1998 foi um ano onde marcou definitivamente minha vida, me encontrava apaixonada loucamente pela minha vida acadêmica, onde me sentia bem, feliz, tinha amigos e colegas que falavam a mesma língua, onde a sensibilidade era algo natural, víamos o mundo com as lentes da inovação, do desbravar do comum, onde tudo podia ser criado, onde tudo podia ser projetado, onde as regras nós quem fazíamos. Ai como tenho saudades de viver esse passado, não para ficar nele, mas ao menos para sentir aquela gota de orvalho na noite gelada em Roma, perto da Fontana di Trevi, quando assim decidimos que íamos fazer aquela viagem.
Escolhemos alguns países da Europa, Roma foi o lugar que mais me marcou. Sabíamos que viveríamos momentos inesquecíveis, uma experiência única. Ver as cores dos lugares, a arquitetura histórica, conhecer os sabores mais variados das comidas típicas italianas, ver as flores, respirar nos campos cobertos de alfazemas roxas que perfumavam nosso caminho.
Embarcamos no avião juntos, nas mochilas colocamos muitos sonhos, cada um tinha o seu. Nosso estilo era peculiar, um mais diferente que o outro, todos na sua moda particular. Queríamos desenhar e pintar uma nova história. Jovens ávidos por vencer e criar. Tínhamos uma coisa em comum, amávamos arte, design e tudo o que envolvia.
Estávamos diante de muitas transformações pessoais, onde o futuro e sucesso dependiam do nosso empenho e dedicação. Éramos divertidos, criativos e ousados. Andávamos pela cidade e a cada beco onde tinha algum tipo de arte a gente era abduzido. Eu, particularmente desde muito nova, sempre gostei de ouvir histórias e lá era um celeiro de boas delas e quantas oportunidades de trazer as mais variadas e sair aos quatro ventos para contar.
Às vezes ficava horas conversando com um artista. Nem sempre eu compreendia o italiano, de certo que línguas nunca foi o meu forte, mas com um pouco de boa vontade a gente falava o italiano aportuguesado. A arte era nossa linguagem, o modo de criar era o mais importante, as almas se reconheciam de imediato. Lembro especificamente de um que criava cadeiras, eram tão expressivas, diferentes que resolvi experimentar todas elas e perceber como era seu acolhimento.
Sim, as cadeiras trazem acolhimento e aconchego, essa é uma de suas funções. Sem falar nas formas bem trabalhadas, pensadas, nas cores, nos materiais, consigo até hoje sentir o cheiro daquele ambiente, de novidade. Parava, contemplava e queria sempre saber como tinha sido a inspiração do artista. Nem sempre é tão cartesiano e real, a imaginação às vezes toma conta da gente, move nosso lápis para traços curvos, retos, circulares, fazendo uma composição que dá certo, que compõe como uma música de Chopin.
Me lembro que em uma dessas visitas aos ateliers dos artistas, me deparei com um, na verdade o dele era diferente, a céu aberto. Seus materiais ficavam pendurados no tronco da árvore, a luz que iluminava seus quadros era sempre a do dia. Aquela cena me marcou tanto, porque no fundo sempre foi um dos meus sonhos. Pintar a céu aberto, deixar a energia do amor me cercar, me invadir e permitir que as pessoas pudessem se aproximar de mim, me observar e me acolher. Todos ali querendo ver o processo, como minhas mãos iriam conduzir as cores sobre a tela. Ai como eu me vi naquele rapaz, o nome dele era Romano, lembro das suas feições, tinha uma barba cerrada, seu estilo era underground, botinas nos seus pés e uma boina preta.
Ele olhava tão fixamente para sua tela, parecia que estava mergulhado naquele momento. As mãos iam tão levemente, delicadas como um lírio branco do campo. Nem o barulho dos carros e das buzinas ele era capaz de escutar, porque naquele momento sua paisagem era pura natureza, abstrata. Ele criava a sua própria realidade, ia para onde seu coração conduzia, tinha o poder da escolha. Era tão mágico tudo isso. Parecia que um dia eu seria o Romano, que viveria essas escolhas, me deixaria ser frágil, vulnerável e permitiria acesso dos olhares atentos da plateia, deixando minha alma pintar e encantar.
Aquela cena nunca mais saiu da minha cabeça. Porque sonhos a gente não deixa morrer, só colocamos nas caixinhas arquivadas.
A cada experiência vivida naquela viagem foi gerando transformações ao longo dos anos em todos nós. Não voltamos iguais. Não voltamos só designers, voltamos sensações, entrega e experiências. Desvelamos a nossa essência e os poros do nosso corpo exalavam as alfazemas dos campos, e aquela gente linda, criativa, feliz, vivendo, sentindo. Sendo! Sendo! Sendo! Consigo sentir o sabor de Roma, consigo sentir o frio de Roma, consigo enxergar o amor daqueles artistas por suas criações. Consigo ver Romano, consigo ver Raquel.

Autora:
Raquel Pádua
Parabéns pelo belo texto! Aguardando o próximo!
Obrigada! Que bom que gostou.
Uma viagem muito marcante para todos nós! Nunca irei esquecer de tudo que passamos e aprendemos.Ver o que líamos nos livros ao vivo foi muito enriquecedor.
Uma viagem inesquecível!