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segunda-feira, 18 de novembro de 2024

Interpretação Da Norma Administrativa À Luz Da Nova Lei 13.655/18 E A Teoria Do Stare Decisis

RESUMO
Com objetivo de analisar a questão do controle realizada com relação às novas
legislações que entram em vigor no Brasil, bem como acerca do que a falta de
conformidade com as demais normas legais e os prejuízos que isto traz para a
ordenamento jurídico como um todo, o presente estudo propôs-se a realizar uma
revisão de literatura, com foco no tema proposto, a fim de, compreender a dinâmica
da formulação de leis e a aplicação prática da Teoria do Stare Decisis, em especial
no âmbito do Direito Administrativo e a nova Lei n. 13.655/18. Acredita-se ser de muita
valia a análise proposta, em razão da necessidade de discussão do assunto, bem
como de mais informações sobre esta temática, o que poderá embasar novas
pesquisas, o que enriqueceria a literatura e contribuiria para o bom andamento da
área jurídica.
Palavras-chave: Constitucionalidade. Controle. Segurança Jurídica.
1 INTRODUÇÃO
Em virtude das novas disposições introduzidas na Lei n. 13.655/2018, tem-se
discutido sobre a interpretação das normas no âmbito administrativo, cuja inovação
foi implantada segundo seus relatores, para combater a ineficiência e o arbítrio nas
relações de Direito Público.
Um dos grandes obstáculos da ciência jurídica que é a procura por ferramentas
de aperfeiçoamento do sistema jurídico, no intuito de melhor regulamentar a vida em
sociedade e possibilitar o convívio harmônico. Assim sendo, cada vez mais estreita-
se a comunicação entre as tradições jurídicas, no intuito de melhorar cada uma e o
instituto dos precedentes judiciais cada vez mais é usado e analisado, na tentativa de
implementá-lo.
Para discutir o tema, destacar-se-á o controle de constitucionalidade adotado
no Brasil, e os princípios a serem observados na construção de um ato normativo, a
fim de assegurar a segurança jurídica.
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A Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB) sofreu acréscimos,
que visam melhorar a interpretação e aplicabilidade das normas jurídicas, qual seja
contribui para caracterizar o entendimento do ordenamento jurídico brasileiro.
Em sequência, far-se-á uma abordagem do precedente judicial, no que
concerne à estabilidade e segurança das decisões judiciais, sendo que, neste
momento, discorrer-se-á sobre a doutrina do Stare Decisis e os impactos que podem
ser percebidos na esfera da Administração Pública.
Com ênfase no exposto em linhas volvidas, o estudo tem como objetivo discutir
o controle desenvolvido com relação às novas legislações que entram em vigor no
Brasil, com ênfase para as inovações trazidas pela Lei n. 13.655/18 e a teoria do Stare
Decisis.
2 FORMULAÇÃO DE ATOS NORMATIVOS NO BRASIL
O Brasil é um país rico em legislação, mas que apresenta constantes entraves
relacionados à dissonância entre normas legais em vigor. Diante desta assertiva, é de
suma importância a observância de certos requisitos e normas na formulação das
legislações, sempre tendo como alvo a segurança jurídica, sendo esta a proposta de
análise deste estudo.
2.1 Controle de constitucionalidade
O controle de constitucionalidade tem relação direta com a supremacia da
Constituição Federal sobre o ordenamento jurídico como um todo, mas, associa-se,
também, à de rigidez constitucional e à proteção dos direitos fundamentais. Este
controle fundamenta-se na assertiva de que nenhum ato normativo, que, por óbvio,
decorre dela, terá o poder de modificá-la ou suprimi-la (MORAES, 2011).
Ademais, o sucesso do funcionamento de um sistema jurídico requer,
necessariamente, uma ordem e unidade dos seus componentes, de modo que as
partes devem agir de forma harmônica. A ferramenta de controle de
constitucionalidade objetiva restabelecer a unidade ameaçada, para o que leva em
consideração a supremacia e a rigidez do texto constitucional.
