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sexta-feira, 26 de julho de 2024

A taça de cristal

Capítulo Sessenta

Domingo, sete horas da manhã… Helena, Cecília e Estela, junto com a pequena Selene, se preparam para passar o dia fora. Mario e Janete terminam de arrumar as malas… a família resolveu passar uns dias no interior. Pretendem ir para a região da Serra da Mantiqueira, uma vez que é ali que eles têm suas raízes.  Não sabem ainda para onde vão, pois não pretendem ficar na casa de parentes. Helena decidiu que escolheriam uma cidade aleatória. E assim partiram em direção à serra, prontos para desbravar “o desconhecido”… Tanto Cecília quanto Helena andavam estressadas, culpa dos pesadelos recorrentes… além disso, o fato de estar desempregada fez com que a garota ficasse mais preocupada que o normal. Não que estar inativa fosse um problema imediato para ela… mas o fato de não ter conseguido passar na experiência realmente a deixou arrasada… desde sua demissão que entrou em um estado de pré-depressão… como sempre, para sua mãe, tudo o que estava acontecendo era falta de ir à igreja… na terceira vez que mencionou seu parecer para Cecília a paciência da moça se findou… e ela explodiu, dando vazão a toda a sua frustração. Depois disso, Janete preferiu guardar para si suas opiniões.

O problema de Cecília começou… se é que se pode dizer assim… logo após o seu primeiro sonho como amazona. Não se sabe se foi por influência da história que seu pai contou, ou talvez pelo seu estado de espírito nos últimos tempos, mas a garota começou a ter pesadelos recorrentes, sempre com o mesmo cenário ao fundo… ela, caracterizada de vaqueira, perseguindo alguém cujo rosto nunca vislumbra, pensa haver pego sua presa e acaba cercada por um grupo que começa a atirar em sua direção. Durante o sonho ela mantém a calma, procurando sempre se proteger contra a chuva de balas que vem em sua direção. Ela começa a se preocupar quando sua munição, tanto do rifle quanto dos revólveres, começa a acabar. E o ápice de seu sonho é sempre quando é ferida na perna direita… é sempre na perna direita… e suas armas estão completamente descarregadas… é quando ela acorda, empapada de suor, e não raro, sentindo uma dor lancinante na perna ferida no sonho…

Sim, Cecília não entende o por que desses sonhos… por mais que tente ver alguma lógica, não consegue vislumbrar nenhuma. Chegou até a comentar sobre o sonho com a sua psiquiatra… sim, ela também começou a frequentar a mesma psiquiatra que cuidava de Helena. Mas, assim como ela, a doutora também não conseguia encontrar nenhuma explicação plausível para tal devaneio onírico…

O que mais a intrigava era o último pensamento que tinha, antes de acordar…. “eu deveria ter ouvido a Rosa e a Graça”… não conseguia entender o significado de tal frase… sabia que era importante, embora tivesse certeza de que, mesmo que conseguisse compreender o significado da frase, em nada mudaria o desfecho da ação… sim, ela tinha certeza de que a sua personagem morreria no final, uma vez que antes de acordar sentia que quem quer que estivesse atirando estava se aproximando do local onde jazia ferida… e tinha certeza absoluta de que, se não tivesse acordado, presenciaria sua morte no mundo dos sonhos… aí ficava aquela dúvida que a atormentava… será que, se morresse em seu sonho, essa morte se refletiria no “mundo real”? Será que era por isso que ela acordava nesse momento, quando pressentias que o fim de sua personagem estava próximo? Eram perguntas que a atormentavam mais que a própria situação vivenciada durante seu pesadelo…

