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sábado, 23 de novembro de 2024

Carf: após retorno de voto de desempate pró-governo, especialistas analisam PLO  

Senado aprovou, em votação apertada, o PL 2384/2023 que reestabelece o voto de qualidade para o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf). O projeto de lei passou pelos senadores com 34 votos favoráveis e 27 contra.

Na prática, o voto de qualidade significa que, quando houver empates em julgamentos, o presidente do Carf vai ter de dar o voto de desempate. Nesse caso, serão excluídas multas e juros cobrados dos contribuintes. Vale lembrar que o Carf é vinculado ao Ministério da Fazenda que julga dívidas dos contribuintes com a Receita.

O voto de qualidade foi extinto em 2020, pelo governo anterior. Com isso, o empate favorecia a vitória para o contribuinte. Agora em janeiro, o governo atual publicou a Medida Provisória (MP) 1.160, que devolveu o voto de desempate em decisões do Carf. A MP foi substituída pelo PL e foi aprovado pelo senado.

Agora, o Ministério da Fazenda prevê que a medida vai permitir um reforço de R$ 60 bilhões por ano aos cofres públicos. A publicação da MP e aprovação do PL gerou debates entre especialistas.

Para Leonardo Roesler, advogado especialista em direito tributário, a retomada de tal voto, atribuindo ao governo o poder de desempate em disputas fiscais, pode ser vista como uma medida que vulnera o princípio da isonomia e da imparcialidade no julgamento dos litígios tributários.

“A Lei 13.988 de 2020, ao extinguir o “voto de qualidade”, conferiu maior equidade às deliberações no âmbito do Carf. Isso ocorre porque, sob a égide dessa lei, qualquer empate em votações favoreceria os contribuintes, o que se alinha aos princípios do direito tributário, como a estrita legalidade e a capacidade contributiva. A regra anterior refletia uma postura mais equilibrada e justa na resolução de disputas fiscais”, explica.

Para Leonardo, a aprovação do PL 2384/2023, com a justifica de aumentar a arrecadação fiscal da União, é preocupante. “Isso pode subverter os alicerces do Estado Democrático de Direito, ao conferir poderes quase unilaterais ao governo em questões fiscais. Esse PL pode restringir as garantias dos contribuintes, enfraquecendo o devido processo legal e o contraditório, elementos basilares da justiça fiscal”, afirma o especialista.

Sobre o aumento dos R$ 60 bi, o especialista acredita que o PL ignora o custo social e a desconfiança que tal medida pode gerar no ambiente de negócios do país.

 “É essencial considerar o impacto negativo que uma decisão unilateral em favor da Fazenda Nacional pode causar, podendo, inclusive, afugentar investimentos externos. Entendo que seja fundamental que qualquer modificação na estrutura de julgamento do Carf seja debatida amplamente, com a participação da sociedade civil e dos setores interessados. A retomada do “voto de qualidade” em favor da Fazenda Nacional, conforme proposto pelo PL 2384/2023, desafia princípios básicos de justiça fiscal e democracia participativa, requerendo, portanto, um escrutínio cuidadoso e ponderado”, conclui Leonardo Roesler.

Para Barbara Pommê Gama, advogada tributarista e sócia do Dalazen, Pessoa & Bresciani Advogados, vale ressaltar que, diferente do que muitos pensam, o voto de qualidade não é uma anomalia do CARF. Pode ser verificado também, por exemplo, no âmbito do Tribunal de Impostos e Taxas do Estado de São Paulo. É, na realidade, um instituto comum no âmbito dos tribunais administrativos paritários.

“Nestes órgãos, a metade dos julgadores deriva de representantes do fisco e a outra de contribuintes, devidamente indicados por entidades de classe. A ideia primordial é assegurar o equilíbrio de posicionamentos no tribunal, mas resulta, muitas vezes em um conflito ideológico e, consequentemente, em um empate entre contribuintes e fisco, especialmente quando falamos de matérias polêmicas como aproveitamento de ágio por meio de sociedades interpostas. Muitos são os argumentos a favor do contribuinte, especialmente a aplicação análoga do princípio penal do “in dubio pro reo” que determina a prevalência da inocência do réu, em caso de dúvidas.
“, explica.

Ainda segundo a especialista, “o principal problema do voto de qualidade é que, quando proferido em desfavor do contribuinte, a decisão administrativa é definitiva e para voltar a discutir no judiciário a matéria que, claramente, não está pacificada, o contribuinte terá que garantir débitos milionários ou depender de suspensão da exigibilidade por meio de medida liminar. Se, porém, o voto fosse sempre a favor do contribuinte em casos de empate, a decisão extinguiria o débito de forma definitiva através da coisa julgada administrativa, o que também não parece razoável”, declara.

A tributarista acredita que garantir a suspensão imediata do débito tributário mantido por meio do voto de qualidade seria um posicionamento razoável. Assim, os contribuintes poderiam levar a discussão ao judiciário sem necessidade de apresentação de garantia.

“De um lado, como cidadãos, asseguraríamos que débitos milionários não fossem indevidamente desconstituídos em razão de um único voto. Por outro lado, como contribuintes, teríamos assegurado o direito à discussão sem penalização financeira e constrição patrimonial”, finaliza Bárbara Pomme Gama.

Autora:

Larissa Passos

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