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quarta-feira, 24 de julho de 2024

Walküren – As Três Marias

Capítulo Vinte e Nove

Izabel estava impaciente. Sentia que alguma coisa estava errada. Não sabia exatamente o que seria, mas sentia uma energia negativa no ar. Somente tivera essa sensação antes quando ela  e Graça resolveram sair pelo mundo em busca de aventuras… e dinheiro. Estranho, fazia tempo que não se sentia assim. Foi depois da conversa que tivera com Juca na noite anterior, antes de caírem no sono. Engraçado, ela nunca havia pensado em seu casamento… até agora. E quando começou a pensar, sua consciência ficou um pouquinho pesada… só um pouquinho. Durante todos esses anos de casamento ela não foi realmente a esposa que seu marido merecia. Na verdade, ela o tratava como um serviçal… mas nunca havia percebido esse seu jeito de agir…

A ultima encomenda foi entregue no prazo estipulado. Algumas senhoras da região iriam com seus esposos para um grande baile na Capital Federal, em homenagem a Campos Salles, Presidente do País. Claro que esse era um acontecimento sem igual, afinal apenas os mais influentes da Sociedade foram convidados para essa recepção, que tinha como principal objetivo do Governo Federal conseguir aliados para continuar o regime em vigor… afinal, em dois anos haveria eleições para escolha de um novo mandatário…

Encomendas entregues, Izabel pôde respirar tranquilamente uma vez mais. Tinha ainda que resolver o impasse com a CTI, mas de repente não lhe parecia mais ser algo tão urgente… Bem, teria que repor o estoque de Graça, pois usara quase todo o tecido que a amiga tinha disponível. Resolveu que faria uma visita à fábrica de tecidos no dia seguinte. Aquela manhã agradável pedia um passeio ao ar livre. Distribuiu as ordens para suas funcionárias e resolveu fazer algo que a muito não fazia… cavalgar um pouco na região das montanhas. Vestiu a roupa de vaqueira que estava guardada em uma caixa em sua sala e saiu em direção ao estábulo. Sim, havia um estábulo no final da rua principal e Corisco, seu cavalo baio, ficava ali esperando que ela necessitasse de seus serviços…

Por volta de meio dia Juca chegou na loja. Precisava conversar com Izabel sobre alguns problemas com a loja que ele detectara durante os dias que permaneceu no comando. Eram coisas simples, fáceis de resolver, mas que se não fossem providenciadas o mais rápido possível poderia ter consequências drásticas no futuro. Ficou surpreso ao saber que sua esposa havia saído para cavalgar. Afinal, fazia já algum tempo que ela não praticava equitação…

Izabel estava próxima das montanhas da Mantiqueira. Ora galopava desenfreadamente, ora ia num passo lento… Corisco obedecia seus comandos. Era um animal dócil, ao menos para ela. Engraçado, além de Izabel ninguém mais conseguia montar o animal… ela estava já a um bom tempo correndo pela planície quando avistou ao longe a figura de um outro cavaleiro. Estava muito longe para identificar quem seria.  Resolveu apear e ficar atenta ao horizonte… afinal, estava sozinha em um lugar ermo… por precaução, tirou o revólver que estava guardado no alforge e o colocou na cintura, nas costas. Não desejava ser surpreendida.

Depois de alguns minutos percebeu que era uma amazona que se aproximava. Ficou um pouco mais tranquila. Mas resolveu não baixar a guarda até que a pessoa chegasse mais perto. Ficou surpresa quando identificou a recém chegada… era Rosa, que assim com Izabel, também havia resolvido cavalgar pela serra…

– Menina, você por aqui?!!…

– O mesmo digo eu… não deveria estar na sua loja?

– Sim… e você tinha que estar na sala de aula…

– Sei lá… de repente me deu vontade de largar tudo e sair pelo mundo….

– Engraçado… sabe que aconteceu a mesma coisa comigo? De repente senti uma necessidade inexplicável de vir para cá…

– Vir para onde?