No Brasil vigora a supremacia da constituição. Todavia, presume-se
constitucionais as normas jurídicas produzidas e o controle de constitucionalidade
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certifica a validade formal e material das leis infraconstitucionais. Já os atos
administrativos, via de regra, são validados pelas leis, estas que, por sua vez, buscam
sua validade na Constituição. Na prática, a norma inferior busca seu fundamento de
validade na norma imediatamente superior a ela. Com vistas a manter a segurança
jurídica, necessário se faz que as normas elaboradas sejam, presumidamente,
constitucionais, com base no princípio da presunção de legitimidade ou de
constitucionalidade das leis, em cujo contexto, a inconstitucionalidade é uma exceção
(SANTOS, 2019).
A constituição de 1988 enfatizou no seu texto o controle abstrato, em que
ampliou o rol de legitimados para a instauração deste tipo de controle. Ademais,
instituiu-se a Arguição por Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF – Art.
102, Parágrafo único posteriormente transformado em § 1º), de modo que criaram
mais um meio de controle concentrado e concreto de constitucionalidade (regulada
pela Lei 9.882/99), a qual tem como legitimados os mesmos da ADI (Ação Direta de
Inconstitucionalidade – art. 103 da CF, previsto no Art. 2º, I da Lei 9.882) e objetiva
impedir ou reparar lesão a preceito fundamental decorrente da Constituição Federal.
Criou-se, ainda, a ADI por omissão (mesmos legitimados para a ADI), com o intuito
de evitar a indiferença do legislador ordinário diante de uma exigência constitucional
de legislar (Art. 103 § 2º). Para o controle concreto (difuso como regra geral ou
concentrado se for competência do Superior Tribunal Federal) instituiu-se o Mandado
de Injunção (MI – Art. 5º LXXI). A Lei Maior ainda trouxe como inovação a possibilidade
de controle concentrado abstrato, a nível Estadual, o que teve como intuito extrair do
âmbito jurídico leis ou ato normativos estaduais ou municipais que representarem
lesão às normas que compõem a Constituição Estadual (Art. 125, § 2º) (SANTOS,
2019).
Resumidamente, controle de constitucionalidade analisa a possibilidade de lesão a
direitos fundamentais (constitucionais) ou de outras normas do texto constitucional,
com o objetivo assegurar a supremacia constitucional e protege-la contra atentados
advindos do legislador. As legislações constitucionais apresentam um nível de eficácia
máximo, o que obriga os atos inferiores a serem compatíveis verticalmente com elas.
Caso não haja esta compatibilidade, invalidar-se-á o ato (ele será nulo), sendo este o
motivo de a inconstitucionalidade representar a quebra da relação de compatibilidade.
