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quinta-feira, 18 de abril de 2024

Por uma ontologia do ego: considerações poético- filosóficas

PREFÁCIO

A vida não é filosofia. É sentimento.

I

Apesar da vida,

Apesar da morte,

Apesar de si, vivemos.

E, porque viver é o

Contrário da própria vida,

Se vive.

A vida é uma antípoda

Cínica de si mesma:

Um tiro no escuro dado

Pelas mãos de uma criança.

-E que mata diariamente.-

II

Viver não é bom.

Mas nem tudo é para ser.

A viagem é dura;

A rosa, minguada e espinhenta.

E tudo que é, é um

“Apesar de…”

Viver é escatológico.

É a sumidade do que é oposto,

Pois somente vivendo os infernos

Se pode sonhar com paraísos.

E, afinal, o que é o ciclo

Senão o eterno regresso ao

Mesmo inferno e o desejo

Pelo mesmo paraíso?

III

Vivo constantemente no lamento

Pelo que nunca tive.

Sonho quase sempre com o impossível.

Com os pés na lama,

A humanidade sonha com estrelas.

IV

Nada se repete. Apenas a ilusão.

V

A vida é a pior das companheiras.

Mas é também a única que

Não nos abandona.

VI

O Outro é o eterno mistério.

Ninguém nunca conhecerá

A outra pessoa.

Corações guardam segredos

Impronunciados. Mentes reclusas

Ocultam cadáveres.

VII

O Mundo é um espinho de rosa

Cravado no coração.

É o “não” de ferro e a palavra de

Ódio saída da boca mais amada.

VIII

Não há porque seguir vivendo,

Senão que porque a vida

É, contra si mesma, a mais bela

E a mais horrenda experiência humana.

IX

O beijo trocado nos dias de amor

Quase sempre antecede as lágrimas

Das noites sem sono.

O dissabor é que elas também antecedem

Novos beijos, e novas juras, e novos prantos.

X

Ninguém ama ninguém.

O amor pelo outro é,

Antes de tudo, o amor

Do Eu por seu reflexo

Reluzente nos olhos de outrem.

XI

Ao cabo, todos os seres morrem.

XII

O que há para dizer

Não é palavra.

Está fora da linguagem;

Fora do Humano.

Por isso mesmo, o que

Há para dizermos

É, sobretudo, humanidade.

XIII

O Eu não é uma resposta,

Mas uma pergunta a ser enunciada.

XIV

A vida não deixou-me cicatrizes.

Deixou uma varize ulcerada.

-E ela dói sempre que muda o tempo.-

XV

Mais do que o que falas,

O que silencias é uma

Mensagem escrita às claras.

XVI

Alongando-me por Freud, recito

A máxima que dizia

Para tomarmos cuidado com os

Males que enterramos vivos.

Eles ressurgirão do Inferno

Mais fortes ao cabo do enterro.

XVII

Minha esperança no porvir

Não é maior do que no presente.

O amanhã nada mais é do que

O resultado do hoje.

XVIII

Tudo é postumo. Tudo é um a posteriori.

O que é hoje é resultante daquilo

Que foi ontem. Porém, o que foi ontem

Não ocorreu para que surgisse o hoje.

XIX

A vida não é racional.

O mais sábio dos seres é aquele

Que, sem compreender a nada,

Aceitou sublime e tolo o caos

Do mundo. O saber é vão se

Busca por modelos.

A vida rompe com todos os moldes.

A melhor teoria é a que cede lugar

A uma teoria melhor.

XX

O mais forte dos rochedos

Também se parte

Com o forcejo das marés.

XXI

Não há palavras para a vida.

Viver está fora da linguagem.

Forçosamente, porém, pomos

A vida na cela da sintaxe.

XXII

Se uma árvore cai sozinha numa

Floresta distante, ainda fará barulho?

XXIII

Frustremo-nos agora.

Ainda é tempo

De se apedrejar os ídolos.

Autoria:

Ariel Von Ocker é escritora, psicanalista, poliglota e acadêmica de Letras e História. Também já trabalhou no teatro como dramaturga e atriz. Autora com seis livros publicados, atua desenvolvendo pesquisas na área da psicanálise, literatura sob perspectivas historiográficas e estudos de gênero.Atualmente é editora-chefe na Revista Ikebana, redatora no Jornal Tribuna e colunista no Instituto Brasileiro de Psicanálise Clínica, além de participar da iniciativa Projeto Simbiose, juntamente com Michelle Diehl e Cristina Soares. Além disso, participa do Coletivo Escreviventes. Contato: @ariel_von_ocker

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