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sábado, 7 de setembro de 2024

 65  –  Uma nova idéia?…

 – Adivinha quem encontramos na igreja hoje, pai…

– Que tal, antes de vir com adivinhas, dizer “oi, pai, voltei”? 

– Oi, pai, voltei… adivinha quem encontramos na igreja hoje?

– Não deveria pedir a minha benção, primeiro?

– Puxa, pai… hoje o senhor está chato, heim?

– Mocinha, não é porque você está na presença de suas amigas e nem porque ficou longe de casa tanto tempo, que vai esquecer as maneiras que te ensinamos…

– Pai…

– É sério… cadê o “bença, mãe, bença, pai?”

– Ô, paizinho…

– E então?

– Tá bom… sua benção, meu pai….

– Deus te abençoe, minha filha… foi dificil?

– O que?

– Pedir a minha benção?

– O senhor sabe que não, pai… é que eu queria contar as coisas que aconteceram com a gente…

– Cada coisa ao seu tempo, minha filha… cada coisa ao seu tempo.

Maria saiu da sala, amuada pela recepção que seu pai lhe dera. Zacarias deu de ombros. Era rigoroso quanto a tradição em sua família. Não aceitava que se quebrassem regras. “Se não seguirmos aquilo que é certo, o mundo se desmorona”, dizia sempre para sua família.  Na verdade, Zacarias estava preocupado com o caso que o Delegado Vicente havia praticamente jogado em suas mãos. Ele era um caboclo simples, que vivia uma vida tranquila… nunca teve que se preocupar com que tipo de ser estranho que fosse. Sim, haviam os lobisomens da vida, mas ele sempre soube como controlá-los… até agora. De uns tempos para cá estava ficando tudo muito complicado. O único lobisomem que ainda estava sob controle era o Zeca, filho dos Resende. Mas, mesmo esse, Zacarias sentia que estava lhe escapando. Desde seu ultimo encontro com o rapaz que esse se tornou arredio… não voltou ao pasto, como Zacarias lhe pediu, mas também nunca mais conversou com este. E, pelo que Zacarias ouviu, o jovem começou a ficar mais violento, quando se transformava. Ainda não havia feito nenhuma vítima humana, mas Zacarias temia que isso seria apenas questão de tempo…

Zacarias sabia que armas comuns não dariam cabo das criaturas… comuns ou bentas, também não fariam efeito nenhum. Pelo que havia aprendido, apenas uma coisa podia ferir… e até exterminar… essas criaturas. Armas e munições de prata. Munição, ele ainda tinha algumas balas… poucas, na verdade… feitas desse material. Armas brancas? Um velho punhal que pertencera ao seu avô… ou seja, seu arsenal não era muito extenso… além disso, havia mais alguma coisa, da qual ele não conseguia se lembrar. Sabia que era de crucial importância para conseguir levar a cabo sua missão. Mas não fazia a menor ideia do que fosse. Era uma história muito antiga, que ouvira de alguém, quando ainda era criança… mas quem é que havia falado, mesmo? E o que? Não conseguir se lembrar dessas duas coisas o estavam deixando irritado…

Maria continuava amuada, em seu canto. Seu pai nunca a havia tratado dessa maneira… estava diferente, Mais sério, sisudo… o que será que o estava deixando tão nervoso, assim? Resolveu perguntar para sua mãe, mas esta não sabia o que dizer. Tudo o que sabia era que ultimamente Zacarias andava de baixo para cima com o Delegado Vicente, que parecia um bom homem, porém não tinha hora certa para aparecer… E quando chegava, Zacarias já ia ao seu encontro, e os dois partiam, sem nunca dizer para onde iriam ou o que fariam… a única coisa que sua mãe sabia é que seu pai estava preocupado com alguma coisa grande… tão grande que até o seu Nardi o havia liberado para ajudar o delegado…

– Maria…

Era Zacarias, chamando sua filha…que o atendeu de pronto. O que será que seu pai queria, agora?

– Minha filha, me diga uma coisa… você sabe usar as armas que carrega? 