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2.2 Princípios a serem observados na formulação de ato normativo
No momento de elaborar de atos normativos, não se pode deixar de observar
e obedecer alguns princípios constitucionais balizadores da formulação das
disposições legais. Por conta disto, a elaboração de atos normativos deve ter como
norte estes requisitos. O princípio do Estado de Direito e certos postulados dele
originados revelam alguns requisitos norteadores da elaboração de atos normativos,
dentre os quais estão:

  • O princípio do Estado de Direito determina que as normas jurídicas
    contemplem certos atributos, dentre os quais elas a precisão ou determinabilidade,
    clareza, densidade capaz de possibilitar permitir a definição das posições
    juridicamente asseguradas e o controle de legalidade da ação administrativa
    (CANOTILHO, 1986);
  • Clareza e determinação das normas: o princípio da segurança jurídica dita
    que as leis apresentem precisão e clareza, de modo a permitir ao destinatário
    identificar a nova situação jurídica, bem como as consequências que ela traz. Deste
    modo, é necessário evitar as formulações obscuras, imprecisas, obscuras ou
    contraditórias;
  • O Princípio da Reserva Legal (CF, art. 5º, II), de acordo com o qual “ninguém
    será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”, ou
    seja, toda e qualquer intervenção na esfera individual deve ser autorizada por lei, ou
    seja, as decisões normativas mais importantes advêm do próprio legislador;
  • Reserva Legal Qualificada: o art. 5º, XIII, da Constituição Federal, determina
    “ser livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as
    qualificações profissionais que a lei estabelecer”. De acordo com o texto encartado no
    art. 5º, XXIII, “a propriedade atenderá a sua função social”;
  • Princípio da Legalidade: o Estado não pode punir uma pessoa por uma
    conduta que não é descrita como crime em lei (ordinária federal). O art. 5º, XXXIX,
    expressa exigência de previsão legal para a definição de crime e a cominação de
    pena, e proíbe a retroatividade da lei penal;
  • Princípio da Proporcionalidade ou razoabilidade: diretamente relacionado com
    as ideias de justiça, equidade, bom senso, prudência, moderação, justa medida,
    proibição de excesso, direito justo e valores afins; precede e condiciona a
    positivação jurídica, inclusive de âmbito constitucional; e, ainda, enquanto princípio
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    geral do direito serve de regra de interpretação para todo o ordenamento jurídico
    (LENZA, 2008).
    As reservas precisam ser proporcionais, ou seja, “adequadas e justificadas pelo
    interesse público”, assim como devem atender “ao critério de razoabilidade”. Com
    base neste princípio, deve-se analisar não só a legitimidade dos objetivos perseguidos
    pelo legislador, mas também a adequação dos meios empregados a necessidade de
    seu uso, assim como a razoabilidade, que consiste na ponderação entre a restrição a
    ser imposta aos cidadãos e os objetivos pretendidos.
    2.3 Lei de introdução às normas do Direito Brasileiro
    A Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB) tem natureza
    introdutória, vigorando em todo o sistema jurídico positivo, a qual é definida como “lei
    das leis”. Assim, possuí a função de regular a própria norma jurídica, no tocante à sua
    elaboração, vigência, obrigatoriedade, interpretação, integração, aplicação no tempo
    e no espaço e, ainda, as regras concernentes ao Direito Internacional Privado (DINIZ,
    1997), ou seja, funciona como reguladora de todo o ordenamento.
    A LINDB é formada por um conjunto de regras que objetivam a interpretação e
    aplicação de normas jurídicas. Pablo Stolze Gagliano (2012) explica que a LINDB é
    fundamental para se compreender o sistema jurídico brasileiro, o qual evidencia a
    importância para a soberania nacional, regula a vigência e a eficácia de todas as
    outras, dita os critérios utilizados para dirimir seus conflitos no tempo e espaço e,
    ainda, estabelece os parâmetros para a interpretação normativa (art. 4º) e assegura a
    eficácia global do ordenamento positivo, cujo texto não aceita a possibilidade de erro
    de direito (art. 3º) e reconhece a necessidade de preservação das situações
    consolidadas em que o interesse individual prevalece (art. 6º).
    Por assim ser, tem caráter de “norma de sobredireito”, em virtude de se tratar
    de norma que objetiva regulamentar outras normas, motivo pelo qual a denominam
    como “lei sobre lei” (lex legum).
    Por fim, a LINDB, ainda que tenha sofrido influência da hermenêutica, da lógica
    e da argumentação jurídica, conservou seu caráter de centro interpretativo/integrativo
    do ordenamento jurídico brasileiro, a qual, também, dá vida à expressão utilizado por
    Lenio Luiz Streck (2011a, p. 146) que “fragiliza sobremodo o grau de autonomia do
    Direito na contemporaneidade”, que é pan-principiologismo.
