Neymar Jr, nosso espelho

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São quatro horas da manhã. Sento-me para iniciar a crônica deste fim de semana ainda sob a forte e boa impressão que a seleção brasileira me deixou há poucas horas no jogo contra o Uruguai, nosso tradicional adversário e pelo qual a minha geração tem um temor indelével. Sempre haveremos de ter medo de que de um momento para o outro, surja no campo, comandando as ações do esquadrão azul, o grande capitão de 1950, Obdúlio Varella, e o leve outra vez a vitória improvável. Cada time, assim como cada exército, sabe que deve suas melhores vitórias a condução de seu líder, de seu comandante.

Ao terminar o jogo, liguei para um dileto amigo, que não declinarei o nome, meu parceiro de sofrimentos com a fidelidade que temos pelo Vascão, e recebi dele, como resposta, o balde de água fria: “Também, o Uruguai está um bagaço”, com o que não concordei e retruquei que quando os dois contendores estão ruins o jogo é medíocre e que não foi o que aconteceu.

O Brasil jogou um “bolão”, Neymar foi o diapasão que afinou os instrumentos daquela banda, foi o maestro de alto astral, comandante à frente das ações, puxando os seus à vitória. Que contraste com o Neymar Jr do jogo anterior contra a Colômbia!

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Claro que ninguém pode esperar desempenhos excepcionais a cada jogo, até porque, pela regularidade, deixariam de ser excepcionais. Mas fica óbvio para o observador atento que algo errado está ocorrendo com o atleta quando o seu desempenho despenca. Pode ser um problema físico ou de qualquer outra natureza. As declarações do nosso craque após aquele malfadado jogo, logo esclareceram a origem do problema, que, aliás, já é conhecido dos brasileiros: as condições emocionais do nosso principal atleta são insuficientes para suportar o grande futebol que possui e todas as consequências que daí decorrem.

A última década do futebol mundial, no meu entendimento de antigo, mas ocasional apreciador desse esporte, sem pretender ser seu analista, teve e tem, ainda, três nomes em destaque por suas qualidades técnicas. Messi, Cristiano Ronaldo e Neymar, sendo este o mais jovem deles.

Observando-lhes as carreiras, penso que não erro ao afirmar que o argentino e o português madeirense têm conduzido seus projetos de vida esportiva com maior, digamos, profissionalismo, amadurecimento, evitando exposições mediáticas negativas para suas imagens públicas, que o nosso, outrora, garoto de ouro. Próximo de completar 30 anos, o grande craque brasileiro tem que se encontrar a si mesmo. Inteligência emocional, o famoso QE, é só o que ainda lhe falta para que ele conquiste todo o reconhecimento pelo talento que tem.

Como figura pública de destaque, Neymar pode e deve ser tomado como espelho para nele, jovens e idosos, nos refletirmos e buscarmos avaliar nossos próprios procedimentos frente aos fatos do dia a dia. Ídolos também servem para isso. O craque tem a oportunidade de a imprensa mundial, sem nenhuma comiseração, falar de seus defeitos, problemas e idiossincrasias. Nós cidadãos comuns, ou os descobrimos por nós mesmos, ou corremos risco de cartões amarelos na intimidade do leito conjugal, ou até inconvenientes expulsões daquele prazeroso campo, com algumas partidas sem jogar, nos sendo até vetado treino e bate-bola.

Neymar irrita-se com críticas. Chega a explodir com a imprensa e agredir torcedores. Você já pensou como reage quando é criticado? Quando tem um trabalho seu merecendo ressalvas? Explode? Fica amuado? Zanga-se e pede seu boné?

Você aceita o contraditório de coração aberto? Ou é democrata enquanto encontra ressonância dos outros no que você pensa? Se não for assim você se irrita e fica amuado?

Por que Neymar deixou o Barcelona? Apenas por mais dinheiro? Ou por que o brilho de Messi o incomodava, o ofuscava e ele precisava se afastar para brilhar em outro céu?

Os grandes jogadores, principalmente os armadores de jogadas, são cassados em campo, Neymar é um deles. Sabendo disso ele procura tirar vantagem simulando faltas. Você também simula situações explorando eventual fragilidade que apresente?

Todos os ambientes humanos são competitivos e conflituosos. No futebol, por exemplo, os jogadores correm sempre o risco de perderem a titularidade para o reserva. Você tem capacidade de conviver em ambientes conflituosos e render bem neles?

Tolerância é uma via de duas mãos. Você é equânime quanto à largura e à velocidade das pistas nos dos dois sentidos?

O “garoto Neymar” deixou de ser garoto, pesa em seus ombros o desejo dos brasileiros de alcançar o hexa, mas se a taça não vier não será nenhuma catástrofe. O que esperamos é que nessa luta ele se encontre.

O crescimento e a estabilidade emocional deve ser desafio para todos nós, interminável procura ao longo de toda a existência. Ninguém está pronto, nunca. Essa é a grande conquista da vida, o conquistar a si mesmo! Para Neymar Jr e para cada um de nós.

Crônicas da Madrugada.

Autor:

Danilo Sili Borges, membro da Academia Rotária de Letras do Distrito Federal. ABROL BRASÍLIA. Brasília – Out.2021
danilosiliborges@gmail.com

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