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quinta-feira, 21 de novembro de 2024

O Cãozinho Sábado

Nunca tive do que me queixar de minha família, mas naquela semana fui tratado como um rei (e dos bons). Meus filhos não me pediram um centavo sequer e, quando ia fazer minhas tarefas, encontrava tudo (muito bem) feito e os benfeitores não se identificavam. Ao longo da semana saboreei meus pratos e sobremesas preferidas e na sexta-feira à tarde meu chefe me disse para tirar o sábado de folga.

Meu heavy metal estava gentilmente um pouco acima do volume estabelecido pelo plebiscito familiar, minhas doses de whisky generosamente aumentadas e a cerveja, ainda mais gelada. Cheguei a pensar que estivesse com “os dias contados” e não soubesse de nada, mas tudo não deveria passar de uma incomensurável coincidência e a sensação de que algo estaria para acontecer seria pura tolice. Tive uma boa noite de sono, despreocupado com o trabalho de sábado e acordei com os dois cachorros fazendo uma verdadeira festa e quase subindo na cama. Que maravilha.

Levantei-me, fui lavar o rosto e… espere aí… dois cachorros?! Então era isso!!! Todos me deviam uma explicação (convincente). Fui para a cozinha onde já era aguardado para um café da manhã que mais se parecia com um último desejo, de tão variado e completo. Sorridentes cumprimentos de bom dia não seriam suficientes para me dobrar e perguntei quem gostaria de começar (a se explicar).

Bom… no dia seguinte faria um ano que estávamos com Domingo, um cãozinho de rua que nos adotou. Acharam que estava só e que o ideal seria que tivesse uma companhia (que também precisava de um lar). Só isso. Mas qual o motivo de um tratamento vip antes do golpe? Disseram-me que nada mais era que um agradecimento e que não havia relação com Sábado (que nome horrível!!).

Perguntei se no ano seguinte haveria outro cão e assim sucessivamente até termos um para cada dia da semana ou para cada dia do mês (aí passaríamos a enumerá-los), mas me garantiram que não. Apenas a semana vip seria mantida. Claro, concordei. O arrependimento só viria quando marcávamos consultas na clínica veterinária pois sempre nos diziam que não atendiam aos sábados e domingos.

A garagem passou então a ter dois tapetes, duas vasilhas para água e outras duas para comida. A quantidade de ração e bugigangas caninas também dobrou, mas novamente fui abençoado com um animalzinho que não dava qualquer trabalho. Só precisamos inventar um código para mencionar estes dois dias da semana sem que os cachorros viessem até nós sem serem chamados.

Comprovadamente, as pessoas que adotam cães abandonados têm um retorno muito especial por parte destes animais. Mas neste aspecto somos ainda mais privilegiados. Afinal todos têm de esperar cinco dias para terem o final de semana, enquanto minha família e eu podemos curtir o Sábado e o Domingo diariamente.

Autor:

Miguel Arcangelo Picoli é autor do livro Momentos (contos) e Contos para Cassandra (em homenagem à escritora Cassandra Rios).

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