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    2.4 Segurança jurídica
    Há uma diversidade de sentidos para a expressão ‘Segurança jurídica’,
    qualquer que seja o sentido. Porém, em qualquer viés, propõe a garantia de que a
    vida seja, fundamentalmente mutável, em especial no que concerne à ordem jurídica
    ou direitos individuais, sempre que possível. A ideia de segurança jurídica é conatural
    e indissociável da própria noção de direito, uma vez que somente existe direito onde
    há segurança jurídica (SILVA, 2017).
    Com as evoluções pelas quais passou o Direito, a Constituição hoje é
    compreendida como um sistema aberto, formado por princípios e regras, permeável
    a valores jurídicos suprapositivos, em que as ideias de justiça e de realização dos
    direitos fundamentais ocupam um lugar de destaque. Insta lembrar que o modelo
    jurídico tradicional surgir apenas para a aplicação e interpretação de regras. Porém,
    na atualidade prepondera a noção de que o sistema jurídico perfeito se
    consubstancia em uma distribuição jurídica equânime de regras e princípios, em cujo
    contexto as regras desempenham o papel relacionado à segurança jurídica –
    previsibilidade e objetividade das condutas – e os princípios, com sua flexibilidade,
    ensejam realização da justiça do caso concreto (CASALI, 2019).
    Esta interpretação corrobora a ideia de que as regras, principalmente no
    paradigma do Direito positivo, fortalecem o entendimento sobre segurança jurídica,
    tendo como parâmetro os princípios para dar flexibilidade e realizar a Justiça.
    Normas jurídicas correspondem a um conjunto de normas, que formam o
    ordenamento jurídico brasileiro, as quais têm como função regulamentar a conduta
    dos indivíduos. Isto implica dizer que é a imposição normativa incorporada em uma
    fórmula jurídica. É possível que tenha o sentido de preceito e punição, o que visa,
    principalmente, assegurar a ordem e a paz social, mas não têm que ser entendidas
    como instrumento ou ideia ligada à segurança, à justiça, dentre outras. Por assim ser,
    norma constitucional é toda aquela que tem valor jurídico supremo, hierarquicamente
    superior, o que representa toda norma de caráter constitucional (SILVA, 2018).
    Os princípios jurídicos, principalmente aqueles que possuem natureza
    constitucional, passaram por um significativo processo de ascensão, o que levou de
    fonte subsidiária do Direito, quando há lacuna legal, ao centro do sistema jurídico.
    No ambiente pós-positivista de afinidade entre o Direito e a Ética, os princípios
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    constitucionais se tornaram a porta de entrada de valores próprio ao universo
    jurídico. A dogmática jurídica contemporânea concorda no sentido de que princípios
    e regras sustentam o status de norma jurídica, mas há diversas distinções, com base
    em critérios diversos (BARROSO, 2008).
    2.5 Common Law
    Um dos maiores erros cometidos no que diz respeito ao Common Law é
    identifica-lo como um sistema que tem por base os costumes, o que é bastante
    comum. Todavia, essa assertiva não espelha a realidade. Como verbera ALMALEH
    (2019), os costumes podem, na verdade, exercer uma força considerável e sua
    observância pode ser uma escolha consciente. Mesmo assim, a boa ordem, costume
    e deliberação correta não são a mesma coisa que a lei.
    Em conformidade com Tucci (2004), na obra dos primeiros comentaristas da
    common law já se observava uma clara preocupação com o problema dos
    julgamentos contraditórios, de onde surgiram estudos acerca da importância de ater-
    se, na decisão de casos semelhantes ao que anteriormente tinham sido decididos.
    (TUCCI, 2004). Em razão disto, René David (1978, p. 428) afirma que “a common law
    foi criada pelos Tribunais Reais de Westminster”, motivo pelo qual é um direito
    jurisprudencial.