– Claro, pai… tanto eu quanto as meninas aprendemos a manuseá-las em nossas andanças…

– Sei…. todas vocês são boas com o revolver…

– Na verdade, não… eu uso bem os revolveres, a Graça é boa com o punhal e a Rosa usa o laço e a boleadeira como ninguém…

– Então vocês três se complementam…

– Isso mesmo… sem contar que a líder do grupo é a Graça…

– O punhal da Graça…

– É de prata, pai… por que a pergunta?

– Nada, não… é que me passou uma ideia pela cabeça… a boleadeira da Rosa…

– Também tem prata… as bolas são de prata…

– Sua munição…

– Sei que é estranho, mas toda a minha munição… tenho quatro caixas lacradas… também é de prata….

– E onde…

– Não sei explicar isso, pai… nossas armas e munições eram normais, até dois dias atrás… e, de repente… não sei o que aconteceu…

Zacarias ficou pensativo por alguns momentos. Então chamou as duas moças para se reunirem com ele e sua filha.

– Moças, eu sei que vocês não fazem a menor ideia do que estamos enfrentando aqui na região nesses últimos tempos… mas de repente me ocorreu que vocês três podem ser a chave para conseguirmos da cabo desta situação…

As três olharam para ele com cara de surpresas, pois não entenderam o que o pai de Maria queria dizer. Sim, Graça e Maria sabiam que algumas situações estranhas estavam ocorrendo no vilarejo, quando partiram. Será que era sobre isso que ele estava falando?

Zacarias ficou calado por alguns instantes, imerso em seus pensamentos,  sem saber se a ideia que lhe ocorrera poderia ou não ser a solução para os problemas que enfrentava…. mas alguma coisa em seu intimo lhe dizia que deveria inteirar as moças do que estava ocorrendo e pedir-lhes a ajuda que de repente lhe pareceu que apenas elas poderiam dar. Claro que antes teria que conversar com Juvêncio, mas isso seria feito logo à noite na nova reunião que o delegado havia marcado… e ele levaria as três garotas consigo, e explicaria ao delegado sua ideia…

–  Garotas, mais tarde tenho uma reunião com o Delegado Vicente… gostaria muito que vocês me acompanhassem…

– E porque?

– Vão entender quando estivermos lá…

As três assentiram com a cabeça… porque não? Afinal, quem sabe se ali não estava o inicio de uma nova aventura, não é mesmo?

66  – Mais uma reunião

Eram mais ou menos umas oito horas da noite. E estava uma noite fria, bem diferente das últimas, que apresentaram uma temperatura cálida, reconfortante. Sim… era uma noite gélida como se já estivessem em pleno inverno… o vento que soprava do leste para oeste vinha silvando, como se almas de mil condenados se lamentassem ao mesmo tempo. Não havia luar nesta noite, tornando-a ainda mais lúgubre. O céu não apresentava suas estrelas de sempre, pois as nuvens pesadas de chuva as encobriam. Sim, a noite não trazia nenhum sinal de esperança, ao contrário… de vez em quando um relâmpago riscava o céu, prenunciando que dali a pouco um dilúvio cobriria toda a terra. Os animais corriam para seus abrigos, apavorados com o som dos trovões que reboavam pela campina…

Todos na vila já haviam se recolhido… com a chuva que se anunciava, não seria muito saudável ficar em campo descoberto. Mas… estranho… não era época de chuva, menos ainda de trovoadas… e, no entanto, essa se avizinhava cada vez mais próxima, mostrando que viria com uma força avassaladora… como uma tromba d’água… 

Juvêncio e seus companheiros estavam reunidos na sala reservada por ele na pensão de dona Monica. Essa sala se tornara o quartel general do grupo nos últimos dias. Estavam quase todas as noites a discutir seus planos de ação. Mas até o momento não havia passado disso…  discutir planos de ação. Juvêncio já não sabia mais o que procurar. Por mais que tentasse, não conseguia ver uma saída para aquela situação. Sim, tinha a sua suspeita e, sim, tinha que provar que ela era a responsável pelos acontecimentos que tanto os afligiam. Mas esse era o problema… não conseguia a menor pista, por mais que escarafunchasse a vida da moça… revirou todo o passado da professora, mas não conseguiu encontrar nada que a desabonasse… tudo que conseguia era saber que não havia pessoa mais integra que a professora Alice… mas essa resposta não conseguia convencê-lo….

