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quarta-feira, 24 de abril de 2024

Muita conversa e poucas evidências

Há duas ou três semanas, já não me recordo com exatidão, certamente em decorrência das muitas primaveras (e todas as outras estações do ano) vividas, abordei o sorteio da Copa do Mundo e algumas críticas dirigidas ao trabalho de Tite e à Seleção Brasileira. Afirmei que gostaria de discutir com algum aprofundamento os discursos construídos pela imprensa especializada e que, percebi em conversas com alguns amigos, reverbera entre muitos torcedores e apreciadores do encantador esporte bretão, o futebol.

A minha memória pode não estar em sua plenitude física e técnica, mas durante a partida, que é elaborar uma crônica, ela ainda sabe construir uma boa tabelinha, de forma seletiva, é bom que se diga, como qualquer outra memória que formamos ao longo da vida.

Os especialistas não se cansam de falar sobre o baixo nível do futebol na América do Sul e o fato de não enfrentarmos seleções europeias na preparação para o Mundial. Prometi discutir o assunto e, lógico, apimentar a discussão, afinal é a discordância, é o dissenso quando não envolto nas paixões, que constrói o conhecimento. O consenso gera cabecinhas balançando em concordância e não costuma promover a reflexão crítica. Nelson Rodrigues, com sua genialidade e capacidade inesgotável de criar polêmicas, afirmou certa vez que a unanimidade é burra. A unanimidade é filha do consenso, logo o consenso é o pai dos burros.

Comprar irrefletidamente os discursos da imprensa é autossabotagem, é a negação da capacidade de construir o pensamento crítico. O bom jornalismo nos informa sobre o que ocorre ao nosso redor, ainda assim necessitamos pensar, refletir, questionar as notícias que estão sendo veiculadas. Veja bem, meu amigo leitor, concordar com a opinião de uma matéria e do jornalista que a produziu não é um equívoco, desde que você tenha refletido sobre o que foi dito e tenha construído seus argumentos em relação ao tema.

Após essa breve digressão, retornemos ao assunto que realmente me interessa. Vamos elucubrar, primeiro, sobre o nível do futebol sul-americano e para isso, de bate-pronto, faço a seguinte pergunta: Quando o nível do futebol do nosso continente foi alto, excluindo as três grandes forças – Argentina, Uruguai e Brasil? Respondo: Nunca. Argentinos e Uruguaios dominaram o futebol do nosso continente, de forma, uma pouco grosseira cronologicamente, até meados do século passado. O Brasil, até os anos 40, foi a terceira força continental. Na década de 50 assumimos o protagonismo e, particularmente, o Uruguai perdeu, paulatinamente, parte de seu brilhantismo.

As três grandes seleções passaram, ao longo do tempo, por momentos de maior vivacidade e outros mais apagados, mas nunca deixaram de ser as forças do futebol continental. Certamente, em alguns momentos, o Chile, o Paraguai, a Bolívia, o Peru, o Equador, a Colômbia e a Venezuela tentam furar a fila do pão. Mas são momentos episódicos e efêmeros.

Posso concordar com os jornalistas que o nível do futebol sul-americano não é o mais alto de sua história, mas garanto que está dentro da média e que, se tirarmos as notas dos três grandes, ele jamais alcançou a aprovação. Também concordaria com mais dois aspectos se eles fossem levantados. O primeiro é a inexistência no continente, hoje, do representante do episódico, ou seja, a seleção que possui potencial para a furar a fila do pão. E, finalmente, o Uruguai, em um grau menos fatal que os chilenos, que já adentraram o crematório, possui uma seleção envelhecida.

Também ouço repetidamente, de modo fatalista e definitivo, que fracassaremos durante a Copa do Mundo em virtude de não termos testado nossas forças contra as seleções europeias. Um amigo, que prefiro não citar o nome, afirmou, categoricamente, que o Brasil sequer passará da primeira fase contra as “poderosas e reconhecidas” seleções da Suíça, Sérvia e Camarões. Ao ouvir tão funesto destino, fiz um breve relato dos resultados do Brasil nas Eliminatórios e perguntei os motivos pelos quais ele tinha tanta certeza do nosso futuro debacle. Sem sequer respirar, ele cuspiu asperamente algumas poucas palavras como se minha pergunta não tivesse o menor sentido: “Não jogamos contra os europeus”.

O rendimento na Copa do Mundo, como já afirmei alhures, depende fundamentalmente do momento vivido pela equipe e de uma dose de sorte. Em 1982, a Seleção Brasileira se preparou primorosamente. Enfrentou vários países europeus. Há um ano da Copa, ela jogou contra a Inglaterra, a França, a Espanha, a Alemanha Ocidental, a Alemanha Oriental, a Bulgária, a Tchecoslováquia, a Suíça, o Eire e Portugal. Foram 11 jogos contra os europeus, com 9 vitórias e 2 empates. Neste período, o Brasil só se confrontou com sul-americanos uma única vez, em Santiago, contra o Chile e empatou sem gols. Na primeira fase da Copa do Mundo vencemos mais dois europeus. Na fase seguinte, jogando por um simples e reconfortante empatezinho, após vencermos com autoridade os argentinos por 3X1, perdemos para a então desacreditada Itália. Desta história ficam os seguintes ensinamentos: jogar com as diversas escolas de futebol e contar com uma excelente preparação são, sem dúvida, importantes aspectos, mas não garantem o sucesso ou o fracasso na Copa do Mundo. Vamos parar com os discursos apocalípticos.

A partir da história é interessante observamos os momentos de triunfo do Brasil: 1958, 1962, 1970, 1994 e 2002. Entre janeiro de 1957 e a estreia brasileira na Copa do Mundo em junho de 1958, enfrentamos duas seleções europeias – Portugal e a Bulgária – em quatro oportunidades, todos em território nacional. Os demais 14 confrontos foram com sul-americanos. O mesmo ocorreu na preparação para 62, a diferença é que País de Galês substituiu a Bulgária. Chegamos na inesquecível Seleção de 70: enfrentamos a Inglaterra, a Bulgária e a Áustria. Não sei se é culpa do Zagallo, mas foram 13 jogos contra sul-americanos. Para a Copa dos Estados Unidos foram 5 jogos contra europeus, 15 contra sul-americanos e 6 contra representantes da América Central ou do Norte. Apenas no caminho para 2002 jogamos contra seleções de todos os continentes, sendo 4 vezes contra os europeus e, ao todo, fizemos 26 jogos. O fiel da balança é crescer e ganhar confiança durante a competição. Este foi o diferencial em todas as nossas conquistas.

Testar a nossa força contra seleções europeias é sempre válido. Mas, devo lembrar que vivemos em um mundo interconectado, ou seja, não é admissível afirmar desconhecimento sobre a tática e a técnica de qualquer outra seleção. Não há mais espaço para as surpresas. Além disso, vamos combinar, a nossa seleção é “europeia”, os atletas sabem, conhecem e jogam cotidianamente contra os jogadores que enfrentarão no Mundial. A imprensa, muitas vezes, precisa construir a notícia e nós, ingenuamente, caímos na armadilha.

Autor:

Luiz Henrique Borges

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