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sexta-feira, 28 de fevereiro de 2025

Acima do bem e do mal

Pelo que vemos estamos diante de novas situações que clamam por novas visões da realidade; a começar pela substituição do famoso jargão “você sabe com quem está falando?”, por outro muito mais impactante onde de diz “Sabe que eu sou? Sou desembargadora!”; foi isso que se presenciou no evento ocorrido no restaurante instalado dentro do Museu do Amanhã, na cidade do Rio de Janeiro, no último dia 27 do corrente, quando uma psicóloga em estado alterado ofendeu e agrediu uma chefe de cozinha e um auxiliar desferindo ofensas que não merecem ser aqui transcritas, mas que escancaram a atual postura de alguns membros da sociedade que se valem deste jargão para não apenas ofender, como também ameaçar pessoas que consideram “inferiores”1.

Ao que parece pessoas como essa mulher valem-se do novo jargão não apenas com o intuito de humilhar as demais a sua volta como exibir uma (falsa) aura de superioridade ao afirmar pertencer a uma categoria institucional a qual deve-se ter em alta conta por sua respeitabilidade e por exercerem um múnus público que também compõe o tripé sobre o qual assenta-se a República e o Estado Democrático de Direito. Seria triste não fosse patético, até mesmo porque fica a pergunta: como uma pessoa cuja profissão seja a de estudar a mente e o comportamento humanos procurando diagnosticar, compreender, explicar e orientar a mudança de comportamentos humanos2, possa adotar um comportamento absolutamente inadmissível sob qualquer ponto de vista?

Por outro lado, vê-se uma faceta preocupante no que diz respeito à alegação da citada psicóloga quando ela se vale de um título que não lhe pertence revestindo-o da personificação de “poder absoluto”, por meio do qual pode ela pôr-se acima do bem e do mal; uma hipótese encontra ressonância na atual atuação do Poder Judiciário cujos integrantes revestido de sua segunda pele que é a toga, agem da mesma forma, ou seja, colocando-se acima do bem e do mal. Acusações de venda de sentenças3, assédio sexual4 e má conduta quando investigados e apurados resultam na pena de aposentadoria compulsória com vencimentos proporcionais, condenação essa que aos olhos do cidadão médio não se revestem da devida punibilidade, criando uma situação de colocar-se tais pessoas também acima do bem e do mal.

A situação acima descrita abre oportunidade para que larápios falseiem documentos com o objetivo de apresentarem-se como magistrados com o único intuito de fraudar e cometer estelionato contra incautos que ainda veem na figura do juiz alguém digno de sua confiança, ou de outra forma mais escabrosa, valer-se desses falsos magistrados para auferirem vantagens pessoais5. Muito embora afirme-se que não é se sua autoria, mas sim um produto propagandístico a famigerada Lei de Gérson continua gerando frutos indesejáveis, e talvez valer-se da alegação proferida pela psicóloga citada no início deste texto seja um desses frutos, ou melhor um dos frutos mais detestáveis já concebidos. Esse é um cenário que acaba ocasionando a formação de uma opinião pública contrária à atuação do Judiciário, não reconhecendo nele uma instituição confiável.

Como explicar ao cidadão médio a restituição de bens apreendidos a um foragido da Justiça6? Como explicar que réu confesso de crime de feminicídio possa permanecer em liberdade? E o que se diz sobre um magistrado acusado de violência doméstica? Por mais que se queira justificar que tais ocorrências constituam desvios pontuais, fato inconteste é que o andar da carruagem indica uma situação caótica onde pode mais quem mente mais, algo inaceitável, mas perfeitamente possível. Autoridades antes de esperarem receber respeito público, devem fazer-se respeitar não apenas por sua conduta, mas também pela transparência de seus atos.

Assim como é reprovável e condenável a atitude de um profissional da área de saúde que atenta contra a dignidade e integridade daqueles que se encontram sob seus cuidados, também temos como inaceitável a conduta de um indivíduo revestido de poder previsto na Carta Constitucional aja não apenas contra os princípios aos quais encontra-se sujeito, mas principalmente ao ditames morais qe regem o comportamento de todos que vivam em sociedade. Destaque-se que: Não são os juízes servidores públicos, ainda que devam bem servir ao público na função de julgar. São os magistrados agentes políticos do Estado, órgãos do Poder Judiciário, pilares da Democracia, garantias do indivíduo frente ao Poder Público e guardiães da própria legalidade e da harmonia entre os Poderes do Estado7.

Não dar a sociedade o que ela almeja para o bom viver, assim com privá-la dos direitos que lhe foram assegurados induz a uma situação onde, em breve, pode o caos prosperar, se é que ele já não se encontre em plena marcha. Do mesmo modo que se espera retidão ética e moral de um membro do Poder Legislativo, também se espera dos membros do Poder Judiciário, exigindo que o cidadão procure avaliar e averiguar constantemente a conduta de ambos, não como forma de policiamento miliciano, mas sim como instrumento capaz de assegurar uma nação mais justa e igualitária. Não se trata de cuidar da desigualdade social apenas por intermédio de instrumentos legais, mas principalmente com a adoção do princípio dar tratamento desigual aos desiguais na medida de suas desigualdades como já afirmou um dos expoentes do Direito em nosso país.

Não acreditamos que a política da “carteirada” acabará num passe de mágica, em especial se a sociedade continuar a trafegar seja pela via do exercício do direito por suas próprias razões, ou pela via de relativizar tal política conforme seu próprio interesse, posto que ambos os caminhos não conduzem a um bom resultado; não temos aqui uma fórmula mágica que se possa apresentar, porém acreditamos que fugir dos funestos véus tanto do paternalismo como do fatalismo que há muito tem assombrado esse país seja um primeiro passo em direção ao rumo mais adequado para uma sociedade capaz de distanciar-se dos mentirosos e aproximar-se dos justos.

Cremos que aqueles que se julgam acima do bem e do mal sejam justamente aqueles para quem o mal mais lhes interessa porque mais frutos auferem; a humilhação, ocorra ela em qualquer situação, além de deplorável é de uma mediocridade patética, pois aquele que humilha tem a si próprio como superior e essa superioridade já deu azo a crimes muito maiores que a história registrou e que ainda registra por todo o planeta. Esperamos que a psicóloga citada no início não seja apenas submetida ao Império da Lei, mas também ao crivo de uma sociedade mais consciente de que a Lei de Gérson não encontra guarida em seu seio.

  1. https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/noticia/2023/05/29/psicologa-ofende-funcionarios-de-restaurante-no-museu- do-amanha-e-vitimas-relatam-agressao-video.ghtml
  2. https://www.significados.com.br/psicologia/#:~:text=Psicologia%20%C3%A9%20a%20%C3%A1rea%20da,a%20mudan%C3%A7a%20de%20comportamentos%20humanos.
  3. https://g1.globo.com/politica/noticia/2023/03/16/cnj-vai-apurar-conduta-de-desembargador-investigado-por-venda- de-sentenca-para-traficantes.ghtml
  4. https://agenciabrasil.ebc.com.br/justica/noticia/2023-05/juiz-acusado-de-assedio-sexual-sera-aposentado- compulsoriamente
  5. https://www.correio24horas.com.br/noticia/nid/falso-juiz-e-preso-aplicando-golpes-em-evangelicos-de-feira-de- santana/
  6. https://www.sbtnews.com.br/noticia/sbt-brasil/245604-bens-apreendidos-do-traficante-andre-do-rap-serao- devolvidos
  7. https://jus.com.br/artigos/250/juizes-nao-sao-funcionarios-publicos

Autor:

Antonio Trovão

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