Há anos ouço, em diversos programas esportivos, os jornalistas questionando os motivos pelos quais, apesar dos clubes brasileiros serem mais poderosos economicamente que seus adversários continentais, fato que lhes permite realizar investimentos mais vultosos em seus elencos, não conseguirem ser hegemônicos na Libertadores da América.
Várias questões podem ser levantadas. Mas, antes disto, é interessante ressaltar que ela foi conquistada por equipes brasileiras nos últimos dois anos e a final de 2020 foi paulista, entre Palmeiras e Santos. Na atual temporada, o domínio brasileiro é inquestionável. Neste momento, das quatro vagas nas semifinais, três são daqui: Flamengo, Palmeiras e Atlético Mineiro.
Retornando ao questionamento inicial, o primeiro aspecto que gostaria de destacar é a maior abertura dos clubes nacionais para o mercado sul-americano. Os argentinos sempre foram muito hábeis em explorar as potencialidades do continente. Nós, talvez de forma arrogante, muitas vezes preferíamos investir em um atleta brasileiro que se encontrava no exterior do que garimpar na América Latina.
Não somos a “flor exótica” da América do Sul apenas por termos adotado a Monarquia após a Independência, em 1822, em contraposição ao restante do continente que se tornou republicano, nós também falamos português e não espanhol. Temos costumes culturais próprios, assim como os demais povos. Enfim, isso tudo é para dizer que aparentemente é mais fácil readaptar um atleta brasileiro que retorna ao seu país do que adaptar um estrangeiro. A princípio, concordo com a premissa. No entanto, aos sermos um mercado eminentemente exportador de talentos, o que nos resta é repatriar os jogadores mais velhos ou aqueles que, por diversos motivos, não vingaram lá fora.
Quando ressalto o retorno de jogadores mais velhos não quero depreciá-los, são infindáveis os exemplos anteriores e atuais de como eles podem contribuir para as suas equipes. No entanto, é inegável que eles não se encontram no apogeu de suas carreiras. Mas, simultaneamente, percebemos que os clubes brasileiros passaram a se aventurar mais intensamente entre os seus vizinhos continentais. Como estes países também são exportadores de talentos, o futebol brasileiro, com maior poder de barganha, pode trazê-los para cá e tal movimento pode gerar três efeitos: servir de ponte para negócios lucrativos com outros mercados, fortalecer a equipe local e enfraquecer os rivais.
Se você tem mais “bala na agulha”, no caso, tem mais recursos para investir, provavelmente contratará profissionais mais gabaritados para compor o seu elenco. A discrepância atual entre o futebol dos clubes sul-americanos e europeus ocorre muito menos por questões táticas ou de preparação física do que em termos de investimentos. Vários clubes europeus são verdadeiras seleções mundiais. Por aqui, na América do Sul, tal discrepância existe, mas é menos acentuada, o que “democratiza” as conquistas e isto seria o segundo ponto da reflexão.
Finalmente, os investimentos precisam de tempo para sua completa maturação. Os resultados no futebol não se resumem a colocar vários talentos para jogarem juntos. É fundamental dar conjunto, o jogo precisa fluir de forma natural e também é preciso encontrar o esquema tático que potencialize a capacidade de cada um dos jogadores. O líbero do Ajax e da inesquecível Holanda de 74, Hulshoff, afirmou: “As pessoas não conseguiam ver que, às vezes, nós fazíamos as coisas automaticamente. Isso porque jogamos juntos por longo tempo. O futebol é melhor quando é instintivo”. Ou seja, ele é instintivo porque todos os atletas da equipe sabem como os seus colegas deverão se posicionar e proceder. Tática, técnica e conjunto atuando em prol das vitórias.
Palmeiras e Flamengo há anos possuem uma base formada. Alguns jogadores são vendidos e outros são comprados, mas o eixo é mantido. Mais recente, seguindo o mesmo caminho, temos o Atlético Mineiro. A equipe de Belo Horizonte formou sua base em 2020. Ela foi mantida e incrementada em 2021. Palmeiras e Flamengo já estão colhendo frutos, foram os últimos dois campeões da Libertadores, conquistaram títulos nacionais e podem fazer a final desta edição da competição continental.
No futebol há espaço para o inusitado, mas ele não é a regra. Neste sentido, será coincidência que Atlético Mineiro e Palmeiras liderem o Brasileirão e o Flamengo, com dois jogos a menos, ocupe a quinta posição? Se triunfar nos jogos atrasados, a equipe da Gávea ocupará a segunda posição da tabela e, isto ocorrendo, os três semifinalistas da Libertadores serão os líderes da competição nacional.
Na noite de hoje, momento em que escrevo, o Fluminense, que é o clube com menor investimento entre os brasileiros que jogaram as quartas de finais da Libertadores, terá um confronto difícil contra o Barcelona de Guayaquil. Se triunfar, a competição continental se tornará uma filial do Campeonato Brasileiro e teremos dois clássicos, Palmeiras e Atlético Mineiro e o colorido Fla-Flu. De qualquer forma, teremos pelo terceiro ano consecutivo um representante nacional na grande final.
Vou fazer meus prognósticos e não ficarei em cima do muro. Obviamente que as chances de me equivocar são bem palpáveis. O Palmeiras e o Atlético devem fazer um clássico bastante equilibrado. Ambas passaram por adversários tradicionais e com placares agregados similares, 4X1 em favor do Palmeiras e 4X0 para o Atlético. Mas, como prometi, não ficarei sem dar minha opinião. Vejo o Atlético Mineiro levemente favorito por contar com jogadores mais decisivos, particularmente no ataque.
Independente do adversário, Fluminense ou Barcelona de Guayaquil, a forma como o Flamengo triturou o Olímpia do Paraguai e o bom futebol apresentando desde que Renato assumiu a equipe, apesar do tropeço contra o Internacional, a equipe rubro-negra deverá ser a outra finalista. Para a equipe da Gávea, apesar de ser um clássico, enfrentar o Fluminense seria a melhor opção, pois evitaria uma longa e cansativa viagem até o Equador, sobretudo para uma equipe que disputa o Brasileirão, a Copa do Brasil e a Libertadores.
Se os meus prognósticos estiverem corretos, Atlético Mineiro e Flamengo poderão reeditar o grande confronto que marcou a Libertadores de 1981. Espero que desta vez sem as mesmas polêmicas. O jogo de 1981, disputado em Goiânia, terminou aos 37 minutos do primeiro tempo após o árbitro da partida, José Roberto Wright, expulsar cinco jogadores do Atlético: Éder, Reinaldo, Palhinha, Chicão e Osmar Guarnelli.
Se chegarem à decisão, cariocas e mineiros jogarão no final de novembro novamente em campo “neutro”, no histórico estádio Centenário em Montevidéu, palco da decisão da primeira Copa do Mundo vencida pelos uruguaios em 1930. Meu único prognóstico no momento, caso o confronto se confirme, é que será um jogo fantástico.
Autor:
Luiz Henrique Borges