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sexta-feira, 26 de julho de 2024

A taça de cristal

Capítulo Sessenta e Nove

Ninguém entendeu muito bem o que aconteceu quando as duas rolaram escada abaixo… Helena, que havia sido derrubada, levantou-se como um relâmpago e atirou-se escada abaixo, como se estivesse pulando de um trampolim para uma piscina. Estela, que até então estava distraída, conversando com o ex cunhado, virou-se e correu em direção à escada. Mario ficou olhando tudo isso acontecer, sem poder esboçar qualquer reação, pois em pouco mais de um segundo tudo havia terminado. Como eu disse, ninguém conseguiu entender o que estava se passando… Helena segurou Cecília pelo braço, impedindo-a de continuar caindo, e Estela simplesmente pegou sua mãe no colo, em pleno ar, interrompendo a queda que, se completa, poderia ser fatal. Estela depositou gentilmente sua mãe no sofá, que a olhava incrédula… como ela conseguiu pegá-la daquela maneira? Cecília e Helena estavam lado a lado, de pé, mais ou menos na metade da escada. Mario continuava com as duas mãos no rosto, pois ainda não processara o que acabou de presenciar. Quanto a Ricardo… bem, ele estava simplesmente de boca aberta, sem conseguir entender toda a ação que se desenrolara em sua frente.

Quando finalmente conseguiu esboçar alguma reação, Mario desceu lentamente a escada, chegando até onde as meninas estavam paradas.  Então, os três acabaram de descer os lances de degraus que faltavam, até que estavam em frente ao sofá, onde Estela e Janete se encontravam…

– Janete… como está se sentindo?

A mulher ainda estava meio apalermada com tudo o que acabara de ocorrer… ainda não havia processado os últimos acontecimentos. Então, de repente, levantou-se e encolheu-se, ao ver Cecília em sua frente….

– Você… você tentou me matar!

A moça olhou para sua mãe. Não havia surpresa estampada em seu rosto. Aparentemente o que a mãe falava não era novidade para ela… na verdade, Cecilia olhava para sua genitora com um misto de pena e decepção. Como ela pôde fazer aquilo? Trazer para sua casa alguém indesejado e ainda por cima, tentar obrigá-la a aceitar o fato como se fosse algo perfeitamente normal? Levando tudo isso em conta, acusa-la de tentar matar sua mãe era nada… o que Janete se esquecia convenientemente era que quem começou toda a situação foi ela, e não sua filha…

– A senhora está bem?

Janete encolheu-se toda com a aproximação de sua filha. Cecília limitou-se a olhá-la mais uma vez… virou-se, voltou a subir as escadas e, dali a alguns minutos, estava se retirando da residência.  Mario a seguiu até a porta…

– Para onde você vai, Cecí?

– Para a casa de Helena, pai. Para a minha casa…

– Está certo… me liga quando chegar lá?

– Não se preocupe… ligo, sim…

Helena também já estava na porta, ao lado do pai e da irmã…

– Se você acha que vai sozinha, está muito enganada…

– Lena, fica aí… dá uma força para o papai e a Estelita… eu me viro sozinha…

– Mas nem pensar… estou com fome e o jantar aqui miou… a gente vai comer alguma coisa… que tal uma pizza?… e depois vamos para casa. Tchau, pai… cuida dessa casa de doido o melhor que puder…

– Pai, o senhor sabe que, tão cedo, não volto aqui, não é mesmo?

– Sim, filha… eu entendo! E acho que é o melhor, mesmo…

Se despediram, e as duas moças ganharam a noite escura… Mario ficou vendo-as desaparecer nas brumas e ficou pensativo. Que confusão Janete conseguiu armar… e tudo porque havia enfiado na cabeça que tinha porque tinha que fazer sua filha aceitar o ex de volta em sua vida… mas porque ela tinha que ser assim, por que ela não conseguia aceitar uma decisão tomada por alguém? Por que ela achava que estava sempre certa e o mundo à sua volta, todo errado? Bem, dessa vez ela exagerara…  o pior é que ele sabia que não tinha como encostá-la na parede e fazê-la entender que estava errada em seus pontos de vista… se nem o padre conseguia isso, como é que ele poderia fazê-lo?

Depois de algum tempo parado, olhando para a rua onde suas filhas haviam sumido, Mario retornou à sala. Ricardo permanecia sentado, ainda sem conseguir entender exatamente o que havia ocorrido naquele local. Estava como que em um transe, onde não conseguia despertar para a realidade à sua volta. Mario passou por ele, e nem mesmo dirigiu-lhe um olhar. Foi até onde sua esposa estava, pegou sua mão, sem dizer nada. Janete estava parada, com o olhar perdido no infinito, ainda não acreditando em tudo que ocorrera naquela noite. Finalmente olhou seu marido nos olhos…

– Mario, ela tentou me matar!

– Sinto muito, Jane, mas isso não é verdade. Vocês duas se enrolaram por sua culpa! A menina estava indo embora e você tentou impedi-la…

– Ela não podia ter feito isso comigo…

– Você é que não podia ter feito o que fez…desculpe, mas você está errada…

Saindo do torpor em que se encontrava, Ricardo, todo sem graça, sem saber como agir, dirigiu-se ao patriarca da família…

– Seu Mario… eu… eu não sei o que dizer… eu…

– Rapaz, só posso te dizer uma coisa…você não é o único culpado da situação… na verdade, a maior culpada é a Jane… ela não tinha nada que fazer as coisas da forma que fez…

– Seu Mario, eu… eu…

– Olha, vou te pedir só uma vez… por favor, se retire… me desculpe, a culpa não é sua… mas depois do ocorrido, sua presença aqui nessa casa não é bem-vinda…

Ricardo abaixa a cabeça e se dirige para a saída. E a raiva por Cecília voltou a crescer em sua mente. O rapaz ganha as ruas e se perde pela noite. Finalmente o que resta da família no recinto está reunida… Janete, ainda sentada no sofá, Selene, alheia a tudo o que acontece ao seu redor, brinca com sua boneca de pano, Estela, que se senta ao lado da filha e Mario, que após trancar a porta, se dirige a sua esposa…

  – Agora, que só estamos nós aqui… poderia, por favor, me explicar que diabos você estava pensando quando armou toda essa confusão?

– Eu não armei confusão nenhuma! A culpa é toda da Cecília!

– Janete…

Mario respirou fundo! As palavras que vinham à sua boca não podiam ser ditas… ficou em silêncio por alguns minutos. Dava para se ouvir o som do bater de asas de uma mosca, tal a ausência de sons que tomou conta do recinto… finalmente, controlando suas emoções, Mario perguntou…

– O que você estava pensando quando convidou esse moço para vir aqui em casa, criatura de Deus? 

Tania Miranda
Tania Miranda
Trabalho na Secretaria de Estado de Educação do Estado de São Paulo e minha função é "Agente de Organização Escolar", embora no momento esteja emprestada para o TRE-SP, onde exerço a função de "Auxiliar Cartorário". Adoro escrever, e no momento (maio de 2023) estou publicando meu primeiro livro pela Editora Versiprosa...

2 COMENTÁRIOS

    • Na verdade, já estamos na reta final… o último capítulo será publicado sexta feira. E na segunda começa a nova novela… “WALKÜREN, As Três Marias”… espero que continue me prestigiando na próxima novela. Muito obrigada.

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