    Observa-se que, desde a sua origem, a common law revelou uma natural
    vocação para se tornar um sistema de case law, haja vista que, mesmo que ainda não
    existisse um efeito vinculante ao precedente, os juristas ingleses já destacavam a
    importância dos julgados e o quanto seria interessante que estas decisões fossem
    seguidas, a fim de assegurar certeza e continuidade ao direito (TUCCI, 2004).
    Desta forma, desde quando surgiu, o sistema da common law teve como
    parâmetro o brocado stare decisis et non quieta movere, o que implica dizer que “a
    formação da decisão judicial com arrimo em precedente de mesma natureza,
    eventualmente existente” (NUNES, 2010, p. 121).
    3 COMENTÁRIOS À LEI N. 13.655/2018
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    Dentre as diversas inovações ocorridas na legislação brasileira nos últimos
    anos, há que se destacar as mudanças trazidas pela lei n. 13.655/2018, em especial
    no que tange às decisões administrativas.
    3.1 Precedente judicial
    O precedente é uma decisão judicial proferida em um caso concreto, que tem
    um núcleo fundamental que serve como parâmetro para o julgamento de casos
    análogos futuramente (DIDIER JÚNIOR; BRAGA; OLIVEIRA, 2015).
    Após enfrentadas as questões jurídicas envolvidas na lide, a decisão funcionará
    como um “modelo” para o julgamento de demandas julgadas futuramente no Poder
    Judiciário, o que assegura a isonomia, a segurança jurídica, a previsibilidade e a
    uniformização da jurisprudência (SERRA JÚNIOR, 2017).
    “Precedente é a decisão judicial tomada à luz de um caso concreto, cujo núcleo
    essencial (ratio decidendi) pode servir como diretriz para o julgamento posterior de
    casos análogos” (DIDIER JÚNIOR; BRAGA; OLIVEIRA, 2010). Destarte, utilizando
    como parâmetro o sistema que surgiu nos países que adotam a common law, o direito
    brasileiro passou a adotar princípios e doutrinas do mencionado sistema, o que gerou
    a relativização do civil law no direito brasileiro, fundado no modelo legalista, em que o
    Juiz não somente aplica a lei, mas utiliza a jurisprudência e a interpretação de
    conceitos abertos na legislação, no intuito de garantir maior estabilidade e segurança
    jurídica nas decisões judiciais (BRAGA; BEZERRA, 2019).
    3.2 Doutrina do Stare Decisis
    A interpretação literal da expressão stare decisis et quieta non movere seria
    mantenha-se a decisão e não perturbe o que foi decidido, ideia justificada pelo
    princípio que determina que os casos semelhantes reclamam tratamento similar, o
    que implica dizer que permanece com as decisões já lavradas e não altera as “coisas
    quietas”, posto que já há entendimento formado a respeito (PAGANELLA, 2017).
    O stare decisis se destaca em quase todos os sistemas judiciários, a exemplo,
    dos Estados Unidos da América do Norte, pois, para todo o direito anglo-americano,
    as decisões judiciais, em especial as decisões judiciais dos tribunais superiores,
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    representam o caminho que deverá ser percorrido pelos demais julgadores (SILVA,
    1998).
    Lênio Streck (2014) comenta que a doutrina do stare decisis, bem como a
    posição primordial da jurisprudência estão entre as principais características do
    common law e o difere da tradição civil law. Bertagnolli (2012) explica que o stare
    decisis é um princípio norteador de toda a atividade jurisdicional dos países que
    adotam o Common law. A exemplo do que ocorre com qualquer outro princípio, este
    traz em seu bojo, de modo geral, as diretrizes a serem utilizadas a fim de avaliar se
    um precedente deve ou não servir de parâmetro para a solução de novos casos. Estas
    diretrizes têm como base o material produzido no passado, o qual pode ser utilizado
    como parâmetro futuramente, fazendo-se certa reverência ao que já restou
    estabelecido.