Helena olhava preocupada para sua irmã, enquanto avançava pela Dutra, sentido interior. Ficava se perguntando sobre o que Cecília pensava nesse momento. Sim, a irmã estava com os nervos à flor da pele, nos últimos tempos. O gatilho que acionara seu atual estado de espírito foi, sem dúvida alguma, a demissão de seu último emprego. Cecília sempre se considerara uma pessoa super competente… e ela realmente o era… e não conseguia aceitar que não tinha o necessário para trabalhar como uma simples auxiliar administrativa… justo ela, que era uma das melhores comunicadoras, sempre elogiada em todos os locais que já havia prestado serviço… ser descartada de um cargo tão simples, onde nada mais era exigido de seu intelecto além da capacidade de redigir memorandos, atender telefones e cuidar de documentação… serviço simples, que ela conseguia fazer de olhos fechados… e, no entanto… não, ela realmente não conseguia aceitar isso… e essa frustração talvez se projetasse em seus sonhos e, em consequência, em sua vida ….  

Mario também estava preocupado… afinal, Cecília, que era tão alegre… do seu jeito, é claro… nos últimos tempos andava sempre com uma aparência triste… seus olhos haviam perdido o brilho que tinha antes… era como se, de repente, se sentisse derrotada pelos problemas que surgiram em sua vida nos últimos tempos… nem os livros que ela tanto amava serviam para levantar seu moral… normalmente, quando recebia um livro novo de presente, ficava tão feliz que era impossível não se contagiar por seu entusiasmo com a leitura do novo romance que se encontrava em suas mãos. Mas, nos últimos tempos… Mario chegou a presentear a filha com um livro novo que encontrara na internet… como era mesmo o título do livro? “Anjos da Humanidade” de La Olive… era um livro de uma autora nova, mas era um de seus estilos de leitura favorita… afinal, misturava ficção com terror, romance e todos os ingredientes necessários para uma boa história… bem, embora ela adorasse ler, como já falei anteriormente, ela deixou o livro em cima da mesa e nem mesmo se preocupou em ler a sinopse… sim, a garota realmente precisava sair da cidade, respirar um ar mais puro… sair um pouco da rotina barulhenta e sufocante da cidade… quem sabe se, então, ela não voltaria a recuperar seu frescor de outrora? Essa era a sua esperança…

Até mesmo Estela estava preocupada com a irmã. Está certo, as duas viviam brigando… bem, isso foi antes de Selene nascer e Jairo falecer… depois desses eventos a perspectiva do mundo mudou radicalmente para a garota. Em todo caso, mesmo quando brigavam, mesmo quando a discussão entre elas era feia, no coração de Estela nunca surgiu o sentimento de rancor contra sua irmã… meia hora depois da briga ela já se arrependia. E, se ficavam dias e dias sem falar, era porque as duas eram orgulhosas em demasia, e nenhuma delas dava o primeiro passo de pedir desculpas para a outra… mas realmente não havia mágoa entre as duas… não aquela que realmente afasta as pessoas. E Estela estava preocupada. Afinal, desde que se separara de Ricardo que sua irmã estava batendo cabeça na vida. Primeiro, desapareceu pelo mundo, deixando todos preocupados… depois, quando retornou, seu ex começou a persegui-la… depois, arrumou um emprego e foi despedida… sim, as coisas realmente não estavam nada bem para sua irmã…

Janete também estava preocupada. Mas sua preocupação era quanto à salvação da alma de sua filha. Ela estava em pecado… havia se separado do esposo… e a única solução para o seu caso era se reconciliar com o mesmo e voltar a frequentar a Igreja… é claro que, quando externou seu pensamento para Cecília recebeu uma resposta que não vou reproduzir aqui, pois não é de bom tom as palavras que a moça disse para a sua mãe…

Tania Miranda
Tania Miranda
Trabalho na Secretaria de Estado de Educação do Estado de São Paulo e minha função é "Agente de Organização Escolar", embora no momento esteja emprestada para o TRE-SP, onde exerço a função de "Auxiliar Cartorário". Adoro escrever, e no momento (maio de 2023) estou publicando meu primeiro livro pela Editora Versiprosa...

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