ainda fará barulho?
XXIII
Frustremo-nos agora.
Ainda é tempo
De se apedrejar os ídolos.
Autoria:
Ariel Von Ocker é escritora, psicanalista, poliglota e acadêmica de Letras e História. Também já trabalhou no teatro como dramaturga e atriz. Autora com seis livros publicados, atua desenvolvendo pesquisas na área da psicanálise, literatura sob perspectivas historiográficas e estudos de gênero.Atualmente é editora-chefe na Revista Ikebana, redatora no Jornal Tribuna e colunista no Instituto Brasileiro de Psicanálise Clínica, além de participar da iniciativa Projeto Simbiose, juntamente com Michelle Diehl e Cristina Soares. Além disso, participa do Coletivo Escreviventes. Contato: @ariel_von_ocker