    A doutrina do stare decisis é calcada em dois princípios basilares, quais sejam,
    a vinculação dos tribunais inferiores aos superiores (stare decisis vertical) e o fato de
    que os tribunais superiores vinculam-se às decisões proferidas anteriormente (stare
    decisis horizontal), o que tem como base a igualdade, previsibilidade e segurança
    jurídica (GARNER, 2009).
    Depreende-se, assim, que o princípio do stare decisis funciona como uma
    espécie de fio condutor entre as decisões judiciais e o princípio da igualdade, em
    virtude de obrigar o magistrado a proferir decisões que coadunem com o que foi
    decidido no passado, o que implica em isonomia. Assim, deve levar em consideração
    que a efetividade do princípio da igualdade diante a lei apenas será possível quando
    o magistrado aplicar a lei da mesma forma para casos iguais, o que é um dos
    fundamentos da aplicação de um precedente judicial.
    3.3 Aplicação prática do precedente judicial (Stare Decisis)
    O precedente judicial tem lugar o magistrado se vê diante do julgamento de um
    caso no qual deve fazer uso da interpretação lógica, no intuito de fazer com que sejam
    compatíveis o caso e o precedente relacionado à situação semelhante. No sistema
    americano denomina-se tal técnica como distinguishing.
    O princípio do stare decisis justifica-se quando desvendadas as condutas
    requeridas para se alcançar do ideal de seguimento e obediência aos precedentes
    judiciais. Esta teoria versa sobre “a mecânica de aplicação do precedente judicial ao
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    caso em julgamento” (SOUZA, 2013). Ressalta-se que não se aplica esta teoria de
    modo automático e desprovido de reflexão, mas requer análise criteriosa dos fatos e
    fundamentos de direito, como mencionado no precedente, a fim de possibilitar sua
    aplicação no caso concreto, objeto do julgamento.
    A técnica de diferenciação entre os casos onde é cabível ou não a aplicação
    do precedente ao caso concreto, reporta às lições de fatos fundamentais (material
    facts). Neste sentido, Souza (2013, p. 139) explica que “se os fatos fundamentais de
    um precedente não coincidem com os fatos fundamentais do caso posterior em
    julgamento, os casos devem ser considerados como distintos. Consequentemente, o
    precedente não será seguido”. Ademais, existem juízes que têm um pouco mais de
    facilidade para diferenciar julgamento e precedente.
    A condição de fazer esta diferenciação é fundamental, o que implica em maior
    flexibilidade ao sistema, bem como um modo de fazer justiça no caso concreto.
    Todavia, há que se ter cuidado para não ferir gravemente o princípio da isonomia,
    além do risco representado pelo uso indiscriminado deste instituto pode, de modo
    geral, gerar dúvida sobre a real vinculação aos precedentes obrigatórios e, via de
    consequência, ocasionar o caos do sistema, o que jamais foi o objetivo. O juiz tem a
    obrigação de seguir o precedente nos casos em que verificar diferenças entre os
    casos, por meio da análise dos fatos fundamentais que orientam a aplicação do
    princípio do stare decisis (SOUZA, 2013).
    Dentre as técnicas de não aplicação dos precedentes, está a overruling, ou
    seja, o ato do julgador entender que a ratio decidendi do precedente está
    ultrapassada, motivo pelo qual aquele entendimento precisa ser superado. Neste caso
    o juiz verifica que o conhecimento produzido deixou de configurar uma verdade,
    motivo pelo qual não é aconselhável segui-lo, devendo ser superado e substituído por
    um novo conhecimento, uma nova regra a ser seguida (NOGUEIRA, 2013). Por meio
    desta técnica, o Tribunal poderá superar o precedente, pondo fim à aplicação de uma
    regra de direito estabelecida pelo precedente.
    A utilização desta técnica implica reconhecer que o sistema jurídico não deve
    ser estático, mas precisa ter um caráter dinâmico, a fim de conseguir acompanhar as
    inovações ocorridas na sociedade, no intuito de melhor regulamentar, controlar a
    conduta de cada pessoa, de modo a não deixar o direito ultrapassado às condutas
    humanas, à realidade social (KELSEN, 1991).
