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quinta-feira, 28 de março de 2024

Muita discussão, muita fofoca e pouca ética

Um dos principais assuntos da última semana foram as declarações, ao meu ver pouco éticas, de Jorge Jesus em sua “cavada” para retornar ao Flamengo. Eu reconheço que a ética não costuma ser personagem muito apreciada no futebol. Atletas de todos os níveis, inclusive uma estrela da Seleção, encenam faltas com o intuito de prejudicar o adversário e ludibriar os árbitros; dirigentes contratam treinadores e, depois de 3 semanas, resolvem demiti-los; clubes não pagam os valores acordados; juízes se vendem para as máfias dos resultados; treinadores renovam seus contratos, mas abandonam os clubes pelos mais variados motivos. Vemos aqui uma pequena seleção de situações.

O cômico furdunço começou quando o jornalista Renato Maurício Prado publicou a conversa que ele teve com o treinador lusitano enquanto assistiam o jogo entre o Talleres e o Flamengo válido pela Copa Libertadores da América no último dia 4 de maio. Acomodados na elegante cobertura do ex-presidente do rubro-negro, Kleber Leite, dirigente pelo qual também tenho enormes reticências, diante da fraca atuação da equipe carioca, o jornalista teria perguntado se o português não gostaria de retornar ao clube em que ele foi tão vitorioso.

Segundo o jornalista, de forma surpreendente, o português foi extremamente sincero e afirmou: “Quero voltar, sim. Mas não depende só de mim. Posso esperar até no máximo o dia 20. Depois disso, tenho que decidir minha vida”. No decorrer do confronto, Jorge Jesus ainda teceu várias críticas à forma de jogar da equipe dirigida pelo seu compatriota, Paulo Sousa. Também explicou os motivos que o levaram a sair do Flamengo em 2020, com fortes doses de exagero. “A pandemia me afetou demais. Foi algo absolutamente inesperado e devastador. Fiquei completamente só. Um funcionário deixava a comida na soleira da porta do meu apartamento e saía correndo. Parecia que eu estava vivendo num leprosário”.

Curiosamente, Portugal também enfrentou a mesma doença e, ainda assim, o esperto português, ao deixar o Flamengo, foi imediatamente dirigir o Benfica. Certamente ele ficaria ao lado de sua família, fato justificável, mas quando ele renovou o contrato com o Flamengo a pandemia já era uma realidade e dizer que as pessoas saíam correndo e comparar a situação com um leprosário é retomar as imagens de um Brasil primitivo e selvagem. O próprio termo utilizado, abolido há tempos do nosso vocabulário em virtude do estigma histórico que carrega, demonstra a carga preconceituosa do “civilizado” europeu em relação ao nosso Novo Mundo.

Sobre a tentativa do Flamengo, no final de 2021, de contratá-lo, JJ afirmou que jamais houve um convite e que a visita realizada pelos dirigentes cariocas no período acabou conturbando ainda mais o seu já fragilizado relacionamento com o Benfica. Neste sentido, Jorge Jesus me lembra bastante alguns governantes brasileiros que jamais se responsabilizam pelo o que ocorre ao seu redor. A culpa é da pandemia, é da guerra entre Rússia e Ucrânia, é de São Pedro que não mandou as chuvas, é dos dirigentes do Flamengo que estiveram em Lisboa. Já passou da hora de pararmos de terceirizar os fracassos, os erros, a incompetência e transferir, sem olhar para o próprio umbigo, as responsabilidades. Já passou da hora de realizarmos uma profunda e, certamente, dolorosa autocrítica.

Após a notícia ser publicada, foi levantada a hipótese de o jornalista ter transformado em matéria uma conversa informal em que ele e Jorge Jesus tiveram durante uma partida de futebol. Sendo aceita tal versão, o pobre e ingênuo lusitano, pouco afeiçoado aos meandros, nem sempre éticos, de quem busca a notícia, se enganou sobre a lisura do repórter. Acredito nisto da mesma forma que creio na chegada do Papai Noel nos finais de ano.

Jorge Jesus, em nenhum momento, negou as informações dadas por Renato Maurício Prado, doravante RMP. Neste sentido, talvez em decorrência de sua infinita arrogância e prepotência, preferiu não assumir o papel do ingênuo que foi enganado pelo perverso repórter. 

Pressionado, JJ resolveu apelar para o seu filho e mais uma daquelas inacreditáveis desculpas foi tecida, desta vez contando com o apoio de outro jornalista afeito ao sensacionalismo e de opiniões muito mal elaboradas. O herdeiro do Mister afirmou que seu pai deseja voltar ao Flamengo, que ama o clube, mas que as falas ocorridas durante o encontro não foram passadas para o público de forma justa, real e fidedigna e arremata, com a hilária afirmação de que Kleber Leite, o anfitrião, teria apresentado RMP da seguinte forma:  Ele “vive com 12 cães em Itaipava, fora do Rio de Janeiro, e que era ex-piloto de Fórmula 1”.

Quanto mais falam, mais baboseiras saem de suas bocas. Por sinal, se contada em outro contexto, seria mais uma piada de português. Por favor, ex-piloto de Fórmula 1? Um dos esportes mais elitistas que existe, com pouquíssimos pilotos em todo o mundo, o internacional e garboso treinador Jorge Jesus teria sido enganado pelo traquina dirigente Kleber Leite, contando com o auxílio do jornalista brasileiro e demais convidados.

Outro ponto curioso é que RMP, o “grande piloto de fórmula 1”, é figura frequente na imprensa e nas redes sociais, atacando duramente Paulo Sousa. Só os néscios ou os mal-intencionados podem acreditar que o encontro entre o jornalista e o treinador e a conversa entre eles tenha sido meramente fortuita e fruto dos caprichos da Fortuna.

As desculpas mentirosas e esfarrapadas apenas reforçam a impressão que já havia construído sobre o treinador lusitano. JJ, em seu jogo de estratégia, resolveu mover suas peças em direção ao Flamengo e não teve escrúpulo, respeito e ética ao atacar publicamente o trabalho de um colega.

Os flamenguistas apaixonados e órfãos de JJ podem criticar minha opinião. Mas, imaginem se um ex-colaborador famoso e reconhecido resolvesse ir até a empresa em que você trabalha e passasse a criticá-lo abertamente e ainda deixasse no ar, para os seus empregadores, que ele pode substituí-lo desde que o contato ocorra até o dia 20? Certamente você não acharia muito agradável, não é mesmo?

Em resumo, Jorge Jesus abandonou o clube em 2020 para dirigir o Benfica pouco depois de assinar novo contrato com o Flamengo. O seu trabalho não vingou em Lisboa e JJ continuou afastado da elite do futebol europeu. Como agiu de forma ambígua com os dirigentes do Flamengo no final de 2021, perdeu o momento mais adequado para retornar. Por sinal, não sei se ele quer realmente retornar para a Gávea ou apenas se manter nas “páginas dos jornais”. Apesar da arrogância ao afirmar que faria um trabalho ainda melhor do que fez em 2019, sabemos que as chances são remotas. O time está três anos mais velho, os clubes brasileiros estão mais equiparados, e a torcida, caso os resultados não sejam imediatos, pressionará absurdamente. Talvez seja melhor aceitar o convite turco, mercado secundário do futebol europeu.

Autor:

Luiz Henrique Borges

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