– Não sei… o que eu sei é que meu desejo era seguir por aqui… ir até aquela nascente, lá na montanha…

– A da mãe d’água?

– Essa mesma… 

– E se eu disser que tive o mesmo desejo?

– Sei lá… é no mínimo estranho, não é?

– Sabe o que deixaria isso ainda mais estranho?

As duas se voltaram para o horizonte e perceberam mais um cavaleiro correndo pela planície… e acabaram falando juntas…

– Se aquele cavaleiro que está vindo ao longe for a Graça…

Se olharam, espantadas… afinal, as duas pronunciaram as mesmas palavras, sem uma única divergência. E mais espantadas ficaram quando a figura se aproximou e puderam identificar a amiga que deveria estar bem longe dali, pois morava em outra cidade… mas o que estava acontecendo?

– Oi, meninas… resolveram respirar o ar das montanhas, também?

As três riram juntas. Graça apeou e as moças se abraçaram efusivamente. Mas ao mesmo tempo aquele ar de estranhamento estava visível no rosto delas… por que se sentiram impelidas a seguir até ali? E como é que as três acabaram se encontrando no mesmo local, se o espaço do sertão era tão grande e não haviam combinado nada? Bem, com certeza acabariam por descobrir…

– E agora?

– Agora, o que?

– O que fazemos?

– Sinceramente?  Não sei…

Graça olhou para as duas companheiras. E resolveu tomar o controle.

– Meninas, vamos para a Nascente da Mãe D’água…

Izabel e Rosa se olharam, espantadas… o que estava acontecendo? Porque, de repente, as três se reuniram ali, naquele fim de mundo?  e porque estavam sendo impelidas a se enfiar no meio da mata, em direção a um local considerado assombrado? Bem, só tinha uma forma de descobrir… seguir em frente… mas…

– Graça, a nascente é meio longe…

– E daí?… 

– Daí que só vamos chegar lá no cair da noite…

– Ué, a gente acampa lá…

– Eu, tudo bem… você também. Mas a Bel tem marido e filhos para cuidar…

Graça olhou para Izabel…

– Você vai para casa?

Izabel ficou alguns instantes pensativa. Então falou…

– Não, a gente vai para a nascente. Não tenho a menor ideia do por que, mas sinto que preciso fazer isso…

– E depois?

– Depois, o que?

– Ué… a gente passa a noite por lá…

– Tá, mas…

– Não sei vocês… mas eu trouxe comida para mim… de qualquer forma, a gente pode caçar… ou pescar nosso jantar.

– Se você está falando… engraçado, antes de sair, peguei uma manta de carne seca…

– Eu também… e café… algumas panelas, um bule…

– É como se a gente soubesse que ia passar a noite fora, não é mesmo?

– É estranho… mas foi assim comigo…

– Quando você chegou em Quiririm, Graça?

– Acho que umas dez horas… peguei o primeiro trem, hoje de manhã.

– Mas… por que?

– Sei lá… de repente, senti uma vontade louca de vir para cá… sabe, um desejo incontrolável… e aqui estou eu…

– Eu não fui para a Escola, hoje… simplesmente arrumei minhas coisas, selei meu cavalo e sai pelo mundo…

– Engraçado… depois de entregar minha última encomenda, hoje de manhã, deixei a loja com minhas empregadas e também parti pelas campinas…

Graça tomou a frente, outra vez. Montou seu cavalo, convidou as parceiras a fazer o mesmo…

– Meninas, só tem um jeito da gente descobrir o que está acontecendo conosco… vamos embora…

E as três saíram a galope em direção à montanha, sem saber exatamente qual seria seu destino…

Tania Miranda
Tania Miranda
Trabalho na Secretaria de Estado de Educação do Estado de São Paulo e minha função é "Agente de Organização Escolar", embora no momento esteja emprestada para o TRE-SP, onde exerço a função de "Auxiliar Cartorário". Adoro escrever, e no momento (maio de 2023) estou publicando meu primeiro livro pela Editora Versiprosa...

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