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domingo, 29 de junho de 2025

Seu Itamar e a Treze de Maio

Terça-feira é um dia da minha semana que tenho um compromisso muito diferente dos demais. O relógio anuncia que uma surpresa está por vir, nunca é igual, apesar do compromisso ser o mesmo. 15h45 pego o meu carro, faço uma reflexão, uma oração e me dirijo a outro bairro aqui na minha cidade, um bairro charmoso, arborizado, com uma praia da baia de guanabara mansinha, e ele carrega o nome de um santo, São Francisco. 

O caminho é bem agradável, tem uma estradinha cheia de curvas, de casas lindas, todas tem vista para o mar, umas porém de frente com a possibilidade de chegar de barco. Tem para vários gostos, as mais bonitas no meu ver são as que ficam no alto, vislumbram uma vista para poucos. Sem falar no pôr do sol que é único, com os barquinhos ao fundo, dá uma paz. 

Esse percurso me traz algumas reflexões, penso sobre a vida, sobre o envelhecer e como estou lidando com esse assunto tão presente na minha vida nesse momento, por diversos fatores, vejo meus pais passando por essa fase, eu própria, já com meus 52 anos, chegando aos 53. Não é uma fase fácil, mas aos poucos vou compreendendo que faz parte da vida e de alguma maneira aceitando suas consequências, ao mesmo tempo vou gostando mais de mim, me sinto mais madura, com menos cobranças e exigências, o olhar sobre as coisas tem tido novo significado. 

O sinal fecha, já estou próxima do meu destino. Faltam apenas mais quatro esquinas para virar à esquerda e assim chegar a casa do muro branco. Estaciono o carro sempre perto de uma árvore que toma conta do espaço da rua, as vezes não é tão fácil essa manobra, mas aos pouquinhos vou ajeitando dali, daqui e consigo me posicionar. Essa é uma rua fechada, reservada, consigo ouvir os passarinhos cantarem, as árvores são grandes, e as casas compõe o cenário, são convidativas para morar.

Abro a porta do carro, pego o meu violão, a pasta com as cifras das músicas, minha  veste branca e sigo em direção à casa. Toco a campainha e entro, na maioria das vezes minhas amigas já ali estão me aguardando. Quando entro olho para os quartos que ficam em cima, para lavanderia, e me sento no banquinho que fica no jardim. 16h é hora de entrar pela porta da sala. Naquele momento meu coração dá uma acelerada, fico sempre numa expectativa de como vou encontrá-los, em qual cadeira eles estarão sentados e se todos estão presentes.

Olho pela janela e vejo seu Itamar, sim, um senhorzinho de oitenta e cinco anos, com seu cabelo grisalho, está sempre vestido de moletom, todo arrumadinho para esperar a gente, outro dia entrei e o vi penteando seu cabelo, é vaidoso. Entro e vou cumprimentá-lo, ele me olha, abre um sorriso e me diz: que bom que você veio, você está bem? Hoje você trouxe o violão? Se a reposta é sim: ele fica numa felicidade tão grande! Ai como é bom despertar esse sentimento no outro. 

Com Seu Itamar desde quando comecei a frequentar a casa branca, nós tivemos uma empatia um pelo outro. Ele certa vez já me contou sua profissão do passado, quantos netos ele tem, filhos, o que gostava de fazer e que sua esposa era muito bonita. Um fato bem marcante para mim e ao mesmo tempo triste foi quando estávamos conversando em uma festinha de aniversário ali, e me fez uma pergunta desconcertante, mas acredito que tenha me saído bem na resposta. Raquel, você deixaria seu pai aqui nessa casa? Naquele momento veio um turbilhão de emoções no meu coração, é como se tivesse revisitado todos os meus conceitos sobre a minha visão sobre o envelhecer e suas limitações. 

Parei, respirei, e disse: Seu Itamar, eu não sei exatamente como é a sua história de vida, como é a sua família, sua convivência, as limitações das pessoas e o pensamento delas sobre a vida. Eu confesso que hoje não deixaria meu pai nessa casa branca, não conseguiria vê-lo aí, mas não posso julgar nem avaliar os motivos pelos quais o senhor está morando aí agora. O que posso dizer é que, no que depender de mim para te trazer alguma felicidade, bem-estar, eu assim o farei. Se o meu violão revisitar seu passado, te trazer boas lembranças, e se a música for um bálsamo para sua alma minha felicidade será enorme, minha missão estará cumprida. Pode contar comigo. Olho para ele nesse momento e vejo uma lágrima escorrer sobre seus olhos. Obrigada minha filha, você não sabe o bem que você me faz, o prazer é meu ter a sua presença e cia todas as terças feiras e poder cantar, ouvir você tocar o violão, isso não tem preço.

A celebração do dia vai terminando, aquele encontro é sempre único. Quando pego o violão para cantar a última música ele me olha e diz, posso puxar a Treze de maio? Eu digo: é claro, quero ouvir você cantá-la lindamente, eu apenas vou te acompanhar. Ele me olha, empina sua postura, e começa a cantar. De repente o coro se faz presente, todos o acompanham, a sala toda revisita aquele momento do passado, as lembranças que ficaram, as boas, e vejo em cada olhar aquele momento sublime, a música tem esse poder, como é lindo ver aquela entrega, o som invade as paredes da sala e todos são envolvidos por aquela energia do bem. 

Ai, como é bom ter o privilégio de conviver com seu Itamar, como ele me ensina. Me despeço dele todas as terças -feiras na certeza de que quero encontrá-lo bem na semana seguinte, ali sentadinho na sua cadeira cinza, perto da porta e poder viver novamente muitas trezes de maio, de junho, de julho…Que Jesus o proteja todos os dias!

Autora:

Raquel Pádua

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