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    Sotelo (1998) explica que o overruling é como se fosse uma declaração pública,
    ‘coram populi’, de que todo o caso precedentemente decidido acerca da base daquele
    precedente errôneo tinha sido na realidade decididos em contrário ao que na verdade
    se toma como verdadeiro Direito. Assim sendo, revogar um precedente é função
    fundamental e de repercussão para toda a comunidade jurídica, sendo necessárias
    razões bastante fortes para tanto.
    A avaliação do overruling e do distinguish é fundamental no momento de avaliar
    a relação dos precedentes judiciais com a teoria declaratória e com a teoria
    constitutiva ou positivista do direito, em virtude do precedente ser tido como fonte do
    direito, o que erige a necessidade de saber qual o poder do juiz ao utilizar desta fonte
    e qual a genealogia da legitimação da utilização uma decisão como paradigma para a
    solução de um caso concreto (FRANZÉ; PORTO, 2016).
    3.4 Impactos da doutrina Stare Decisis nas decisões na esfera administrativa
    A aplicação prática da teoria dos precedentes administrativos ao ordenamento
    jurídico brasileiro determina ao Poder Público a obrigação de respeitar as suas
    próprias decisões e interpretações repetidas. Desta forma, é uma norma que que
    atribui obrigatoriedade aos precedentes indiretamente vinculantes à Administração
    Pública, em obediência ao princípio da legalidade. O texto do artigo 30 da Lei n. 13.655
    de 2018 dispõe que:
    As autoridades públicas devem atuar para aumentar a segurança jurídica na
    aplicação das normas, inclusive por meio de regulamentos, súmulas
    administrativas e respostas a consultas. Parágrafo único. Os instrumentos
    previstos no caput deste artigo terão caráter vinculante em relação ao órgão
    ou entidade a que se destinam, até ulterior revisão.
    O dispositivo em voga obriga o administrador público a velar pela segurança
    jurídica na aplicação das normas, o que pode ocorrer por intermédio de regulamentos,
    súmulas administrativas e respostas às consultas. Neste sentido, o parágrafo único
    expressa claramente que os regulamentos, súmulas administrativas e respostas a
    consultas possuem caráter vinculante, de forma que se evita posições divergentes
    numa mesma esfera da administração (COSTA, 2019).
    Ao este fenômeno costuma denominar teoria dos precedentes administrativos,
    em razão de impor ao Poder Público brasileiro o respeito às suas próprias decisões e
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    interpretações reiteradas. Trata-se, portanto, de norma autorizativa, que obriga o
    respeito aos precedentes indiretamente vinculantes à Administração Pública, com
    fulcro no princípio da legalidade.
    Oliveira (2018) pontua que a lista constante da norma não é taxativa, de modo
    que qualquer outra forma de interpretação tem que ser divulgada, bastando que
    tenham caráter vinculante. Tal dispositivo não tira da Administração Pública a
    obrigação de publicar entendimentos emitidos em instrumentos não vinculantes, em
    virtude do dever geral de publicidade e transparência previsto no artigo 37 da Carta
    Magna.
    Marques Neto e Freitas (2018) defendem que a Lei 13.655 é uma forma de
    aproximação entre o sistema jurídico Romano-Germânico e a common law, e o direito
    administrativo brasileiro é um peculiar fruto de um sincretismo entre os dois sistemas.
    É, nesse quadrante, que passa a vigorar o artigo 30 da Lei 13.655/ 2018 (Lei da
    Segurança para a Inovação Pública), de acordo com o qual as autoridades públicas
    devem atuar para aumentar a segurança jurídica na aplicação das normas, inclusive
    por meio de regulamentos, súmulas administrativas e respostas a consultas.