Zacarias fazia suas pesquisas em paralelo. Nunca compartilhou suas descobertas com o Delegado, não porque não confiasse neste, mas porque sempre achou melhor manter em segredo os resultados de suas investigações até que estas estivessem completas. Preferia manter o sigilo daquilo que fazia… em sua opinião, era mais seguro assim, pois não importa o que descobrisse, teria certeza de que a verdade apareceria… e nos últimos tempos, nada parecia ser o que era…

Maria e suas amigas ficavam olhando para os outros membros ali reunidos, sem entender o que realmente estavam fazendo naquele local. Sim, o pai de Maria as havia convidado, mas até agora não faziam a menor ideia sobre o que seria a tal reunião.

Alberto estava visivelmente entediado. Afinal, aquelas reuniões não estavam levando a nada. Ele estava pensando seriamente em sair daquele grupo e deixar pra lá aquela investigação. Afinal, já havia assinado os atestados de óbitos daqueles que haviam partido… mesmo não tendo certeza sobre o real motivo de seus passamentos… na verdade, ele já havia decidido comunicar ao grupo sobre sua decisão no final desta que seria a ultima reunião que iria participar. Esdrúxula, que não os estava levando a nada. No fundo a professora estava certa… procurar uma causa sobrenatural para as mortes que haviam ocorrido na região era assinar um atestado de incompetência, onde os participantes diziam não ser capazes de encontrar resposta racional para o problema.

Duarte não sabia o que pensar… desde que o Delegado havia tido aquela conversa com ele que passou a observar mais de perto Alice… e, mesmo contra a sua vontade, tinha que admitir que ela agia de forma estranha em algumas situações. E ele reparara que, quando a professora se sentia contrariada, seus olhos pareciam adquirir uma coloração diferente, além de transmitirem um ar maligno. Era coisa de segundos, quase imperceptível… mas depois que reparou nesse detalhe na primeira vez, não conseguia desviar seu olhar do semblante da professora cada vez que essa tinha uma mudança de humor…

Alice continuava impenetrável para todos. Sempre alegre, sorridente… era impossível saber no que a moça estava pensando. De qualquer forma, mesmo que não demonstrasse, ela já havia percebido a desconfiança das pessoas ao seu redor. Mas isso não a fez tornar-se arredia a todos… não, ela na verdade estava esbanjando simpatia e alegria a todo mundo, sem exceção… e era esse comportamento que desconcertava as pessoas à sua volta…

Duarte queria entender porque a professora podia entrar à vontade na igreja uma vez que, segundo Zacarias, ela era uma vampira. Oras, ele sempre aprendeu que vampiros não podiam pisar em solo sagrado… e existe solo mais sagrado do que o da Santa Igreja? Além disso, até onde ele sabia, vampiros não poderiam andar à luz do dia, pois o sol simplesmente os destruiria… foi isso que ele sempre aprendeu,,, e, no entanto, a professora andava livremente pela cidade durante o dia, e não parecia que a luz diurna a incomodava. Pelo contrário, quanto mais o sol estava escaldante, mais ela gostava de expor-se a ele… além disso, não existia pessoa mais prestativa e bondosa em toda a região… sempre que alguém precisasse de alguma ajuda, fosse a hora que fosse… de dia ou de noite… lá estava presente a professorinha… sim, não existia uma pessoa  melhor que ela em toda a região…. e agora Zacarias vinha com essa história?!… É, era difícil de entender, mesmo já tendo visto alguns vislumbres um tanto quanto estranhos… 

Juvêncio estava caminhando pela sala lentamente, com as mãos para trás, fazendo círculos em volta de seus companheiros. Estava compenetrado… tentava pensar na melhor forma de começar sua preleção, porém nada lhe vinha à cabeça. Depois de muito pensar, resolveu passar para Zacarias o dever de abrir os trabalhos daquela noite. De repente, seu parceiro poderia ter tido algum avanço em um campo no qual ele estava perdendo as perspectivas…

Autora:

Tania Miranda

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