    Não obstante a pertinência da crítica, o próprio dispositivo avaliado há previsão
    da possibilidade de ulterior revisão, o que confere elasticidade ao ordenamento. Além
    disto, a Lei 13.655 apresenta como ponto chave a estabilidade das decisões
    expedidas pelo Poder Público, notadamente às do Executivo, sendo possível alterá-
    la, em que pese a notável carência da devida fundamentação jurídica e fática.
    3.5 Vinculação dos atos normativos expedidos e segurança jurídica
    Oliveira (2018, p.3) explica que está implícito nos artigos 29 e 30 a garantia do
    máximo de clareza acerca das “regras do jogo” antes da efetiva prática de um ato
    administrativo ou edição de normativa pela Administração Pública. Isto se harmoniza
    por meio da garantia de participação dos envolvidos na elaboração dos atos
    normativos regulatórios, através de consulta pública (art. 29); 2). Na vinculação dos
    precedentes administrativos, expressos através de súmulas, pareceres vinculantes,
    regulamentos, portarias e etc. (art. 30).
    A vinculação das penalidades aplicadas nas instâncias civil, administrativa e
    penal encontra previsão expressa no § 3° da Lei 13.655/18, onde determina que “as
    sanções aplicadas ao agente serão levadas em conta na dosimetria das demais
    13
    sanções de mesma natureza e relativas ao mesmo fato”. Sublinha-se que, embora
    obrigatória a devida compensação entre as sanções aplicadas nas diversas instâncias
    (administrativa, civil e penal), a fim de evitar eventual bis in idem, há quem defenda
    que a medida viola o princípio da independência das instâncias (COSTA, 2019).
    4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
    O Brasil é um país muito rico em legislação, fato que incide numa maior
    necessidade de harmonização das normas legais, a fim de não gerar decisões
    dissonantes em casos semelhantes. Um mesmo tribunal profere diversas decisões
    diariamente, o que, na prática, pode acabar levando à ocorrência de contradições
    flagrantes entre decisões emanadas de um mesmo colegiado.
    Neste contexto, a Lei 13.655/18 trouxe importantes alterações à legislação
    brasileira como um todo, o que suscitou uma série de discussões, em que pese ser o
    posicionamento majoritário no sentido de que a mesma representa relevante
    instrumento de valorização e confiança, contribuindo para a segurança jurídica no país
    e, ainda, para o cumprimento do princípio da isonomia. Outro ponto bastante discutido
    refere-se à aplicabilidade desta nova norma, por vincular as decisões presentes e
    futuras à observância dos precedentes.
    De acordo com as pesquisas realizadas, o sistema de precedentes é
    compatível com a Constituição Federal brasileira, pois atende a preceitos
    constitucionalmente positivados no Brasil, o que revela a relevâncias de sua adoção
    pelos aplicadores do direito.
    O instituto do precedente apresenta características próprias, as quais o
    distingue dos outros institutos. No caso específico das decisões administrativas,
    verifica-se que é ainda mais importante uma sincronia e harmonização do teor das
    decisões, a fim de se ter um tratamento harmônico, isonômico e sistematizado das
    questões levadas ao Poder Público, o que implica na obrigatoriedade da aplicação da
    teoria Stare Decisis, que vincula tais decisões à conformidade com os precedentes
    daquele órgão.
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Sebastiao Parreira
Sebastiao Parreirahttps://spcriminal.adv.br
Advogado — OAB/GO 37.366; Formado em Direito pela Universidade Salgado de Oliveira em 2011; Professor universitário — Direito Penal parte geral e especial; Especializado em Ciências Criminais pela ESUP; Conselheiro da Associação Nacional da Advocacia Criminal — ANACRIM; Advogado criminalista reconhecido pelos serviços prestados em prol da Advocacia Criminal do Estado de Goiás; Advogado com influência no judiciário do estado de Goiás.

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